14/01/2015
Poderíamos iniciar a discussão a partir da construção da hipótese de que a adoção de práticas de Governança Corporativa gera valor para a instituição. No entanto, a literatura acadêmica não oferece uma resposta quantitativa conclusiva, mas sim a certeza de que há um vasto campo para correlação, não da Governança Corporativa em si, genericamente considerada, porém de determinados elementos que compõem o seu sistema e que, naturalmente, produzem uma reação que impacta no valor da empresa.
São tantas as variáveis que devem ser observadas quando se fala em geração de valor (o valor de mercado da ação da companhia, sua volatilidade e liquidez; o valor global da empresa; o custo de captação de recursos e facilidade de acesso a fontes de capital; a capacidade em reagir a fatores macroeconômicos externos) que não é correto atrelarmos a valorização à simples existência de um sistema de Governança Corporativa.
De fato uma instituição que acolha boas práticas de Governança Corporativa será mais atraente aos olhos dos investidores por oferecer menor risco aparente, incluindo risco de crédito, e por propiciar redução da assimetria de informação existente entre ela e os agentes envolvidos, diminuindo seu custo de capital e, portanto, passando a ter ações mais valorizadas. Os investidores enxergam mais facilmente o retorno sobre o investimento feito, o chamado return on equity – ROE. Vale notar que os analistas de valores mobiliários ao elaborarem seus relatórios e proferirem suas recomendações de aquisição ou venda de tais valores dão, normalmente, atenção prioritária ao ROE.
Estudos de empresas de consultoria, como a McKinsey, por exemplo, também demonstram que muitos investidores alegam serem as práticas de Conselho de Administração tão importantes quanto o desempenho financeiro da companhia, no momento de avaliação de possíveis aportes de investimento. Vale esclarecer que, para fins dos inúmeros trabalhos de consultoria, as práticas de Conselho de Administração robustas são entendidas como as que apresentam a sua composição independente, programa de avaliação de conselheiros e ainda procedimentos de respostas rápidas aos investidores que indagarem sobre questões referentes à Governança Corporativa.
Existem pesquisas acadêmicas, como as de Kevin Chen, 2003, que indicam quais mecanismos de um sistema de Governança Corporativa, além do disclosure, podem diminuir o custo do capital e mitigar conflitos de agência. Como exemplos, temos: uma saudável estrutura societária e de controle, Conselhos de Administração independentes ou mesmo a escolha de firma de auditoria com excelente reputação.
Todos estes são fatos e argumentos conhecidos. O que este artigo propõe é expandir as dimensões do pensamento e levar em conta uma inevitável abordagem holística do comportamento das instituições, evocando o movimento Iluminista que buscava a construção de um mundo melhor por meio da integração de diferentes perspectivas do conhecimento humano.
O filósofo iluminista Kant dizia que são poucos aqueles que conseguem libertar-se da sua pequenez pelo mero exercício do próprio espírito. Portanto, precisamos instigar esse processo transformador nas empresas, a partir do incentivo a um olhar que avalie outros campos que serão os que promoverão um crescimento sustentável.
O alinhamento de diversos interesses em jogo, em que o capital natural, o social, o humano e o financeiro possam conversar entre si, fará com que as instituições sejam capazes de produzir riqueza e de retroalimentar o capitalismo de forma saudável e não expropriatória. Só assim deixará de existir a preocupação com a adoção das práticas de boa Governança Corporativa, pois esta será a premissa com base na qual será desenvolvido um projeto ainda maior. E é imperativo fazer com que as instituições caminhem para esta fronteira.
Os modelos tradicionais de negócios bancários estão sendo contestados, questionados e desafiados e as expectativas da sociedade em relação às instituições financeiras são maiores desde a crise financeira de 2008.
É preciso reconstruir a confiança dos stakeholders para que se possa continuar pensando em geração de valor, o que significa que o sistema financeiro deve se direcionar para uma nova era na qual os participantes estejam unidos pelo compromisso comum de encontrar soluções inovadoras para os problemas sociais e promover uma mudança positiva rumo a um modelo de sistema bancário orientado por valores. E os bancos têm o potencial de aproveitar a posição que ocupam no cenário econômico para enfrentar desafios sociais e colocar a rentabilidade a serviço deste propósito. Podem fazer o dinheiro trabalhar para a mudança socioambiental positiva quando seus produtos e projetos estiverem diretamente relacionados com o interesse em ajudar os clientes e provocar benefícios significativos para uma comunidade mais ampla.
O acolhimento desta estrutura permitirá aos bancos mudar para um novo modelo de negócios que melhore a estabilidade financeira sistêmica, beneficie a sociedade e aumente a rentabilidade ao mesmo tempo. O processo de transformação, portanto, requer não só valores compartilhados, mas também uma liderança forte, com a capacidade de engajar verdadeiramente as partes interessadas.
O resultado será a implementação, com sucesso, de um modelo sustentável de negócios que se traduzirá em vantagem competitiva. Portanto, mais do que se falar em adoção de boas práticas de Governança Corporativa para geração de valor nas financeiras, devemos pensar na sustentabilidade desse valor ao longo do tempo, tomando a Governança Corporativa como premissa e restabelecendo alguns valores iluministas que foram se perdendo ao longo da história capitalista.
ANA PAULA CANDELORO, é advogada, pós-graduada em Sustainable Business pela Universidade Cambridge, Inglaterra. Coordenadora e co-autora do livro “Governança Corporativa em foco – inovações e tendências para a sustentabilidade das organizações”. Professora do curso de Direito dos Mercados Financeiro e de Capitais do Insper Direito.
Fonte: Estadão Online – 14/01/2015