14/04/2015
Um dos maiores estudiosos de pobreza e desigualdade, o economista Ricardo Paes de Barros, ou PB, como é conhecido, volta à sala de aula, no Insper, para tratar dos problemas sociais que encarou nos últimos quase cinco anos na Secretaria de Assuntos Estratégicos da Presidência.
Chegou ao fim o ciclo de ganhos baseado na renda?
Não há nada real na economia brasileira que diga que batemos em algum teto. Temos uma economia desarrumada, que precisa ser arrumada rapidamente. E podemos aproveitar esse momento para mudanças estruturais que vão permitir que entremos numa trajetória de crescimento acelerado.
Seria uma pausa?
É um acúmulo de pouco cuidado com os fundamentos da economia. Devemos aproveitar e melhorar o ambiente de negócios, a política tecnológica. Evidentemente que, no curto prazo, a maioria… parte da sociedade vai sofrer bastante.
Os mais pobres vão sofrer mais?
Não sei se os mais pobres. Vai depender de como o governo vai ajustar o gasto público, porque a renda dos mais pobres está muito atrelada à maneira como o governo gasta. Uma das coisas que mais afetaram a (redução da) pobreza foi a interiorização do gasto público. O Brasil passou a gastar muito mais nos pequenos municípios, seja por transferência de renda, educação, saúde e infraestrutura. Se quando for cortar o gasto, não tirar aí, pode-se não ter tanto impacto sobre a pobreza.
O senhor vê intenção de poupar os pobres no ajuste fiscal?
É preciso ver como esse ajuste fiscal vai ser feito. Se for feito com preocupação com a população mais pobre, é possível passar sem grandes problemas com a pobreza. É claro que isso desde que a flutuação do crescimento econômico seja de curta duração, se fizer isso em dois anos, não mais que isso. Uma pequena cidade do interior tem um certo isolamento do que acontece com o carro-chefe da economia brasileira.
E nas capitais?
Vai haver muito mais problemas. Esse pobre está muito mais vulnerável ao que vai ocorrer na economia e muito menos protegido com o gasto público, fora as transferências de renda, mas elas não são a coisa mais importante para combater a pobreza. À medida que a informalidade e o desemprego aumentem nas grandes cidades, a pobreza vai crescer, e talvez seja preciso políticas mais locais.
O senhor calcula quanto esse ajuste pode custar em termos sociais?
É um discussão fundamental, mas não trabalhei nisso. Se o gasto do BNDES diminuir muito, o gasto para os municípios no interior, com os programas sociais, não precisa diminuir tanto. Esse padrão vai ser muito importante. Tem impressão de que o debate econômico ficou restrito à questão fiscal? A melhor política social hoje no Brasil é o crescimento econômico. O que conseguimos nos últimos dez anos foi conectar a maior parte da população ao carrochefe da economia brasileira. Antes, se a economia ia bem ou mal, os pobres ficavam isolados. Agora, estão se beneficiando de uma maneira mais direta. É uma coisa parecida com abrir a economia. Quando ocorre, há um salto porque se aproveitam todos os ganhos de troca. Depois que se conectou à uma economia global, se ela não cresce, não se vai para lugar nenhum.
A mudança no seguro-desemprego e no abono traz mais produtividade?
Nesses casos, tinha-se mais uma preocupação de reduzir gasto do que diminuir rotatividade. Isso requer mudanças inteligentes na forma como toda a legislação trabalhista é feita. Pode até haver mudanças que gerem aumento de gastos imediato, como redirecionar o gasto com qualificação profissional para o trabalhador empregado. Atualmente gasta-se muito para qualificar o desempregado. Se for dado a cada trabalhador empregado o direito de fazer um treinamento de 40 horas todo ano, isso muda. O desempregado não vai fazer um curso aleatório, mas um curso do meu interesse como empresário.
Os programas de transferência de renda estão consolidados?
Fizemos um passo importante ao consolidar os programas no início do governo Lula e temos que continuar tentando integrar os programas, como a França fez. Criar um sistema de transferência para que a pessoa que consiga um emprego formal não perca nada, mas ganhe na renda familiar. Queremos integrar os sistemas de transferências de renda de modo a incentivar as pessoas a conseguir trabalho, e formal. É perfeitamente possível um sistema de transferência de renda generoso que promova a redução da pobreza, desde que seja inteligente.
“O problema da sociedade brasileira é a própria sociedade brasileira”
A nova classe média pode viver um retrocesso social?
Sou mais otimista e digo que não sei. Se a nossa flutuação econômica for de curta duração, e se o corte dos gastos públicos for cuidadoso, acho que ela pode ser muito pouco afetada e pode, com a retomada do crescimento, melhorar bastante. Tem alguns grupos que podem ser dramaticamente afetados, setores como a indústria e os serviços. Um ajuste econômico desses nunca é neutro.
O baixo crescimento já não começou a bater no social?
Temos que diferenciar entre não estar melhorando e estar piorando. Se o pobre ou a classe média acham que vão melhorar nos próximos anos, isso é delírio. Acho que pobreza não vai cair, mas daí para a renda dos pobres começar a recuar é outra coisa. Há grupos de pessoas que vão sofrer muito, mas o Brasil passou pela crise de 2009, e a pobreza não subiu.
Quais os desafios de longo prazo da sociedade brasileira?
Temos um desafio de longo prazo que é aumentar a produtividade, se não resolver isso, não se resolve nenhum outro. Todo ganho de políticas sociais brasileiras, todo ganho da classe média vai depender de um longo prazo sustentável. Para esse crescimento ocorrer, precisamos de avanços tecnológicos, e, na política educacional, de uma revolução. Estamos lentos e mal na educação. De todas as metas da educação básica, não cumprimos nenhuma, a não ser a dos gastos (aumento). É muito grave. Sem isso, não vamos conseguir ganhos de produtividade.
O pessimismo será anulado?
A questão é que não há nada no mundo, na economia, realmente ameaçando a sociedade brasileira. O problema da sociedade brasileira é a própria sociedade brasileira. Não sofremos um desastre natural, ou perda nos termos de troca gigantescos, ou guerras.
Fonte: O Globo – 14/04/2015