02/10/2014
Sem muito alarde nem destaque da mídia, a Confederação Nacional da Indústria divulgou, na terça-feira 23, que o nível de confiança dos empresários atingiu o menor patamar desde março de 2009, quando o mundo estava mergulhado em uma das maiores crises da história. Apesar da inflação elevada e do baixo crescimento do PIB, não é apenas a situação atual da economia brasileira que explica o pessimismo. O setor produtivo simplesmente cruzou os braços, desde a Copa do Mundo, à espera das eleições e de um 2015 que teima em não chegar. Poucas empresas se arriscam a desengavetar projetos sem conhecer os rumos do País nos próximos quatro anos. No meio empresarial, não há mais dúvidas sobre a necessidade de um forte rearranjo macro e microeconômico, já no início do próximo governo.
“Não tem jeito: 2015 será um ano de ajuste se vencer a esquerda, a direita ou o meio”, afirma Louis Bazire, presidente do BNP Paribas no Brasil e da Câmara de Comércio França-Brasil. “Se for bem-feito, acelera a decisão de investimento.” Executá-lo, no entanto, não será uma tarefa trivial. Envolverá cortes de bilhões de reais e vai ferir muitos interesses.
Embora evitem falar sobre o assunto na campanha, os três presidenciáveis que lideram as pesquisas aparentemente reconhecem que mudanças são inexoráveis. A divergência está no rol de ajustes, na intensidade e no ritmo de sua implantação. Dado o clima de “Fla x Flu” que tem predominado no debate eleitoral, ninguém se arrisca a anunciar qualquer medida que possa ser interpretada como algo negativo do ponto de vista econômico ou social. A ordem dos marqueteiros aos candidatos é focar em promessas que transmitam a sensação de bem-estar e esperança em relação ao futuro. “Falar em ajuste econômico na campanha colocaria em risco a agenda social”, diz Rafael Cortez, cientista político da Tendências Consultoria.
Até agora, o candidato do PSDB, Aécio Neves, foi o único que anunciou o seu ministro da Fazenda, em caso de vitória. Será o economista e ex-presidente do Banco Central Armínio Fraga, que tem defendido abertamente a retomada do tripé econômico: responsabilidade fiscal, inflação na meta e câmbio flutuante. Os economistas Eduardo Giannetti da Fonseca e André Lara Resende, principais porta-vozes econômicos da candidata do PSB, Marina Silva, apresentam uma agenda semelhante à dos tucanos, enquanto a presidenta Dilma Rousseff, candidata à reeleição, evita o tema, deixando no ar muitas dúvidas sobre uma guinada na política econômica. “Governo novo, equipe nova”, limitou-se a dizer Dilma, recentemente, sem mais detalhes. Tal posição irrita os empresários. “A incompetência do governo se confunde com a ignorância dos temas”, afirma Edmundo Klotz, o eterno presidente da Associação Brasileira das Indústrias da Alimentação.
É nas reuniões em petit comité, com banqueiros e investidores, que o cenário fica um pouco mais claro. No começo do mês, em encontro promovido pelo Bank of America, em São Paulo, seis integrantes da equipe de Marina, incluindo o candidato a vice-presidente, Beto Albuquerque, detalharam os seus planos. Segundo o relato de um dos participantes, Lara Resende afirmou que a taxa de câmbio está “claramente valorizada de maneira artificial”, o que indicaria um câmbio mais flutuante em um eventual mandato da ex-senadora pelo Acre. Já o economista Nelson Barbosa, que deixou o Ministério da Fazenda durante o governo Dilma, mas ainda debate economia com a presidenta, tem dito a interlocutores que a busca do centro da meta de inflação não pode ser tão rápida para não gerar “custos sociais”. Barbosa é um dos nomes mais citados na bolsa de apostas para compor a equipe econômica de Dilma em um eventual segundo mandato.
A certeza de que ajustes virão em 2015, independentemente de quem vença as eleições, tem estimulado inúmeros debates no universo acadêmico e nos meios empresariais, à frente o mercado financeiro. O primeiro consenso é de que a “reforma econômica”, se for bem conduzida, pode gerar frutos seis meses após a sua execução. Foi assim em 1999 e 2003, dois momentos de importante guinada econômica. “Em 2002, os empresários estavam desesperados”, lembra Romeu Chap Chap, que atua há décadas no setor imobiliário. “Chegou a hora de arrumar a casa.” Como não existe uma fórmula mágica pronta, DINHEIRO ouviu empresários e economistas para elencar os principais pontos e seus respectivos impactos positivos e negativos no PIB. A questão fiscal é apontada por todos como a mais urgente. “Precisamos de transparência e clareza nas contas públicas”, afirma André Perfeito, economista-chefe da Gradual Investimentos.
A criatividade fiscal, que tem como seu principal idealizador o secretário do Tesouro Nacional, Arno Augustin, está arranhando a credibilidade do País, na opinião da maioria dos entrevistados. A mais recente medida para ajudar a cumprir a meta de superávit primário, anunciada na semana passada, foi a decisão de sacar R$ 3,5 bilhões do Fundo Soberano, uma poupança criada em 2008. Pelos cálculos do economista da Medley Global Advisors, Bernardo Wjuniski, o resultado primário deste ano, descontados os truques, será de apenas 0,5% do PIB. Para estabilizar a relação dívida bruta/PIB, seria necessário um superávit de 2%, uma economia de aproximadamente R$ 100 bilhões. “Precisamos fazer, ao menos, um esforço fiscal suficiente para evitar a perda do grau de investimento”, diz Wjuniski. “No ano que vem, poderíamos começar com uma meta de 1,5% do PIB.” Há algumas semanas, a agência de classificação de risco Moody’s colocou em perspectiva negativa o rating do Brasil, com o argumento de que o PIB cresce pouco e o governo não cumpre suas metas de superávit primário.
“Há uma série de gastos e aumento de dívida que não estão transparentes”, afirma Marcos Lisboa, vice-presidente do Insper e ex-secretário de Política Econômica do Ministério da Fazenda no governo Lula. “O governo atual está hipotecando o nosso futuro, fazendo dívidas disfarçadas para os próximos anos.”
Com a perspectiva de um crescimento econômico ainda modesto em 2015, projetado em 1% pelo mercado, qualquer ambição fiscal passa necessariamente por corte de despesas, já que as receitas não decolarão. A tarefa não é simples, pois os funcionários públicos concursados gozam de estabilidade no emprego. Na prática, o corte mais fácil acaba sendo na rubrica investimentos públicos, o que é ruim para o País. “Vamos adotar um limite de gastos, que crescerão menos que o PIB”, afirma Fraga, referindo-se a um possível mandato de Aécio, que defende a redução pela metade no número de ministérios. “Há muito espaço para melhorar a gestão dos gastos públicos.” Um deles, na avaliação dos empresários, é o combate à corrupção. Outro ponto que tem impacto fiscal é a Taxa de Juros de Longo Prazo (TJLP), utilizada nos empréstimos do BNDES. A TJLP está congelada em 5% ao ano, enquanto a taxa básica de juros, a Selic, passou de 7,25% para 11% ao ano. Quanto maior a diferença, mais pesado é o custo para o Tesouro Nacional, que faz aportes ao banco estatal de fomento. Isso ocorre porque o Tesouro capta recursos a 11% (Selic) enquanto o BNDES empresta a 5% (TJLP).
Estilo Argentino
Os especialistas também defendem mudanças na postura do próximo governo no combate à inflação. Sob a gestão de Alexandre Tombini, o Banco Central (BC) não conseguiu atingir o centro da meta, de 4,5%, em nenhum dos quatro anos. A leniência com a inflação se misturou com um populismo no pior estilo argentino, em que as tarifas de energia, combustível e transporte público foram represadas. Nesse item, há duas saídas possíveis. Uma delas é liberar os preços congelados logo no início do mandato, pressionando fortemente a inflação, mas eliminando especulações sobre novos reajustes. Esse cenário é defendido pela oposição. A outra saída, que tem a preferência do governo petista, é a liberação gradual dos preços ao longo do ano. Nesse caso, segundo os economistas, o ideal seria anunciar um cronograma transparente para evitar ruídos no mercado. “Se a política macroeconômica for bem administrada, o reajuste é rapidamente absorvido pela economia”, afirma Barbosa.
Na área cambial, as sucessivas intervenções do BC para segurar a cotação da moeda americana também precisarão ser revistas. Até agora, o efeito prático do câmbio valorizado artificialmente tem sido a perda de competitividade da indústria brasileira e o preocupante aumento do déficit em conta corrente, próximo a 4% do PIB. “A desvalorização cambial é necessária para corrigir essas distorções”, afirma Antonio Corrêa de Lacerda, professor do departamento de economia da PUC-SP e sócio-diretor da AC Lacerda Consultores Associados. Em setembro, o dólar acumula uma alta de 7%, mas a cotação acima de R$ 2,40 ainda está longe do que os economistas chamam de taxa de equilíbrio, entre R$ 2,70 e R$ 3,00. Outro tema espinhoso é o da regra de reajuste de salário mínimo, que atualmente prevê a variação do PIB de dois anos antes, mais a inflação do ano anterior, sem levar em consideração os ganhos de produtividade da economia. A verdadeira mágica será melhorar essa fórmula sem prejudicar a população de baixa renda e os aposentados do INSS. Há ainda questões estruturais antigas, que nunca saem do papel, como a Reforma Tributária. “A simplificação geral, impostos e burocracia, é uma coisa que deveria ser mais intensamente discutida”, diz Antônio Carlos Valente, presidente da Vivo. “O Brasil é um país extremamente complexo.”
Na lista de mudanças necessárias figuram também as desonerações setoriais, que beneficiam alguns segmentos da economia em detrimento de outros. Se nada for feito, o orçamento do ano que vem prevê um total de R$ 18,2 bilhões em benesses tributárias. O vice-presidente do Insper conhece bem o tamanho da encrenca. Quando participou da equipe do ministro da Fazenda Antônio Palocci, Lisboa promoveu uma série de reformas bem-sucedidas, como a criação do crédito consignado, a nova lei de falências e a abertura do mercado de resseguros. Desde então, viu a gestão microeconômica ruir. “Essa é a agenda mais difícil, por causa das distorções que foram introduzidas nos últimos seis anos, como as regras de conteúdo nacional”, afirma o economista. “O desarranjo é tão grande que não dá para concluir todo o ajuste em apenas um ano.” Outra consequência positiva do fim das ajudas pontuais seria a redução do peso do lobby empresarial, em Brasília.
Sem nenhuma perspectiva de que esse debate esteja nos palanques eleitorais, os empresários seguem angustiados – e paralisados. Na terça-feira 23, a Eurocâmaras – entidade que reúne as principais associações de companhias europeias no Brasil – promoveu um encontro de Fraga com cerca de 200 empresários e executivos brasileiros e estrangeiros. O sentimento de insegurança em relação ao futuro ali evidenciado foi unânime independentemente da nacionalidade. “De fato, 2015 é um ano em que vai acontecer alguma coisa”, diz o francês Jean Noël Hardy, diretor da Airbus. “Não diria ruptura, mas uma guinada é necessária e até natural.” A boa notícia é que os empresários estão dispostos a padecer com um pibinho no primeiro semestre de 2015, se esse for o preço a ser pago por um ajuste eficiente, rápido e que recoloque a economia brasileira de volta nos trilhos. Nesse cenário, a confiança seria rapidamente restabelecida. “O capital europeu não tem medo do risco, pois o risco faz parte do negócio”, diz o italiano Edoardo Pollastri, presidente da Eurocâmaras e da Câmara Ítalo-Brasileira de Comércio. “O capital europeu tem medo é da falta de normas específicas e das regras do jogo.” Que venha, então, um ajuste transparente e crível.
Fonte: Revista Isto É Dinheiro – 29/09/2014.