03/08/2015
Texto de matéria: Dólar atinge maior valor em 12 anos
Cenário econômico e político faz volume de negócios na Bolsa voltar ao patamar de 2010 Com o temor dos investidores sobre o esforço fiscal, o dólar comercial fechou no maior valor em 12 anos: R$ 3,348.
No Rio, quem vai viajar paga até R$ 3,74. O abalo na confiança já fez caírem os negócios na Bovespa e no mercado de renda fixa. -SÃO PAULO- A retração da economia brasileira, a incerteza no campo político e o risco de perda do grau de investimento estão minando completamente a confiança dos investidores. E isso já se reflete em uma redução significativa do volume de negócios nos mercados financeiros — uma das consequências da chamada aversão ao risco. A média diária na Bolsa de Valores de São Paulo (Bovespa) voltou aos patamares de 2010. Já as emissões de títulos e ações estão no pior patamar desde 2009, quando houve um freio nesses mercados na esteira da quebra do banco de investimentos Lehman Brothers, nos EUA, um ano antes. Especialistas destacam que a atual conjuntura torna difícil avaliar o preço determinado de um ativo, dificultando o processo de tomada de decisões. Dados da Economática mostram que o volume negociado na Bovespa em julho, até o dia 23, era de R$ 4,9 bilhões diários, mesmo patamar registrado em agosto de 2010 e bem abaixo da média de meses anteriores, que oscilou entre R$ 6 bilhões e R$ 7 bilhões. Já as emissões de títulos de renda fixa totalizaram no primeiro semestre R$ 63,5 bilhões no mercado doméstico e US$ 8,1 bilhões no externo, o nível mais baixo desde 2009, segundo a Associação Brasileira das Entidades dos Mercados Financeiro e de Capitais (Anbima). TÍTULOS DA DÍVIDA PÚBLICA VIRAM PREFERÊNCIA Para Marcos Molica, sócio da Rosenberg Partners, essa queda abrupta é consequência direta de um ambiente econômico em que, a cada semana, as projeções para a recessão são revisadas para pior. E em que crescem, ainda, as dúvidas sobre a capacidade de recuperação econômica para 2016, sobretudo após o rompimento do presidente da Câmara, Eduardo Cunha (PMDB-RJ), com o governo. Para piorar, a redução da meta de superávit fiscal (economia para o pagamento dos juros da dívida) de 1,1% para apenas 0,15% do PIB foi interpretada como um fator de risco, capaz de levar o país à perda do grau de investimento, uma espécie de selo de bom pagador. — De um lado, temos uma recessão muito profunda, que está surpreendendo as pessoas negativamente. Isso reduz naturalmente o volume da atividade. Além disso, há um aumento significativo da incerteza, o que dá maior volatilidade a todos os mercados, e a consequência natural para quem administra recursos é reduzir o volume de transações e exposições — afirma Molica. Ele acrescenta que a incerteza tende a jogar os preços para baixo. É o que se vê no caso da moeda brasileira, que enfraqueceu. O dólar comercial chegou ontem a R$ 3,348 e acumula alta de 25,8% no ano. Sem ter certeza sobre o cenário futuro, muitos investidores preferem aplicações mais seguras, como os títulos da dívida pública. O resultado é um mercado menor e mais volátil. O fato de a economia crescer pouco é outro fator limitante. O relatório semanal Focus, do Banco Central, que compila as projeções de economistas e analistas, aponta uma retração de 1,7% do PIB este ano e expansão de apenas 0,33% em 2016. No entanto, diversos bancos já revisaram suas projeções para queda de 2% na atividade econômica em 2015 e estagnação no ano que vem. Sem crescimento, o lucro das empresas também tende a cair ou ficar estagnado — o que reduz a demanda por novos projetos. Ou seja, as empresas não estão procurando dinheiro, caro por causa da alta dos juros. Além disso, como os lucros não devem crescer, os investidores também não têm interesse em aplicar seu dinheiro. —Éo que acontece também no mercado de capitais. Você não tem oferta de ações ou emissão de títulos, em que os juros sobem nesses momentos. É uma recessão acompanhada de incerteza política muito grande e sem visibilidade sobre quando haverá a inversão desse quadro — diz Molica. Pablo Spyer, diretor da Mirae Asset, lembra também que a maior volatilidade acaba espantando parte dos investidores. E mesmo o dólar alto, que torna mais barato para o estrangeiro investir no Brasil, não tem ajudado tanto, já que a incerteza em relação à economia brasileira torna mais difícil a análise dos ativos: — A alta cotação do dólar e o juro elevado acabam atraindo alguns investidores estrangeiros, mas eles acabam indo mais para título público. Ontem, o banco americano Morgan Stanley divulgou um relatório no qual sugere a seus clientes que reduzam sua exposição a ativos brasileiros. O conselho era focar em ações de empresas que possam se beneficiar da elevada cotação do dólar, já que não há expectativa de depreciação da moeda americana a curto prazo, ou em companhias consideradas defensivas, ou seja, que sofrerão menos em um cenário de retração. Essa receio todo está relacionado ao temor de o Brasil perder o grau de investimento. Isso porque os grandes fundos globais só podem investir em um país se ele tiver selo de bom pagador em ao menos duas das três grandes agências de classificação de risco. Na Standard & Poor’s, a nota ( rating) brasileira está apenas um degrau acima do nível especulativo. Na Moody’s e na Fitch, dois degraus — mas a expectativa é que ambas façam um rebaixamento em breve. E, após a redução da meta, a aposta é que, além do rebaixamento, as agências coloquem a perspectiva do Brasil como negativa, o que indicaria que o próximo passo será a perda do grau de investimento. MENOS TRANSAÇÕES E POUCOS PARTICIPANTES Além disso, o corte da nota do Brasil levaria a uma reclassificação dos ratings das empresas, aumentando o custo de captação para elas e dificultando novos investimentos. — Uma inversão desse quadro não ocorre de uma hora para outra. Esse cenário de recessão é uma ferida que será cicatrizada lentamente. Muitos saem completamente do mercado até a incerteza diminuir — diz Michael Viriato, coordenador do laboratório de finanças do Insper. Além da queda do volume, o que se vê é um menor número de participantes. No caso do mercado de câmbio, Hideaki Iha, operador da Fair Corretora de Câmbio, diz que, mesmo que o volume não caia, boa parte dos investidores fica fora. O ideal, segundo ele, é que empresas, exportadores, importadores, instituições financeiras e investidores pessoas físicas participem: — Em um mercado normal, todos esses agentes fazem operações. É assim que funciona o mercado de câmbio, com todo mundo apostando na alta ou na baixa. Mas não tem horizonte, e os investidores vão saindo. Só opera quem realmente tem necessidade. Bancos veem suas receitas capirem à metade Com menos negócios nos mercados financeiro e de capitais, cai a receita dos bancos de investimento, que vivem de comissões pelas operações fechadas. Levantamento da consultoria Dealogic a pedido do GLOBO mostra que as receitas dessas instituições no primeiro semestre foram de US$ 203,7 milhões — metade do registrado em igual período de 2014. Na América Latina, a queda foi menor: 36,6%, para US$ 570,8 milhões. O BTG Pactual lidera o ranking dos bancos mais ativos no país, seguido por Itaú e Credit Suisse. Entre janeiro e junho de 2014, as três primeiras colocações eram de Itaú, BTG e Bradesco. Na América Latina, os três primeiros são Deutsche Bank, Bank of America e Credit Suisse. Nesse cenário, é o governo que pode dar um alívio ao setor. A expectativa é que os ministérios passem a aprovar com maior rapidez as debêntures incentivadas (ligadas a projetos de infraestrutura) e que ocorra a oferta de ações da Caixa Seguridade e da resseguradora IRB Brasil. (A.P.R.) Com temor sobre esforço fiscal, dólar bate recorde em 12 anos Moeda fecha a R$ 3,348. Turistas já desembolsam R$ 3,74 no pré-pago O dólar manteve ontem sua trajetória de alta, devido à preocupação dos investidores com o esforço fiscal do governo. No comercial, a cotação encerrou o dia com alta de 1,57% frente ao real, a R$ 3,348 — a maior desde os R$ 3,355 registrados em 31 de março de 2003. Desde março a divisa não fechava acima de R$ 3,30. Já o dólar turismo, usado em viagens, encerrou o dia custando até R$ 3,74 em agências de câmbio do Rio. Na semana, o dólar comercial acumula valorização de 4,8% e, no ano, de 25,8%. O maior valor para o câmbio turismo foi verificado na corretora Cotação. No cartão prépago, a cotação passou de R$ 3,70 pela manhã para R$ 3,74 no fim da tarde. Em espécie, os valores foram de R$ 3,52 e R$ 3,56, respectivamente. Essas cotações já incluem o Imposto sobre Operações Financeiras ( IOF), cujas alíquotas são de 0,38% para papel- moeda e 6,38% para o cartão. Na Western Union, o papelmoeda estava a R$ 3,46, e o cartão, a R$ 3,68. Na Ultramar Câmbio, as cotações encerraram o dia a R$ 3,47 (espécie) e R$ 3,70 (cartão). Na TOV Corretora, o papel-moeda saía a R$ 3,46, contra R$ 3,66 do cartão. As agências de câmbio do Bradesco cobravam R$ 3,72 no pré-pago e R$ 3,55 na compra em espécie. No Banco do Brasil, as cotações eram de R$ 3,62 e de R$ 3,45, respectivamente. O movimento de valorização do dólar reflete o temor dos investidores de que o esforço fiscal — o governo reduziu esta semana a meta de superávit primário (economia feita para o pagamento de juros da dívida) — não será suficiente para impedir o crescimento da relação entre a dívida e o Produto Interno Bruto (PIB), um dos indicadores avaliados pelas agências de classificação de risco ao dar uma nota ( rating) a um país. Na avaliação de Hideaki Iha, operador de câmbio da Fair Corretora, a aversão ao risco já estava elevada, e a redução da meta agravou ainda mais essa percepção: — As expectativas estão ruins, e não há nenhuma notícia interna positiva. Além disso, se o país perder o grau de investimento, alguns fundos estrangeiros terão que retirar os recursos aplicados em ativos brasileiros. Nem mesmo as declarações do ministro da Fazenda, Joaquim Levy, reafirmando que o ajuste não foi deixado de lado, aliviaram a pressão sobre a moeda. O receio da perda do grau de investimento do Brasil aumenta a aversão ao risco. — O mercado está ainda em um movimento de inércia com o anúncio da nova meta fiscal. Vemos um momento de continuidade de baixa do Ibovespa e o dólar subindo. É muita aversão ao risco, e o investidor está antecipando a possibilidade dessa perda de grau de investimento — explicou Raphael Figueredo, analista da Clear Corretora. BOLSA DE SP CAI 1,13% Já a Bolsa de Valores de São Paulo (Bovespa) fechou em queda de 1,13%, aos 49.245 pontos. Na semana, a perda acumulada é de 5,9%. As ações mais afetadas foram as de maior liquidez. As preferenciais (PN, sem direito a voto) da Petrobras caíram 1,27%, a R$ 10,04 — durante o dia, o papel chegou a ficar abaixo de R$ 10, o que não acontecia desde o fim de março. As ordinárias (ON, com voto) perderam 1,77%, valendo R$ 11,09. A Vale também teve forte desvalorização: 2,29% a PN e 3,06% a ON. Analistas temem bola de neve Ajuste, somado a juro alto, pode elevar relação entre endividamento público e PIB Entre os indicadores que ajudam a compor a radiografia da economia brasileira, há um que vem preocupando cada vez mais os analistas: a relação entre a dívida bruta e o Produto Interno Bruto (PIB). Em clara tendência de alta, o número é acompanhado com lupa pelo mercado financeiro, pois indica a capacidade que o país tem de cumprir suas obrigações com investidores. Segundo os dados mais recentes, de maio, essa proporção está em 62,5%. Esse número recua quando o governo consegue poupar para pagar os juros e quando a economia cresce. Mas tende a aumentar quando o oposto ocorre: contas públicas em desequilíbrio e atividade econômica fraca, justamente o cenário atual do país. Com isso, já há economistas que preveem que o indicador chegará a 70% em 2017, um patamar não visto desde 2004. ‘CHOQUE DE CONFIANÇA’ Ter uma dívida alta em relação ao tamanho da economia não é necessariamente um problema, afirmam especialistas. No Japão, por exemplo, essa relação beira os 200%. Nos EUA, maior potência mundial, é da ordem de 100%. O que ameaça o equilíbrio da economia, no entanto, é a velocidade com que essa dívida cresce — ritmo influenciado diretamente pelos juros reais, altos no Brasil e muito baixos nos países ricos. — No Brasil, o juro real é muito alto, na faixa de 9%. Se cair para 5%, o saldo primário (economia para pagar os juros da dívida) tem de ser na faixa de 3% do PIB. Esses países ( Japão e EUA) operam com juro zero. Eles podem até ter déficit primário que não tem problema — explica o economista Carlos Thadeu de Freitas, exdiretor do Banco Central. Para Mansueto Almeida, economista especializado em finanças públicas, as projeções do governo, que pretende encerrar o mandato com dívida em cerca de 66% do PIB, são otimistas. Ele destaca que as contas da equipe econômica preveem uma queda forte dos juros, o que pode não ocorrer. — Se o juro real não cair tanto, essa dívida passa tranquilamente a 72% no fim do governo (em 2018). Ano que vem, pode ir para uns 69% — estima. Trata-se de um equilíbrio difícil de ser alcançado pela equipe econômica. A elevação dos juros faz a bola de neve da dívida crescer mais rapidamente. Mas a taxa de juros tem sido justamente um dos instrumentos usados pelo Banco Central para mostrar ao mercado seu compromisso com o combate à inflação e, com isso, fazer as projeções para a alta de preços melhorarem —éo que os especialistas chamam de “ancorar expectativas”. — Para quebrar isso, é preciso um choque de confiança, um ajuste fiscal digno desse nome, e uma reviravolta na política monetária. Essa coisa de continuar aumentando juros como se a demanda já não estivesse na lama e não fossem os preços administrados os responsáveis por pressionar a inflação é um disparate — defende o economista Felipe Salto, também especialista em contas públicas. Thadeu de Freitas destaca que, embora a trajetória do indicador preocupe, o Brasil não deve ver uma disparada tão rápida da dívida. Mas ele destaca que o país é muito dependente do financiamento externo. E, como a situação da dívida é um dos indicadores mais observados pelas agências de classificação de risco, perder o grau de investimento — espécie de selo de bom pagador — causaria um impacto na economia:— Hoje, 22% (da dívida) estão nas mãos de não residentes, temos essa dependência internacional. Esse é o ponto mais importante hoje. Se perder grau de investimento, a maior parte não pode comprar essa dívida, e o dólar sobe. Fonte: O Globo – 25/07/2015 |