27/05/2014
A recente greve dos motoristas na capital paulista pode ser um sinal de que o PT, legenda com maior controle dos sindicatos e movimentos sociais até algum tempo atrás, está perdendo o controle de suas bases eleitorais. Mas os prejuízos das paralisações também alcançam os partidos da oposição.
A leitura é dos cientistas Carlos Melo (do Insper) e Pedro Arruda (da PUC-SP). O primeiro lembra que um dos principais interlocutores do governo Dilma, o ministro Gilberto Carvalho (Secretaria Geral da Presidência) foi hostilizado nos festejos de primeiro de maio promovidos tanto pela Força Sindical, que se alinhou a Aécio Neves (PSDB) quanto pela Central Única dos Trabalhadores (CUT), afinada com o governo.
Enquanto isto, pesquisa Ibope divulgada ontem mostra Dilma (PT) em primeiro lugar com 40% das intenções de voto para a eleição de outubro.
A crise de mobilidade urbana vivenciada pela cidade de São Paulo e por municípios da região metropolitana da capital evidenciam que todas as esferas de governo devem se preparar para colher prejuízos nas próximas eleições. No entanto, um dos itens mais graves parece ser o afastamento do PT de suas bases, como os sindicatos e movimentos sociais. A constatação é de cientistas políticos ouvidos pelo DCI.
Carlos Melo, do Instituto de Ensino e Pesquisa (Insper), entende que há graves sintomas de distanciamento do PT com sindicatos e movimentos sociais.
“A CUT, há alguns anos atrás, teria controle desse processo e o PT teria o controle da CUT. Olha o tamanho da crise política: até as centrais sindicais são pegas de surpresa quando não há uma postura política que funcione, que articule, que negocie e que crie consenso. Não há excesso de política. Há falta de política”.
O professor de Ciência Política da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP), Pedro Arruda, indica que o distanciamento do PT das suas bases não é um fenômeno recente.
“É um processo que já vem ocorrendo há muito mais tempo. Todos reconhecem que desde que Lula publicou a Carta ao Povo Brasileiro em 2002, quando ele se elegeu pela primeira vez, o partido vem dando uma guinada mais à direita, se afastando dos movimentos sociais e mais do capital. É um processo que não acontece da noite para o dia e tem raízes históricas um pouco mais profundas”, relembra Arruda.
Melo observa que o interlocutor do governo federal, o ministro Gilberto Carvalho (Secretaria Geral da Presidência) foi hostilizado no 1º de Maio nos eventos promovidos por Força Sindical e mesmo da Central Única dos Trabalhadores (CUT), o que deixa evidente que há um descontrole na relação.
Pedro Arruda destaca também que as manifestações recentes têm acontecido também à revelia das organizações tradicionais, como os sindicatos. “São ações espontâneas, desordenadas, feitas por pessoas que não se sentem representadas pelo Partido dos Trabalhadores e de nenhum outro partido”, assinala.
São Sebastião
Carlos Melo, do Instituto de Ensino e Pesquisa (Insper), aponta que o maior prejudicado com a greve dos ônibus na capital é o cidadão paulistano, que é arrancado do coletivo. “Não há ente federativo que saia ileso desse tipo de coisa. Quando a pessoa desce do ônibus e grita esse País não tem governo. você pensa em quem? Estadual, nacional ou municipal? Quando você fala governo do Brasil, é um problema federal. No imaginário, é o federal. O governo federal é tão enraizado e grande que até quando ele não tem grande responsabilidade, ele acaba pagando o pato. No caso da Dilma, que vem sendo desgastada desde junho [de 2013], é mais uma flechada em São Sebastião”.
Pedro Arruda entende igualmente que todas as esferas de governo serão impactadas pelos protestos em São Paulo. “O problema para maioria dos eleitores e cidadãos, enfim, não se consegue ter dimensão clara das competências de cada um deles. A questão do racionamento de água é da Sabesp, que é do governo estadual, as tarifas de ônibus são determinadas pela prefeitura, CPTM já é do governo estadual.” Pesquisa Datafolha divulgada ontem mostra que 73% dos paulistanos entendem que a greve dos transportes gera mais prejuízos que benefícios.
Segurança
Os distúrbios provocados por movimentos grevistas das polícias também foi abordado pelos cientistas, que minimizaram o discurso do senador Aécio Neves, pré-candidato dos tucanos ao Planalto, que reclamou da falta de participação do governo federal na área de segurança pública.
“O governo pouco fez, mas os governadores pouco fizeram também. Aliás, o Senado pouco fez porque nós continuamos tendo aí um problema sério que é essa dualidade de Polícia Civil e Polícia Militar. O Congresso nunca teve coragem de discutir. O Aécio é um importante prócer do Congresso. Por que não enfrentou o problema. Todos perdem, quem mais ganha é o oportunista”, afirma Carlos Melo.
Pedro Arruda concorda e diz que a crítica de Aécio tem mais fundo eleitoral. “A Constituição Federal diz que a segurança pública é responsabilidade de governos estaduais. É difícil porque o estado que ele governou depois de tanto tempo [Minas Gerais] tem altos índices de violência policial. Eu não vejo nem Aécio, Dilma ou Eduardo Campos discutindo uma proposta que vem sendo colocada e que está cada vez mais atual que é a desmilitarização da polícia”, aponta.
O professor do Insper questiona ainda porque os governos têm, às vésperas de uma Copa do Mundo, uma infraestrutura para prevenir os movimentos de rua e seus prejuízos à população e não se antecipa ao problema. “Nem o prefeito, nem o presidente, nem o governador conseguem se antecipar? O que é isso? É pra cair o general do serviço de informações, o secretário de Transportes, é pra cair todo mundo num negócio como esse”, enfatiza.
Fonte: DCI – SP – 23/05/2014