13/01/2015
Custo de estímulo sobe 2,8% do PIB e dificulta ajuste
O custo das políticas de desoneração, dos subsídios e dos programas sociais subiu o equivalente a 2,8% do Produto Interno Bruto (PIB) — cerca de R$ 140 bilhões — durante o primeiro mandato da presidente Dilma Rousseff. O cálculo considera soma da expansão de despesas do Tesouro com transferências de renda (1% do PIB), subsídios (0,7%) e renúncias fiscais (1,1%). Parte desses gastos, dizem os especialistas, cresce por inércia, o que complica o ajuste fiscal. Entre as renúncias criadas no período, a maior foi a desoneração da folha de pagamentos, que custou cerca de R$ 21 bilhões, ou 0,4% do PIB, em 2014. Os economistas José Roberto Afonso e Érica Diniz lembram que o orçamento de renúncia fiscal oscilou entre 3,6% e 3,8% do PIB entre 2008 e 2011, mas, de lá para cá cresceu e, em 2014, pode ter chegado a 4,7% do PIB.
Custo de estímulos sobe 2,8% do PIB em 4 anos
Contas públicas
Cálculo considera benefícios, subsídios e renúncias; com ajuste medidas podem ter de ser revisadas
O custo das políticas de desoneração, subsídios e dos programas sociais subiu valor equivalente a 2,8% do Produto Interno Bruto (PIB) durante o primeiro mandato da presidente Dilma Rousseff. Esse percentual representa a soma do crescimento das despesas do Tesouro na área de transferências de renda (que somou o equivalente a mais 1% do PIB), subsídios (mais 0,7 % do PIB) e renúncias (mais 1,1 % do PIB). Entre as novas renúncias, o maior custo é o da desoneração da folha de pagamentos, que não existia em 2010 e custou cerca de R$ 21 bilhões, ou 0,4% do PIB, no ano passado.
Diferentes estimativas recolhidas pelo Valor mostram que entre 2010 e 2014, o custo do Tesouro com transferências de renda passou de 2,6% do PIB para 3,6%, enquanto as renúncias cresceram de 3,6 % para cerca de 4,7% do PIB e as despesas com três subsídios subiram de 0,15% para 0,85% na mesma comparação. É desse aumento triplo que aparece o custo extra de 2,8% do PIB — algo perto de R$ 140 bilhões, entre aumento de despesas, desembolsos com subsídios e renúncias fiscais.
Na hora em que o governo discute onde fazer o ajuste fiscal necessário para encerrar o ano com superávit primário de 1,2% do PIB e já anunciou projetos para conter o crescimento das transferências de renda, a revisão das renúncias e os gastos com subsídios aparecem como alternativa, pois as regras até agora anunciadas são insuficientes para atingir a meta proposta.
Até agora, essas medidas — novas regras, fim da ajuda ao setor elétrico, recomposição do IPI de automóveis e o bloqueio dos gastos — têm um impacto potencial de 0,7% do PIB, mas essa economia só será integral se as novas regras forem aprovadas pelo Congresso e após 12 meses de implementação efetiva, e considerando que as contas do próprio governo estejam corretas.
O problema, dizem os economistas, é que parte dos gastos cresce por inércia (nas transferências sociais, por exemplo, não foram criados novos benefícios, mas a questão demográfica e a formalização da economia ampliaram o contingente de pessoas com direito aos programas) e outros já são de difícil reversão política, como a desoneração da folha de salários.
Nas contas do economista Gabriel Leal de Barros, do Instituto Brasileiro de Economia (Ibre), as despesas com transferências de renda (INSS, benefício de prestação continuada, abono e segurodesemprego e bolsa família) passaram de 8,5% do PIB em 2010 para 9,9% do PIB em 2014, considerando dados acumulados até novembro. Se a conta do INSS for feita pelo déficit (porque parte da despesa total é compensada pelas receitas previdenciárias), a despesa efetiva do Tesouro aumentou 1 ponto, passando de 2,6% para 3,6% do PIB, sendo que no Bolsa Família o crescimento foi de apenas 0,1 ponto percentual em quatro anos. As despesas com abono salarial e seguro-desemprego subiram 0,3 ponto percentual.
Barros observa que o abono salarial cresceu demais em “resposta à política de valorização do salário mínimo, que subiu acima do salário médio da economia e ampliou muitíssimo o número de novos beneficiários à política”. Para ele, a ideia da nova equipe, de tornar proporcional e exigir carência de seis meses (antes era um mês), é “como uma minirreforma previdenciária”. Ele também espera que as novas regras do seguro-desemprego ajudem a reduzir o ritmo e o número de concessões desse benefício.
Além das regras que visam reduzir o crescimento com as transferências de renda, o governo também já anunciou medidas que podem atenuar, a médio prazo, a conta com subsídios. Mas o impacto será menor e diluído no tempo. As contas que mais cresceram são do custo dos repasses do Tesouro ao BNDES (0,3% do PIB), do programa Minha Casa Minha Vida (mais 0,3% do PIB) e as despesas com a Conta de Desenvolvimento Energético (CDE), que consumiu R$ 9 bilhões (0,18% do PIB) do Tesouro no ano passado, uma despesa que nem existia em 2010, e que o governo já deixou claro que não vai mais sustentar este ano.
Ao reajustar a TJLP e indicar que a política de repasses do Tesouro para o banco público vai acabar ou ser bem menos generosa, a nova equipe econômica colocou um freio na primeira despesa. Ao mesmo tempo, a presidente Dilma Rousseff, ao confirmar que a fase 3 do Minha Casa tem como meta construir 3 milhões de moradias (o dobro das duas primeiras fases somadas), pôs lenha na fogueira da segunda conta.
Sobraria, portanto, a revisão de renúncias ou desonerações fiscais para ajudar a recompor o caixa do governo. A volta da Cide acabaria com uma renúncia estimada em quase R$ 13 bilhões esse ano e a recomposição do IPI dos automóveis traz de volta mais R$ 5 bilhões.
É dos economistas José Roberto Afonso e Érica Diniz uma estimativa bem detalhada sobre a evolução das renúncias federais. Ela mostra que essa sempre foi uma conta grande e oscilou entre 3,6% e 3,8% do PIB entre 2008 e 2011. Depois, começou a crescer e em 2014 deve representar cerca de 4,7% do PIB, 1,1 ponto acima do total de 2010.
Afonso é um crítico da desoneração da folha de salários, medida que ele considera “cara e ineficiente”. Em dezembro, ele e a economista Vilma da Conceição Pinto, atualizaram um estudo sobre o impacto do benefício, lembrando que ele “se tornou perene mesmo sem que fosse publicado um estudo sobre os seus resultados e vantagens, nem pela autoridade fazendária, muito menos pela comissão tripartite (criada para avaliar o programa quando foi editada a primeira medida provisória)”.
Marcos Lisboa, vice-presidente do Insper, coloca a desoneração na lista de programas que “criaram despesas nos últimos anos e representam benefícios para grupos isolados e não para o conjunto da economia”.
Para ele, no discurso de posse, Joaquim Levy, o novo ministro da Fazenda, sinalizou que essa política de beneficiar alguns com “meiaentrada enquanto outros continuam pagando entrada inteira” acabou e não é mais esse princípio que norteia a condução das políticas públicas. Isso não significa, porém, que medidas adotadas nos últimos anos serão revertidas. Pelo menos não de imediato até pela dificuldade política de fazer essa reversão. Barros, do Ibre, acredita que essa revisão pode acontecer “ao longo do tempo”, se ficar claro que teve um impacto nulo para o conjunto da economia.
Levy voltou ao tema — e de forma bem didática — no entrevista concedida via “Facebook” na sexta-feira. Já no vídeo de apresentação e convite aos internautas, ele lembrou que o ministro da Fazenda escolhe “onde vai ser gasto o dinheiro [arrecadado] para que o país tenha os melhores resultados”. Ao responder uma pergunta, insistiu nesse ponto e ponderou que o governo tem que ser muito cuidadoso com o uso do dinheiro para “garantir que as pessoas certas, às quais a lei dá o direito, serão as que receberão os benefícios que precisam”. E lembrou que na Universidade de Chicago havia um professor que usava uma frase que ficou muito conhecida: ‘Ninguém come realmente de graça’.
Afonso e Lisboa concordam que, pela lógica do ministro, a desoneração da folha e os subsídios nos empréstimos do BNDES se enquadram entre as medidas que favorecem uma minoria, mas são pagas por todos.
Barros considera o atual ajuste fiscal a ser feito o mais complexo dos últimos anos justamente pelo conjunto de medidas adotadas nos últimos anos ter criado quase um orçamento paralelo em restos a pagar, subsídios e transferências aos bancos públicos. “Existe um passivo não calculado e que vai afetar 2015 e os outros anos”, diz ele. Para Barros, a regra dos últimos anos — aumento de impostos e corte de investimento — não será suficiente para fazer um ajuste fiscal efetivo e duradouro.
Na ponta do lápis, considerando as medidas já anunciadas e uma esperada volta da Cide e a recomposição do IPI, o ganho chegaria a 0,75% do PIB no prazo de 12 meses. Como nem tudo virá em 2015, medidas adicionais ainda são esperadas.
Corte de 33% no custeio é impossível, diz economista
No primeiro ano de seu primeiro mandato, a presidente Dilma Rousseff conseguiu reduzir muito fortemente os gastos do chamado custeio administrativo restrito, que considera apenas as despesas com diárias, passagens, telefone, luz, água, compras de materiais, serviços de limpeza e conservação e locação de imóveis e veículos, entre outras. Em 2010, no último ano do governo Luiz Inácio Lula da Silva, esses gastos atingiram R$ 39,94 bilhões e ficaram em R$ 36,58 bilhões em 2011, com uma queda nominal de 8,41% e real de 14%.
Menos da metade, portanto, do que o governo prometeu fazer em 2015, que é uma redução de 33%. “Esse corte no custeio restrito que eles estão anunciando é impossível”, advertiu o economista Mansueto Almeida, especialista em finanças públicas. “Nunca se conseguiu fazer isso, nessa dimensão”, observou. Dilma assumiu o primeiro ano de seu primeiro mandato também sem Orçamento aprovado pelo Congresso. Foi obrigada a editar um decreto com um bloqueio preventivo de 1/18 avos, da mesma forma que fez na quintafeira da semana passada.
O corte no custeio em 2011 só ocorre quando não se inclui na conta os gastos com subsídios. Se a despesa com subsídios for considerada, o custeio cresce 10,58% em 2011, em termos nominais, e 3,39% em termos reais, na comparação com 2010.
O superávit do governo central (Tesouro, Previdência e Banco Central) de 2,25% do Produto Interno Bruto (PIB) obtido no primeiro ano do primeiro mandato de Dilma só foi possível, explicou Mansueto, porque não houve aumento real do salário mínimo em 2011, a economia cresceu 2,7% e a receita da União aumentou 1% do PIB. “A despesa primária do governo não foi reduzida, permanecendo constante em relação ao PIB”, disse.
Para o economista, o corte nos gastos de custeio não garantirá o superávit primário de 1,2% do PIB neste ano. Mansueto observou que eles são pequenos em relação ao total das despesas da União. “Esses gastos equivalem a pouco mais de 1% do PIB e o corte de alguns deles, embora importante, terá um impacto pequeno no superávit”.
Para exemplificar, Mansueto lembrou que, em 2014, o governo gastou R$ 2,68 bilhões com passagens e diárias dos servidores civis e militares. “Mesmo que fosse possível um corte de 33% nessa despesa, a economia não chegaria a R$ 900 milhões”, estimou.
A área de educação foi a mais afetada pelo corte anunciado na quinta-feira pelo governo. Ela perderá mensalmente R$ 586,8 milhões e o valor poderá chegar a R$ 7 bilhões até o fim do ano, se a regra for mantida. “O problema é que os gastos com educação são basicamente de custeio e com salários”, observou.
“Se quiser economizar nessa área, o governo terá que cortar investimentos, que subiram muito durante o primeiro mandato da presidente Dilma”, disse. Em 2010, último ano do governo Lula, os investimentos em educação totalizaram R$ 6,8 bilhões, enquanto que de janeiro a novembro de 2014, último dado do Tesouro disponível, chegaram a R$ 8,97 bilhões.
Para Mansueto, a dificuldade maior da redução do custeio está relacionada com os novos programas que foram criados pela presidente Dilma em seu primeiro mandato. O Ciência Sem Fronteiras, por exemplo, custou R$ 3,1 bilhões em 2014, enquanto o Pronatec — uma das principais bandeiras de Dilma durante a campanha eleitoral — gastou R$ R$ 4,4 bilhões, de acordo com dados do Siafi, o sistema eletrônico que registra despesas e receitas do governo. Já o programa Mais Médicos custou R$ 2,7 bilhões no ano passado.
Durante o governo Dilma houve também uma elevação da despesa com subsídios. Em 2014, o governo gastou R$ 17,7 bilhões apenas com os subsídios do programa Minha Casa Minha Vida (MCMV).
Fonte: Valor Econômico – 12/01/2015