O novo capítulo da crise argentina, aberto com o calote do país a credores internacionais, trouxe mais um ingrediente ao difícil momento atravessado pela indústria automobilística brasileira, que tem no parceiro do Mercosul seu principal mercado no exterior.
Praticamente quatro em cada cinco carros embarcados pelas montadoras brasileiras têm a Argentina como destino. E, como falta competitividade ao setor para diversificar sua pauta de exportações, os problemas do país vizinho têm contribuição decisiva na queda de dois dígitos da produção de veículos no Brasil.
No primeiro semestre, os argentinos compraram pouco mais de 137 mil veículos brasileiros, o que significa uma queda de 34,1% se comparado ao volume de um ano antes. Já para os fabricantes de componentes automotivos, a crise argentina tem impacto não apenas em virtude do declínio nas exportações dos automóveis brasileiros – que carregam suas peças, mas também pelo menor consumo dos clientes que estão do outro lado da fronteira.
Neste ano, as vendas de autopeças produzidas no Brasil ao mercado argentino – destino de um terço das exportações desse setor – caíram mais de 25%. As empresas ainda tentam entender o que vem pela frente e poucas se animam a falar sobre potenciais impactos de um agravamento da crise argentina nesse fluxo comercial. A Anfavea, entidade que representa as montadoras instaladas no país, limitou-se a dizer que está “na torcida” por um acordo entre a Casa Rosada e os chamados fundos “abutres”. Por sua vez, o presidente da Fiat Chrysler na América Latina, Cledorvino Belini, disse esperar uma solução rápida. O executivo avaliou que os problemas na Argentina são “localizados, momentâneos e conjunturais”. “Esperamos [que esses problemas] sejam superados no curto prazo. Brasil e Argentina são parceiros naturais por sua própria geografia e o fluxo comercial entre ambos os países deve ser preservado”, afirmou o principal dirigente da Fiat na região. As exportações da montadora de origem italiana ao mercado argentino caem 28,5% neste ano, somando quase 23 mil automóveis e comerciais leves no primeiro semestre.
De fato, quanto mais tempo a situação de moratória seletiva da Argentina perdurar, pior para a indústria brasileira, diz Letícia Costa, diretora de pós-graduação do Insper e especialista do setor automotivo.”Se tudo for resolvido rápido, o impacto será pequeno. Se demorar, o estrago pode ser relevante.” Num cenário mais negativo – com desvalorização do peso, seguida por avanço da inflação e baixa oferta de crédito -, o primeiro impacto seria a redução do consumo de carros na Argentina, diz Letícia.
Isso prejudicaria as montadoras brasileiras porque quase metade dos automóveis comprados pelos argentinos são produzidos no Brasil. Além disso, a especialista não descarta um aperto no controle das importações pelo governo de Cristina Kirchner como forma de conter a saída de dólares do país, apesar de os argentinos terem se comprometido a não impor mais obstáculos a produtos brasileiros na revisão do acordo automotivo entre as partes.
“Tudo vai depender de quanto o calo vai apertar. O histórico das relações comerciais entre Brasil e Argentina mostra que eles mudam a forma de lidar com o acordo. Um aperto maior das reservas poder levar a isso [restrições a importados]”, prevê Letícia.
Fonte: Valor Econômico – 01/08/2014