07/04/2022
A guerra na Ucrânia impõe novas reflexões sobre ESG e a importância dos hidrocarbonetos para garantir o bem-estar conquistado pela humanidade nos últimos 300 anos
Ricardo Rocha*
Evidências arqueológicas sugerem que Jericó, na Cisjordânia, seja uma das primeiras cidades organizadas do mundo. Seriam 10.000 anos entre ocupações, destruições, abandonos e reconstruções. Roma, que é a ascensão, em todos os aspectos, do que chamamos de civilização, tem um pouco mais de 2.700 anos. Foram os romanos que introduziram o conceito de urbanização, replicada na Decápolis, dez cidades na Judeia e na Síria que foram transformadas em retratos de Roma, entre as quais Damasco, que tem 5.000 anos de habitação ininterrupta.
Na mesma época da fundação de Damasco, por volta de 3.000 a.C., o cavalo estava domesticado na Europa. Até a Revolução Industrial, no século 18, o animal foi a principal força motriz dessas aglomerações urbanas para transporte, produção de alimentos e defesa territorial. A importância da cavalaria era tão grande para a humanidade que o engenheiro escocês James Watt nomeou de cavalo-vapor a unidade de medida de potência do sucessor da tração animal, a máquina movida a vapor. Abandonamos lentamente a força dos cavalos e entramos na era das máquinas térmicas abastecidas por carvão mineral e dos motores a combustão interna de derivados de petróleo.
Nos últimos 300 anos, quase todo o bem-estar que a sociedade conquistou foi com o uso dos hidrocarbonetos. Costumo incentivar esse diálogo em sala de aula: será que vamos superar tão rapidamente a dependência do petróleo? Afinal, o cavalo nos acompanhou por 5.000 anos.
O conflito na Ucrânia nos provoca outra reflexão — a questão da segurança interna do país. Não me refiro à segurança militar, prioritariamente, mas à segurança alimentar, hídrica e cibernética. O conceito de defesa não é uma disputa de ideologia. No sentido de estar a favor do indivíduo, do cidadão, não conseguimos substituir o petróleo com a velocidade que gostaríamos.
As petrolíferas estão se transformando em companhias energéticas, mas qual é o momento para determinar a nossa independência da gasolina, do diesel, do GLP? E países emergentes que dependem da receita fiscal do petróleo para manter o bem-estar dos seus indivíduos? Essa é uma discussão que precisa acontecer. Ninguém é a favor de uma tragédia como a do Exxon-Valdez, o navio petroleiro que despejou pelo menos 260 mil barris de petróleo no oceano em 1989. Longe disso. Temos um problema de energia para resolver, sem visão ideológica.
Como será a nova matriz energética? Vamos aumentar a participação da energia atômica? Está aí a guerra na Ucrânia para relembrar como o mundo pode ficar tenso com usinas atômicas ameaçadas por bombardeios, apesar de toda a segurança envolvida na construção e na operação das usinas.
Não é tão simples substituir os hidrocarbonetos. As economias foram integradas pela aviação e pelo comércio marítimo, movidos a hidrocarbonetos. Os veículos híbridos e elétricos são uma realidade, porém, ainda há muito a avançar em termos de autonomia das baterias. Planejam-se dispositivos com vida útil de 25 anos — a garantia média de uso, atualmente, é de 10 a 15 anos. No longo prazo, as baterias de lítio causam algum tipo de efeito ambiental? Como serão feitos o descarte e a reciclagem?
No Brasil, temos um grande parque hidrelétrico, responsável por 57% da matriz energética. Outros 11% provém das usinas eólicas. Recentemente, a produção do nosso parque solar centralizado e distribuído ultrapassou a capacidade da usina de Itaipu. Entretanto, há países que não tem esse potencial de diversificação das fontes de energia, habitados por gente que, como nós, precisa se locomover, trabalhar, comer.
Eu não gosto de demonizar as ideias, nem de radicalizar um debate que deve ser feito em cima de ideias. O problema é que não existe solução simples e imediata. Se a guerra terminar hoje e o preço do petróleo despencar, as energias alternativas ficarão caras outra vez. O consumidor não costuma associar as oscilações de preços às razões históricas.
Os dados históricos mostram que o preço do barril do petróleo teve fortes oscilações desde os anos 1970. Podem-se identificar alguns picos de aumento: a primeira crise de 1973, a crise de 1979, a invasão do Kuwait pelo Iraque em 1990, a crise do subprime em 2008. Há sempre uma razão geopolítica ou financeira para gerar turbulências sobre o preço do petróleo.
A indústria automobilística, que promoveu o crescimento extraordinário da economia americana nos primeiros 40 anos do século passado, não se preocupava com o consumo dos motores. Nos anos 1970, o barril de petróleo custava 20 dólares. Nas décadas anteriores, na era dos carrões V8, era abaixo disso. A partir da crise do subprime, em 2008, os analistas começaram a analisar o preço do petróleo muito em função do crescimento da economia, no vaivém da demanda. Os países tentam de alguma maneira melhorar os motores, tributando a indústria. Os modelos mais eficientes pagariam menos impostos.
Em 2020, a covid-19 pega o mundo desprevenido. Ninguém sabe, mais uma vez, para onde vai o preço das commodities, principalmente na saída de crise. Antes do fim da pandemia, surge outro problema geopolítico, uma guerra que não se prevê quando e como vai terminar. A pergunta se impõe: estamos diante de uma nova era do petróleo em termos de preço? Não dá para saber.
A ideia do aquecimento global tomou força em 2006, quando saiu da academia para o debate político. Embora haja discordância sobre a interferência humana no aquecimento do planeta, por motivos variados, a poluição dos oceanos e a consequente extinção das espécies é uma realidade. Estamos modificando o meio ambiente do planeta.
Diante dessa preocupação do aquecimento global, o conceito de ESG (Ambiental, Social e Governança, na sigla em inglês) ganhou força. Está armada a confusão. Como o petróleo e o ESG podem se adaptar às novas urgências do mundo? De maneira equilibrada, o ESG deve propor como aumentar, dentro da matriz energética, o percentual de energias mais limpas e o que fazer enquanto essa conversão não é viável. Conciliar práticas de sustentabilidade, de impacto ambiental, com o uso de combustíveis que não são os ideais para o controle da poluição impõe um esforço extra.
A sociedade precisa pressionar a si própria. Não adianta o consumidor ter só a cabeça do ESG e esquecer que circula de automóvel ou de ônibus, ou que existe uma frota de caminhões na logística brasileira que distribui cerca de 60% da produção. Que não temos energia elétrica limpa suficiente para mover o mundo. A eólica e a solar não são suficientes, apesar dos progressos dos últimos anos.
Procuramos a resposta para o convívio com combustíveis fósseis, de maneira sustentável, até não necessitarmos deles. Esse é o desafio imediato. Infelizmente, a solução não parece vir na velocidade com que falamos. O petróleo move a dinâmica da sociedade. A guerra da Rússia desnudou essas questões, que devem continuar sendo discutidas de uma maneira mais ampla, reflexiva e não destrutiva.
* Ricardo Rocha, doutor em Administração pela Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade da Universidade de São Paulo, é professor de Finanças no Insper