10/03/2017
Fonte: Agência Estado – 10/3/2017
A Comissão de Valores Mobiliários (CVM) encontrou diversas inconsistências na contabilidade de hedge adotada pela Petrobras, como a finalidade não condizente com as normas contábeis, a falta de informações sobre gestão de riscos e problemas no chamado teste de efetividade, que é feito para examinar a concretização da estratégia. Porém, o que mais chamou a atenção dos especialistas foi a justificativa da autarquia de que a petroleira era importadora líquida de petróleo e derivados, de forma que possuía um fluxo futuro de saída de caixa líquido em dólares – e não de entrada.
Os profissionais consultados não concordam principalmente com esse último argumento. Um deles, contudo, disse que a CVM está certa em uma das questões alegadas e justamente esse ponto poderia ser suficiente para justificar o pedido à empresa de refazer e reapresentar as demonstrações financeiras de 2013, 2014 e 2015. Trata-se da necessidade de alterar o tratamento contábil quando as exportações foram frustradas.
O objetivo da estatal com a contabilidade de hedge é a proteção dos efeitos do câmbio sobre as exportações futuras projetadas por meio da dívida líquida exposta à variação cambial. Essa estratégia é chamada entre contabilistas de hedge natural, uma vez que dispensa a utilização de instrumentos de derivativos.
Mas a CVM diz que a petroleira desvirtuou a essência econômica da contabilidade de hedge, migrando de uma política de proteção de risco para um mecanismo de diferimento de perdas cambiais, considerando suas dívidas denominadas em dólar. Com isso, a companhia obteve aumento do lucro em 2013 e redução dos prejuízos registrados em 2014 e 2015, diz a autarquia. Segundo relatório do Itaú BBA, cerca de 80% da dívida líquida da empresa é em moeda estrangeira, de forma que a depreciação do real ante a moeda americana afeta negativamente a última linha do balanço.
Para Eric Barreto, professor de Contabilidade da Pós-Graduação em Finanças do Insper, a CVM demorou anos para analisar o procedimento e fez algumas interpretações perigosas da norma. “A autarquia fez juízo de valor sobre a política de gestão de riscos da Petrobras, mas isso por si não leva à necessidade de refazimento das demonstrações, embora seja possível pedir melhorias na documentação apresentada”, explica.
Eduardo Flores, membro do GEDEC-FGV e do CPC (Comitê de Pronunciamentos Contábeis), diz que a Petrobras agiu dentro do rol das opções permitidas pela norma contábil de instrumentos financeiros. “A norma permite que a variação cambial de dívidas da empresa seja utilizada como instrumento de proteção para variação cambial de exportações futuras. Esse mecanismo é salutar do ponto de vista financeiro, porque evita que a contratação de derivativos junto a bancos com tal finalidade”, afirma, ao lembrar que atualmente há outras companhias que fazem isso, como a Braskem e a CSN.
“De certa forma, o ofício da área técnica da CVM está equiparando a política de hedge da Petrobras a uma estratégia de proteção que envolve derivativos. Mas são instrumentos diferentes e, portanto, precisam ser analisados considerando suas distinções”, diz Flores.
Quanto ao argumento de que a petroleira era importadora líquida de petróleo e derivados, o professor Eduardo Flores diz que a CVM desconsiderou que há uma relação entre importação e repasse desse custo na bomba. “Para poder ter lucro, é preciso repassar custos ao preço. Essa conta não é tão simples assim”, lembra. Em sua avaliação, trata-se de uma escolha contábil que, para a Petrobras, faz sentido, por estar alinhada à sua estratégia de gestão de riscos.
Barreto, do Insper, também tem essa visão. “Quando se faz uma primeira leitura do ofício, conclui-se que a Petrobras é importadora líquida, de forma que não deveria fazer hedge com exportação. O que a CVM não menciona é que as variações relativas a importações são gerenciadas no preço, isto é, são repassadas aos preços”, explica.
Já o professor da FGV acrescenta que a norma não cita determinações relativas ao fato de a empresa realizar importações ou exportações. “Isso é relevante, mas não um imperativo”.
Flores disse ainda que a Petrobras e a CVM discordam com relação a mais um ponto. A petroleira considera a dívida e as exportações próximos, em termos de vencimento, e, pelo entendimento da autarquia, isso não poderia se dar dessa forma.
Na avaliação Barreto, do Insper, a CVM fez uma interpretação incorreta sobre o item 75 do Pronunciamento Técnico CPC 38, ao dizer que é vedado designar um instrumento de hedge que tenha vencimento posterior ao do item coberto. Segundo a CVM, “isso contraria a lógica econômica de proteção, não sendo tal relação de hedge válida”.
Mas o professor do Insper diz que uma questão levantada pela CVM pode ser suficiente para justificar o pedido à empresa de refazer e reapresentar as demonstrações financeiras de 2013, 2014 e 2015. De acordo com a autarquia, a companhia cancelou a relação de hedge quando da frustração das exportações previstas – uma prática que não foi relatada na documentação formal. “Ao cancelar a relação de hedge, a companhia manteve no patrimônio líquido as variações cambiais dos seus instrumentos de dívida ocorridas quando da época da vigência da relação de hedge”, diz o ofício da instituição reguladora. Não se sabe a magnitude desses valores.
O procedimento contábil deveria ter sido outro, segundo Barreto. Questionado em teleconferência com jornalistas, o diretor Financeiro da Petrobras, Ivan Monteiro, se limitou a dizer que as variações cambiais são imediatamente baixadas nesses casos. A petroleira também diz que vai prestar todas as explicações no recurso que vai apresentar.
A PwC, auditoria independente dos balanços financeiros questionados, disse que não podia se manifestar, em função do acordo de confidencialidade. (Karin Sato – karin.sato@estadao.com)
Fonte: Eric Barreto – A Comissão de Valores Mobiliários (CVM) encontrou diversas inconsistências na contabilidade de hedge adotada pela Petrobras.