23/02/2016
A reputação é como olhar pelo retrovisor as ações do passado que constituem o que alguém ou alguma empresa é hoje. Já a confiança é ver por meio do para-brisa, o olhar para frente, que colocará (ou não) as relações numa perspectiva futura. Com essa comparação, Yacoff Sarkovas, CEO da Edelman Significa explica a importância de um estudo como o Trust Barometer, que chega à sua 16ª edição este ano. Meio & Mensagem teve acesso exclusivo antecipadamente ao extrato brasileiro.
A pesquisa, conduzida em 28 países, com 33 mil entrevistados, entre outubro e novembro de 2015, avaliou a confiança depositada pelas pessoas em Empresas, Governos, Mídia e Ongs. Este ano, pela primeira vez, houve um recorte mais aprofundado no papel dos CEOs das companhias. Neste caso, participaram da avaliação Alemanha, Austrália, Reino Unido, Brasil, lapão, França, Estados Unidos, México, China e índia.
No Brasil, chama a atenção o fato de que apesar de a maioria das pessoas confiar mais em seus pares e funcionários como porta-vozes, os CEOs – entre outros profissionais, como especialistas técnicos, analistas financeiros, representantes de ongs e autoridade/ regulador do governo – terem sido os que mais tiveram alta na credibilidade, entre os estudos de 2015 e o deste ano. A credibilidade dos executivos-chefes das empresas saltou 14% no período. A segunda maior alta foi a dos membros de diretoria das empresas (11%). O resultado parece espantoso em tempos de Operação Lava Jato, quando alguns dos maiores empresários do País foram parar atrás das grades.
A leitura feita pelo CEO da Edelman no Brasil é a de que recai sobre os políticos, mais do que sobre os empresários, uma percepção de responsabilidade. Além disso, as empresas do setor envolvido, empreiteiras no caso, estariam mais associadas a um capitalismo de privilégios, que pauta a cultura brasileira, e não ao capitalismo de mercado, no qual as pessoas atualmente confiam. “O conceito de empresa das pessoas, hoje, está mais ligado àquelas que geram bem-estar social, aos bens de consumo, ao emprego e ao conforto. Desde as edições passadas do estudo, a confiança nas empresas está muito ligada à construção da cidadania pelo consumo”, explica Sarkovas.
Com ele concorda Heitor Coutinho, professor de estratégia e projetos da Fundação Dom Cabral (FDC) e responsável pelo movimento The CEOs Legacy, promovido pela mesma instituição. Para Coutinho, o Brasil tem enfrentado questões sérias de credibilidade, mas ainda isoladas em determinados setores. “O Pais tem muitos CEOs competentes e com muito boas formações executivas e profissionais”, avalia.
A alta na credibilidade dos CEOs passaria, portanto, também pela sua formação e atuação, uma vez que num mercado global eles não são avaliados apenas em seus próprios países, mas também por investidores internacionais, e isso se refletiria na percepção geral das pessoas sobre esses executivos. Uma das preocupações dos CEOs deveria ser, segundo Coutinho, deixar um legado. Por isso, a FDC criou em abril do ano passado o movimento The CEOs Legacy, um grupo no qual os CEOS podem trocar experiências e discutir questões com as quais têm de lidar. No entanto, o Trust Barometer mostra que a figura do CEO está mais ligada a “foco em resultados de curto prazo” (68%) e “lobby” (63%) que a fatores como “impacto positivo de longo prazo” (52%) e “geração de emprego” (35%).
O professor da FDC ressalta que é difícil pensar no longo prazo, ainda mais em um país como o Brasil, no qual a média de permanência de um CEO no cargo é de três anos. Por outro lado, a perenidade da empresa será comprometida se o foco for sempre o curto prazo. 0 desafio é justamente o equilíbrio: trazer resultados imediatos e desenvolver a próxima geração. Desenvolver um olhar social também está entre as novas atribuições de suas agendas. “Tudo é um processo de maturidade. Temos discutido muito a questão da sustentabilidade na cadeia de valores. Ser CEO hoje não é uma competência intelectual, somente, mas também humana e filosófica”, analisa Coutinho.
O engajamento de CEOs e empresas nas questões de responsabilidade social é visto com outros olhos por Leni Hidalgo, professora da pós-graduação em gestão do Insper. Para ela, tudo ainda está muito no âmbito do discurso e do politicamente correto e uma mudança efetiva de cultura e práticas acontecerá somente em médio ou longo prazos. Ainda assim, esses executivos sempre tiveram um papel relevante na condução de suas empresas seja nos períodos mais conturbados, seja nos mais prósperos. E tudo isso se reflete na sociedade e na forma como são percebidos.
Mobilização na crise
Além da alta na credibilidade dos CEOs, o estudo conduzido pela Edelman aponta que o Brasil é o sexto país, dos 28 pesquisados, em que o nível de confiança nas empresas é mais alto. Entre as quatro instâncias pesquisadas – Governo, Mídia, Ongs e Empresas – estas últimas, no País, são também aquelas que as pessoas mais acreditam estar preparadas para acompanhar o ritmo de mudanças em 2016.
Leni Hidalgo concorda com esse resultado, lembrando que durante o período de expansão e euforia com a economia brasileira, em 2010, também foi necessária uma grande flexibilidade e capacidade de resposta das empresas e seus respectivos CEOs, para buscar, num cenário de mão de obra qualificada escassa, alternativas tecnológicas e de processos, assim como havia a necessidade de propagar um senso de urgência para não deixar passar oportunidades. Saber lidar com as contingências dos cenários positivos e negativos, como o enfrentado agora, favorece essa flexibilidade. Daí decorre a confiança nessa capacidade de as empresas acompanharem mudanças, mais que outros tipos de instituições.
Quando a questão colocada é se a atuação do CEO se torna ainda mais especial no contexto atual de crise, o professor da FGV faz questão de lembrar que o papel de um CEO no Brasil é muito diferente do de um executivo que ocupe o mesmo cargo em um país como os Estados Unidos, por exemplo. Enquanto lá um Steve Jobs tinha muito poder de controlar a empresa, aqui, 98% das companhias têm, segundo o professor, um conjunto de donos, que são os acionistas, e o CEO tem muito menos poder relativo. Leni, do lnsper, acredita que os CEOS estão diante de uma equação difícil: do ponto de vista estratégico têm de cortar custos, mas tomando cuidado para que isso não leve a altas despesas de reinvestimento, quando a economia voltar aos trilhos. Pelo lado da mobilização, precisam garantir o mínimo de engajamento dos funcionários que resistiram aos cortes.
O especialista da FGV critica o modelo atual que, segundo ele, voltou à década de 1970, com um capitalismo de Estado, no qual o volume de financiamentos do BNDES superou os de outras fontes. “Virou estratégia empresarial pegar um avião e ir para Brasília pedir crédito”, afirma Fontes Filho. Para ele, as empresas precisam voltar ao mercado, ainda que haja desafios como uma taxa Selic a 14,25% dificultando os empréstimos privados às empresas. Em todo caso, o Brasil melhorou no campo empresarial e está num padrão internacional de competitividade, em termos de liderança e técnicas. Peca ainda, segundo o professor, na produtividade das pequenas e médias empresas. De toda forma, as pessoas mantém a esperança de que a reviravolta no cenário atual partirá das empresas.
Coutinho, da Fundação Dom Cabral, acredita que o CEO terá um papel especial nessa retomada, no que é acompanhado por Yacoff Sarkovas, da Edelman: É num momento de conturbação, de crise e tumulto, que mais se precisa de liderança. A principal crise que existe hoje é de confiança em relação ao que foi feito, ou não foi feito, para chegar aonde chegamos”, reflete.
Sua visão geral do estudo é otimista. O Brasil continua sendo um país relevante no contexto mundial e possui uma série de ativos históricos, econômicos e sociais que são estímulos para qualquer marca global. Entra aí o perfil aberto e ávido por inovação dos brasileiros.
Havendo mudanças que restabeleçam a confiança nos aspectos macroeconômicos – que segundo Yacoff estão nas mãos do governo endereçar, mas que os CEOs também podem negociar – a retomada do crescimento se dará rapidamente. As empresas têm diante de si uma oportunidade de assumir mais responsabilidades públicas. Qual a importância disso? Nada menos que 90% das pessoas concordam que compartilhar valor deveria ser uma das premissas mais importantes de uma empresa. E fica cada vez mais claro que os cidadão s esperam que o chief executive officer seja também alguém em quem se possa confiar, algo como um chief trust officer.
Fonte: Revista Meio & Mensagem – 22/02/2016