12/09/2013
A estratégia do governo de estimular o consumo das famílias por meio do aumento do crédito, assim que o mundo ruiu com a quebra do banco norte-americano Lehman Brothers, em 15 de setembro de 2008, fez com que a dívida pública do Brasil desse um salto monumental. Dados do Fundo Monetário Internacional (FMI) mostram que, nos últimos cinco anos, o endividamento bruto passou de 63,5% para 67,2% do Produto Interno Bruto (PIB), nível superior ao registrado por vários países da Zona do Euro antes do estouro¹ da bolha imobiliária dos Estados Unidos. A França, por exemplo, tinha, ao fim de 2007, um índice de 64,2%.
O salto da dívida bruta brasileira foi estimulado, sobretudo, pela injeção de recursos, pelo Tesouro Nacional, nos bancos públicos. Apenas o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) recebeu mais de R$ 300 bilhões, criando, no entender do economista Mansueto Almeida, do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), um orçamento paralelo, que ajudou a minar a confiança dos agentes econômicos no país.
Para ele, o desconforto é enorme, pois, não bastasse a transferência de recursos às instituições públicas, o secretário do Tesouro, Arno Augustin, com o aval do ministro da Fazenda, Guido Mantega, recorreu a truques fiscais para dar às contas públicas uma saúde que elas não têm. A maquiagem nos números foi tão intensa que o Brasil está sob ameaça de rebaixamento pelas agências de classificação de risco. Foi justamente a expressiva recuperação do país logo depois do estouro da bolha imobiliária que levou essas empresas a concederem à economia brasileira o tão sonhado grau de investimento, chancela de porto seguro para o capital.
Hoje, porém, o que impera no Brasil é o pessimismo. Em especial porque o reforço de capital dos bancos públicos, que já respondem por mais de 50% do crédito concedido no Brasil, teve outro efeito colateral: o endividamento excessivo das famílias. Pelos cálculos do Banco Central, em setembro de 2008, 32% da renda dos lares brasileiros estavam comprometidos com o pagamento de dívidas. Em junho deste ano, último dado disponível, 45% do orçamento familiar vinham sendo usados para a quitação de juros e das parcelas de débitos contraídos com os bancos.
Inflação
Na avaliação do estrategista-chefe do Banco Mizuho do Brasil, Luciano Rostagno, as ações do governo no auge da crise mundial foram louváveis, porque permitiram ao país sair rapidamente de um severo processo recessivo. O problema foi ter insistido nas medidas de incentivo ao consumo além do recomendável. Pior: em vez de o Brasil ter impulsionado o crescimento, o que se viu foi o aumento da inflação e a desaceleração da atividade, uma vez que o poder de compra das famílias foi corroído.
Para o economista Andrew Storfer, da Associação Nacional dos Executivos de Finanças (Anefac), as fragilidades do Brasil cinco anos depois da quebra do Lehman Brothers foram se acentuando à medida que ficou clara a saída dos países desenvolvidos da recessão. “Diante de tantos buracos na economia, o capital ficou receoso e passou a buscar oportunidades menos arriscadas nos países desenvolvidos, principalmente nos Estados Unidos, que voltaram a crescer”, assinala.
“Com isso, fica claro que o Brasil está jogando fora a oportunidade de ser um país melhor a médio e longo prazos. O que todos esperavam era uma nação que mostrasse uma face para o mundo de mais investimento, mais amigo do capital, e não criando insegurança.”
No entender de Rostagno, infelizmente, se os ajustes vierem, será somente em 2015, depois das eleições presidenciais. O problema é que, até lá, os entraves acumulados exigirão um esforço redobrado para botar ordem na casa. E a fatura, mais uma vez, acabará no colo do lado mais fraco, a população, sobretudo a mais pobre.
Socorro aos bancos
Apesar do gás de R$ 100 bilhões dados ao sistema financeiro, por meio da liberação de depósitos compulsórios, logo depois do estouro da bolha imobiliária em setembro de 2008, o Banco Central não conseguiu evitar, ao longo dos últimos cinco anos, o fechamento de vários bancos. À época, como deixou claro o então presidente do BC, Henrique Meirelles, o objetivo era irrigar, sobretudo, o caixa das pequenas e médias instituições, que viram as linhas de crédito secar logo depois da derrocada do gigante norte-americano Lehman Brothers. Se elas não fossem socorridas, haveria uma quebradeira em série no país, o que levaria a economia brasileira para uma grande depressão.
Conforme, porém, BC foi fechando as torneiras, os problemas se tornaram evidentes, em especial no caso de bancos que vinham operando de forma irregular, como o Panamericano, ou que foram vítimas de uma corrida bancária, como o Unibanco, absorvido, sem traumas, pelo Itaú, em 2009. No caso do Panamericano, além da possibilidade de vender parte das carteiras de crédito para os bancões, pelo menos R$ 24 bilhões dos compulsórios liberados pela autoridade monetária tinham como objetivo esse tipo de transação, o governo mandou a Caixa Econômica Federal comprar 49% da instituição controlada, naquele momento, por Sílvio Santos. Mas não houve jeito. As fraudes eram tantas, que o BC interveio e o Panamericano, para não fechar as portas, foi arrematado pelo BTG Pactual.
Depois dele, saíram do sistema os bancos Schahin e Mattone, também vendidos, e foram liquidados extrajudicialmente o Morada, o Cruzeiro do Sul, o Rural, o BVA, o Prosper, o Simples e o Mais. “A boa notícia é que todo esse processo foi feito sem traumas, reforçando, de alguma forma, a solidez do sistema financeiro nacional”, diz Ricardo Rocha, professor do Insper. No entender dele, o enxugamento pelo qual vem passando o mercado bancário é saudável.
Há, no entanto, quem critique o sistema de fiscalização do Banco Central. Mais preocupado em conter o risco sistêmico, a instituição deixou de vasculhar, com lupa, o que os bancos de médio e pequeno portes vinham fazendo. Agora, depois de sete trimestres consecutivos de prejuízos, o BC decidiu ver o que está ocorrendo no Banco Votorantim, que também, dentro de uma estratégia do governo de evitar o pior, acabou tendo 49% do capital absorvido pelo Banco do Brasil. (DB).
APERTO
Saldo da crise levou Brasil a acumular dívida superior à da França no pré-crise |
Disparada
|
Brasil | |
2007 | 65,2 |
2008 | 63,5 |
2009 | 66,9 |
2010 | 65,1 |
2011 | 64,9 |
2012 | 68,5 |
2013* | 67,2 |
2014* | 65,8 |
França | |
2007 | 64,2 |
2008 | 68,2 |
2009 | 79,2 |
2010 | 82,3 |
2011 | 86,0 |
2012 | 90,2 |
2013* | 92,7 |
2014* | 94,0 |
*projeção
ORÇAMENTO APERTADO |
Na mesma toada , seguiu o endividamento das famílias brasileiras, que é recorde |
Comprometimento da renda (em %) | |
set/08 | 32,21 |
dez/09 | 35,41 |
dez/10 | 39,16 |
dez/11 | 41,70 |
dez/12 | 43,41 |
jun/13 | 44,82 |
PORTAS FECHADAS |
Desde a crise, sete bancos já foram liquidados extrajudicialmente |
Banco Morada |
Cruzeiro do Sul |
Banco Prosper |
BVA |
Banco Simples |
Banco Rural |
Banco Mais |
TROCA DE CONTROLE |
Outras Instituições, que também tiveram problemas financeiros, acabaram vendidas para concorrentes |
Unibanco |
Panamericano |
Schahin |
Matone |
¹ Nova ordem global
O estrategista-chefe do Banco Mizuho do Brasil, Luciano Rostagno, considera que a velha ordem global está de volta. Com os países ricos saindo do atoleiro no qual se meteram a partir d3e setembro de 2008, e os emergentes sentindo o baque da desconfiança, a tendência é de que as nações mais ricas voltem a responder pela maior parte do crescimento mundial e, claro. De que fiquem com a maior parcela dos investimentos que circulam pelo mundo.
Fonte: Correio Braziliense – DF
Data: 11/09/2013