27/04/2020
Em entrevista, Rodrigo Rebouças, professor do Insper, explica pontos importantes referentes aos direitos dos consumidores neste período de crise
ENTREVISTA| CONTEÚDO SOBRE A PANDEMIA DE COVID-19 |ACESSE A PÁGINA ESPECIAL
Seguindo os esforços conjuntos de toda a Comunidade Insper para mitigar o impacto do vírus Covid-19, estamos publicando uma série de entrevistas com professores, gestores e diretores para abordar ações realizadas pela nossa escola, além de dicas e orientações nas mais diversas áreas para colaborar com a superação dos desafios deste período.
Nesta entrevista, Rodrigo Rebouças, professor do Insper, explica pontos importantes referentes aos direitos dos consumidores neste período de crise. Confira:
1) A crise causada pelo novo coronavírus trouxe diversos impactos para os consumidores. Entre os principais, está a questão das passagens aéreas. Quais são os direitos dos consumidores nesse quesito?
Em relação às passagens aéreas, devem ser verificadas duas situações distintas. A primeira diz respeito aos consumidores que adquiriram passagens aéreas durante a crise já estabelecida. Nessa situação, não houve qualquer alteração de circunstâncias que venha a prejudicar uma das partes, ou seja, já era de conhecimento do consumidor a situação instaurada pelo novo coronavírus, de forma que caberá a cada companhia aérea avaliar a política de relacionamento com o consumidor, já que não houve um prejuízo ao consumidor que sabia da situação de pandemia reconhecida pelo Brasil pelo decreto de calamidade de 20/03/2020.
A outra situação, completamente diferente, ocorre com os consumidores que compraram passagens aéreas antes de 20 de março, quando a situação ainda não tinha se tornado de conhecimento público e notório e com a decretação de calamidade. Aliás, no mesmo dia (20/03), a ABEAR (Associação Brasileiras de Empresas Aéreas) firmou um termo de ajustamento de conduta (TAC) em que as companhias se comprometem em: (i) remarcar, sem custo, viagens nacionais ou internacionais marcadas entre 1º de março e 30 de junho, com mesmo destino e origem, e mesmo período (baixa ou alta temporada); (ii) passagens de planos de milhagem ou voo “charter” deverão ser remarcadas dentro do prazo de validade da passagem; (iii) havendo interesse em troca de período (baixa ou alta temporada), ou nas hipóteses de troca de destina ou origem, o consumidor poderá arcar com eventuais diferenças; e, (iv) o consumidor poderá cancelar a sua passagem, recebendo um crédito para compra de outra passagem pelo período de até um ano.
2) Em relação a ingressos comprados para shows, festas e eventos, como proceder?
Para as hipóteses de cancelamentos de ingressos em shows, eventos etc., foi editada a Medida Provisória 948 de 08/04/2020, a qual estabelece o direito do organizador em não reembolsar os valores gastos, desde que seja assegurado ao consumidor o direito de: (i) remarcação do serviço, reserva ou evento cancelado; (ii) disponibilização de um crédito para uso do consumidor com a aquisição ou abatimento de valor na compra de outro serviço, reserva ou evento disponibilizado pela empresa organizadora; ou (iii) outra forma de compensação ofertada pela empresa organizadora ao consumidor.
Esses pedidos de compensação deverão ser atendidos pela empresa, sem a cobrança de qualquer taxa, desde que sejam realizados em até 90 dias a contar de 08/04/2020. Nestas hipóteses, tais créditos deverão ser utilizados no prazo de até 12 meses a contar do fim do decreto de calamidade, ou considerando a sazonalidade do evento. Somente nas hipóteses em que não seja possível garantir ao consumidor tais compensações, a empresa poderá ser obrigada a arcar com o reembolso dos valores recebidos, com atualização monetária pelo IPCA-E, a contar do fim do decreto de calamidade pública. Importante destacar que a mesma medida provisória já afastou a possibilidade de outras indenizações ou penalidades em função da pandemia do novo coronavírus, caracterizando a situação como hipótese de força maior ou caso fortuito.
3) Como ficam os casos de assistência técnica e garantia de produtos e serviços, que podem ser afetadas pelas restrições de circulação?
Nessas hipóteses, não se tratando de bens perecíveis, e considerando um uso não abusivo por parte do consumidor, devemos considerar uma extensão das garantias previstas na lei ou no contrato, sempre considerando um uso razoável pelo consumidor e um prazo igualmente razoável de suspensão das atividades, pois não é razoável determinar a prorrogação de garantias por tempo indeterminado.
Para exemplificar o que queremos dizer com uso razoável pelo consumidor, basta pensar nas hipóteses de garantias de automóveis novos, onde é necessário realizar uma revisão a cada 10 mil quilômetros ou determinado período. Se, em função do fechamento das oficinas autorizadas o consumidor extrapola algo como 15% do limite de quilometragem, é razoável que a garantia seja mantida. Ou ainda, se o consumidor leva o veículo para revisão logo após a suspensão do decreto de calamidade, igualmente é razoável. Porém, se o consumidor, durante o período de confinamento, passa de 60%, 70% ou mais do limite de quilometragem, ou deixa de realizar a revisão após o fim da calamidade, nestas hipóteses estará ocorrendo um abuso.
4) Como agir em relação aos serviços que precisam ser realizados em cartório?
A Corregedoria Geral da Justiça do Estado de São Paulo, pelo Provimento CG nº 8/20 de 22 de março, considerou que os serviços extrajudiciais de notas e registros são essenciais para o exercício de determinados direitos fundamentais, como a circulação de riquezas, garantias reais etc. Dessa forma, ficou garantido um atendimento mínimo para atos efetivamente necessários pelo regime de plantão, com atendimento presencial, remoto ou virtual a ser devidamente comunicado por cartazes, sites e toda a forma necessária para dar conhecimento público e notório ao cidadão. No mesmo provimento, houve a determinação de organização de outras formas de atendimento para não expor a população a risco desnecessário.
5) Nos casos em que o consumidor entenda que a cobrança por um produto ou serviço está sendo feita de forma abusiva ou indevida, como ele deve proceder?
O consumidor poderá solucionar a questão diretamente pela plataforma de soluções online disponibilizada pelo governo no www.consumidor.gov.br ou, ainda, por meio do registro de reclamações junto às delegacias especializadas em crimes contra o consumo. Também é possível direcionar a sua reclamação para a SENACON ou PROCONS, bem como a sites especializados em registro de reclamações contra fornecedores.
Rodrigo Fernandes Rebouças é Doutor em Direito Civil pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (2017), Mestre em Direito Civil pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (2012), Pós-graduado em Direito Processual Civil pelo Centro Universitário das Faculdades Metropolitanas Unidas (1998) e graduado pela mesma instituição (1997). Especialista em Direito dos Contratos, Direito das Novas Tecnologias, Gestão de Serviços Jurídicos e Departamentos Jurídicos. Professor do Insper-Direito e Professor Orientador do LL.M. em Direito dos Contratos. Palestrante e Professor convidado na UNIFOR, COGEAE-PUC/SP, PUC/SP e IICS/CEU. Tem vasta experiência na área jurídica com ênfase em Direito Privado, Direito dos Contratos, Direito Civil, Software, Novas Tecnologias e Internet e Direito Empresarial. Advogado em São Paulo com experiência em Escritório de Advocacia e Departamento Jurídico.