03/06/2014
Com as parcelas dos empréstimos pesando mais no bolso do consumidor, especialistas recomendam evitar a tomada de crédito.
De acordo com dados do Banco Central, entre abril do ano passado e o mesmo mês de 2014, a taxa média de juros cobrados no crédito pessoal ficou 46% mais cara.
Na prática, isso significa que um consumidor que contratasse um empréstimo de R$ 1.000 em abril do ano passado pagaria, ao final de 12 meses, R$ 1.678,44. No mesmo exemplo hoje, a pessoa desembolsaria R$ 1.991,79.
Parte dessa alta é explicada pelo movimento de elevação da taxa básica da economia, a Selic, que passou de 7,25% ao ano em março de 2013 para os atuais 11%.
“O crédito tem acompanhado basicamente o aumento da Selic. Agora, deve começar a ter uma interrupção nesse encarecimento, porque a taxa parou de aumentar”, afirma Nicolas Tingas, economista-chefe da Acrefi (Associação Nacional das Instituições de Crédito, Financiamento e Investimento).
Mas não é apenas esse componente que conta. A inadimplência também pesa.
“O crescimento da renda diminuiu. Com o aumento da inflação, mais pessoas deixam de pagar as contas”, diz Alexandre Chaia, professor do curso de planejamento financeiro do Insper, instituto de ensino.
Para Chaia, diante desse cenário de encarecimento do crédito, o consumidor deve ficar mais seletivo na hora de contratar um empréstimo.
LINHAS “FÁCEIS”
A principal orientação é ponderar se realmente o crédito é necessário. Muitas vezes o consumidor entra no cheque especial, por exemplo, para comprar produtos supérfluos, que poderiam ser adquiridos posteriormente.
“Às vezes as pessoas estão tão acostumadas a contar com o limite do cheque especial que não consideram essa modalidade como uma dívida”, diz Erasmo Vieira, consultor da Planilhar Planejamento Financeiro.
Isso ocorre, segundo Vieira, porque o cheque especial e o limite do cartão de crédito são linhas “de fácil acesso”, que acabaram caindo no gosto dos brasileiros.
“Muitos consumidores têm recursos aplicados na poupança e hesitam em sacar o dinheiro para pagar dívidas. É um erro clássico”, diz.
“Não há aplicação de renda fixa cujo rendimento supere os juros cobrados pelo cheque especial ou pelo rotativo do cartão de crédito.”
A urgência de cada caso vai definir se o crédito saiu barato ou caro, afirma José Vignoli, especialista em finanças pessoais do portal Meu Bolso Feliz, da SPC Brasil.
“Se a pessoa usa o cheque especial para pagar o hospital, é um crédito barato. Se o utiliza para pagar o restaurante, é caro.”
Se a pessoa concluir que precisa mesmo do empréstimo, deverá avaliar as opções.
O crédito consignado é, em geral, a modalidade com taxa mais baixa porque, como a parcela é debitada na folha de pagamento, o banco tem mais segurança de que vai receber e, por isso, cobra menos. Os dados do BC comprovam: a taxa média desse tipo de empréstimo ficou estável entre março e abril, em 25,3% ao ano. Já o juro do cheque especial mudou de patamar: passou da casa dos 140% (exatamente 147,9% ao ano) em dezembro de 2013 para 161,8% ao ano em abril.
FINANCEIRAS
O consumidor que não consegue comprovar renda ou que já esgotou o limite de crédito no seu banco tem a possibilidade de contratar empréstimo em financeira. Mas é preciso tomar cuidado com as taxas, mais altas do que dos bancos de varejo.
“Se a instituição financeira sabe que aquela pessoa está endividada e não tem mais limite de crédito ou ela não pode comprovar renda, vai pagar mais”, afirma Chaia, do Insper.
Para Tingas, da Acrefi, não adianta recorrer a mais um empréstimo se o endividado não mudar seu modo de lidar com as finanças.
“Se você está numa situação de buraco permanente no orçamento que não consegue pagar, por mais que reestruture sua dívida, terá ou que arranjar mais receita ou reduzir a despesa. Não tem mágica.”
Migrar dívida é alternativa para aliviar bolso
O tomador de crédito que não conseguiu renegociar a dívida no banco pode tentar a portabilidade – migrar o empréstimo para outra instituição. A regulamentação que permite essa troca entrou em vigor no mês passado.
O objetivo é estimular a concorrência entre os bancos e facilitar a migração de empréstimos para o consumidor.
O primeiro passo para fazer a portabilidade é pesquisar em outras instituições financeiras se há condições melhores para a troca. Em seguida, o consumidor deve levantar o tamanho de seu débito no banco e informar sobre a intenção de migração.
A instituição de origem tem, no máximo, cinco dias úteis para fazer uma contraproposta ou liberar o consumidor para a concorrência.
A portabilidade pode ser uma ferramenta para quem está insatisfeito com seu atual empréstimo, por achar que há condições melhores no mercado.
No entanto, é preciso fazer contas. “Tem que verificar quais custos existem para essa troca. Se haverá cobrança de taxa para cadastro, se a cesta de tarifas é mais cara ou não”, diz José Vignoli, especialista em finanças pessoais do portal Meu Bolso Feliz, da empresa de informações financeiras SPC Brasil.
Além disso, não necessariamente haverá uma proposta para migração. “O outro banco não é obrigado a aceitar a dívida”, afirma.
Um dos motivos para a instituição rejeitar a dívida é o histórico de inadimplência do cliente. “Os bancos trocam informações. Quem está endividado vai ter menos acesso a crédito”, afirma Carlos Honorato, professor da FIA (Fundação Instituto de Administração), ligada à USP.
Cresce peso de dívidas no orçamento das famílias
Reportagem da Folha publicada na semana passada relatou que a parcela da renda das famílias comprometida com encargos de dívidas subirá para nível recorde, resultado de crescimento da taxa de juros, expansão mais moderada dos prazos de empréstimos e aumentos menores dos salários. A projeção é do banco Credit Suisse.
Essa combinação, avalia a instituição, deve contribuir para frear ainda mais o consumo das famílias.
O resultado já começa a aparecer. Na divulgação do PIB (Produto Interno Bruto) do primeiro trimestre, na sexta-feira (30), o consumo das famílias caiu 0,1% em relação a igual período de 2013, pior resultado desde o terceiro trimestre de 2011.
Para o Credit Suisse, a porcentagem dos rendimentos para pagar juros e amortizações subirá de 21,9% em fevereiro para 23% no fim de 2014 e terá trajetória ascendente até atingir 23,7% em dezembro de 2015. O percentual mais alto já registrado no país foi 23%, em janeiro de 2012.
Apesar do ciclo de alta da Selic iniciado em abril de 2013, a fatia da renda das famílias usada no pagamento de encargos de dívidas recuou entre o fim de 2012 e o de 2013. Na quarta passada, o BC decidiu manter a taxa básica de juros em 11% ao ano.
Fonte: Folha de S. Paulo – SP – 02/06/2014