14/01/2016
A proibição do financiamento empresarial será a grande novidade da disputa municipal de outubro. Qual o reflexo disso nas campanhas? Especialistas ouvidos pelo Correio apostam que as novas regras podem turbinar ainda mais o famigerado caixa dois
Com a proibição de financiamento empresarial e a fixação de limites de gasto nas campanhas eleitorais, as eleições municipais de 2016 vão ocorrer num terreno incerto. Em tese, os políticos utilizarão apenas os recursos do Fundo Partidário e aqueles provenientes de pessoas físicas. Na calculadora dos candidatos, a conta não fecha. A redução das cifras é incompatível com a cultura de gastos milionários das propagandas políticas brasileiras. No pleito de 2012, por exemplo, prefeitos e vereadores gastaram pouco mais de R$ 3,5 bilhões. Neste ano, os 32 partidos terão R$ 867 milhões, provenientes do fundo, para investir. Legalmente, só há uma saída: redução de gastos e campanhas mais modestas. Mas os políticos estariam dispostos? Há quem aponte que as novas regras vão turbinar o recurso não contabilizado, o chamado caixa dois. Outros acreditam que o Brasil está dando o mais importante passo para cortar uma das principais raízes da corrupção: o financiamento privado.
O Partido dos Trabalhadores, por exemplo, gastou em valores atualizados, pouco mais de R$ 800 milhões nas eleições de 2012. Só no primeiro turno, foram quase R$ 400 milhões. No ano passado, a cota do Fundo Partidário destinada ao PT superou pouco mais de R$ 108 milhões, bem distante do total gasto há três anos. O PSDB recebeu, em 2015, R$ 89 milhões do fundo. Em 2012, gastou, apenas no primeiro turno das eleições, R$ 274 milhões em valores atualizados. O abismo é gigantesco.
O cientista político e professor do Instituto de Ensino e Pesquisa (Insper) Carlos Melo acredita que os gastos das campanhas eleitorais não vão ser reduzidos. “Para mim, é claro que tendem a aumentar os recursos não contabilizados, o chamado caixa dois”, afirma. A conta dele é simples. O Fundo Partidário não cobre nem 15% dos gastos totais de uma campanha. Some-se a isso o descrédito da população, o que acarreta a baixa doação de pessoas físicas. “Mesmo o PT, que historicamente foi o partido mais organizado em relação à militância, terá dificuldades de angariar doações dos seus militantes. O descrédito é muito grande”, atesta.
A aposta de cientistas políticos e magistrados ouvidos pelo Correio é de que o país viverá também o pleito mais judicializado da história da democracia brasileira por permitir que adversários, a qualquer sinal de gasto do opositor fora do padrão estabelecido, acionem a Justiça Eleitoral.
Um marqueteiro ouvido reservadamente pelo Correio, com mais de 15 anos de serviços prestados a vários partidos brasileiros, foi categórico ao dizer que o dinheiro aparecerá de qualquer forma porque não há como se mudar do dia para a noite uma cultura de campanha política no país. Ele acredita que os marqueteiros podem até baratear o seu “passe” diante do novo cenário, no entanto, há toda uma engrenagem por trás que não permite um custo muito baixo.
Questionado se as recentes operações, sobretudo a Lava-Jato, não funcionariam como um freio ético significativo para barrar o caixa dois, o professor Carlos Melo diz que é muito cedo para se mudar uma prática enraizada na política brasileira.
“Isso pode ocorrer se tivermos uma continuidade de investigações e punições ao longo dos anos. Não se faz isso com uma única amostra de uma eleição. Para se falar em mudança cultural, precisamos antes de um esforço cultural grande que só se consolida com o passar do tempo. É precoce dizer que uma operação já é suficiente para mudar essa realidade”, opina.
Internet
O secretário de Comunicação do PT e vice-presidente do partido, Alberto Cantalice, diz que a legenda estuda mecanismos para se adequar à nova realidade. A primeira saída é turbinar a campanha na internet. “É indiscutível que o peso das redes sociais na campanha de 2016 será bem maior. Vamos ser obrigados a fazer uma campanha menos pirotécnica, uma campanha mais de estúdio e diálogos. Voltar à campanha de rua, do corpo a corpo. Na eleição passada, tínhamos 54% do eleitorado brasileiro ligado à internet. Agora, já são 70%”, afirma.
O jurista José Paulo Cavalcanti Filho acredita que o caixa dois será fortalecido nas eleições deste ano. “Alguém tem dúvida disso? Alguns já têm o dinheiro guardado. Já fizeram caixa. É ilusão achar que os candidatos não vão fazer uma campanha milionária. Na prática, não muda nada. Os orçamentos apresentados à Justiça Eleitoral sempre foram uma peça de ficção. Todo mundo sabe. Agora, tudo será diferente?”, questiona.
Pelas novas regras, os candidatos não podem mais receber doações diretamente. Os recursos terão que ser repassados aos partidos. As legendas se encarregam de estabelecer critérios para a distribuição dos recursos. A legislação só permite que pessoas físicas doem até 10% da renda bruta do ano anterior. Em julho, o Tribunal Superior Eleitoral vai definir o limite oficial de gastos. No primeiro turno da eleição para prefeito, foi convencionado que o teto será 70% do valor da campanha mais cara onde o pleito terminou no primeiro turno e 50% do gasto total onde houve segundo turno.
Na segunda etapa das eleições, o gasto será de 30% do teto estipulado para o primeiro turno. Em relação à eleição de vereadores, o limite será de 70% da campanha de vereador mais cara em 2012. Em cidades com até 100 mil habitantes, o teto é de R$ 100 mil para prefeitos e R$ 10 mil para vereadores.
A importância da transparência
Os defensores das mudanças das regras eleitorais apontam a transparência dos gastos de campanha como principal trunfo para pôr uma trava definitiva na velha engrenagem de corrupção que alimenta historicamente o toma lá dá cá entre candidatos e doadores. A Lei nº 13.165/2015 conferiu nova redação ao artigo 28 da antiga legislação ao fixar que os partidos, as coligações e os candidatos são obrigados, durante os pleitos, a divulgar em site criado pela Justiça Eleitoral as doações recebidas em até 72 horas.
Antes da reforma eleitoral deste ano, o Congresso tinha que aprovar lei fixando os limites dos gastos. Na ausência dessa regulamentação, eram os próprios candidatos que delimitavam o teto máximo. Dessa maneira, os valores eram informados à Justiça Eleitoral no momento do pedido de registro de candidatura.
O juiz Marlon Reis, um dos principais articuladores e idealizadores da Lei da Ficha Limpa, afirma que, agora, com a reforma eleitoral, há uma transparência muito maior. “O caixa dois não vai ser ampliado. Infelizmente, essa prática é a base das eleições brasileiras. O fato é que o financiamento empresarial nunca cumpriu o princípio da transparência. Não existe um mecanismo de controle eficiente para declararem aquilo que gastaram. O que combate o caixa dois não é dizer quem pode doar ou não. É a fiscalização”, atesta o magistrado.
Ele afirma que nunca houve uma possibilidade tão eficaz de fiscalização como agora. “Durante a eleição, os eleitores vão saber o volume arrecadado. Isso está na lei. É obrigatório. Mais do que os eleitores, quem vai fazer esse acompanhamento diário é o Ministério Público e os próprios adversários”, declara. O juiz ressalta que as campanhas não poderão ser ostensivamente milionárias. “Existem sinais que apontam que há gastos fora do padrão. Evidentemente vamos ter um recuo. Não depende da vontade dos candidatos. Antes, não havia limite. Não tinha teto fixado em lei. O maior fiscal é o próprio adversário. Embora não tenha crime de caixa dois, a punição é perda do mandato e inelegibilidade por 8 anos. Por isso, vislumbro uma explosão de questionamento judiciais nestas eleições. Serão as mais judicializadas da história”, comenta.
Campanha
Na próxima terça-feira, a OAB Nacional, a Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) e o Movimento de Combate à Corrupção Eleitoral (MCCE) lançam uma campanha contra o caixa dois nas eleições municipais deste ano. “Exigiremos que o Congresso vote o projeto de lei que criminaliza o caixa dois nas eleições”, afirma o presidente nacional da OAB, Marcus Vinicius Furtado Coêlho.
“Vamos transformar cada subseção da OAB, cada paróquia e cada sede das entidades que participarem do movimento, inclusive do MCCE, em comitês de combate ao caixa dois eleitoral”, assegura. A campanha também vai incluir fiscalização dos candidatos. “Vamos denunciar todos os candidatos que fizerem campanhas milionárias, desproporcionais ao valor arrecadado legitimamente de pessoas físicas e repasses do fundo partidário”, afirma.
A conscientização dos eleitores para a moralização dos costumes políticos do Brasil também fará parte das ações nos comitês contra o caixa dois. “O voto consciente e a participação do cidadão nos comitês de combate ao caixa dois são essenciais à construção do país que queremos, justo e ético”, afirma o presidente da OAB.
Fonte: Correio Braziliense – 10/01/2016