FONTE: Humberto Dantas
Se o corte de R$ 10 bilhões anunciado ontem pelo governo federal ameaçar as emendas parlamentares, o governo Dilma pode aprofundar a crise com o Congresso Nacional. A leitura é do cientista político do Insper Instituto de Ensino e Pesquisa, professor Humberto Dantas.
“Se o governo se aventurar na gracinha de cortar emenda parlamentar, a relação com o Legislativo que já não está muito boa, é capaz de azedar de vez. O Congresso não aprovaria mais nada, nem veto. Tem veto enfileirado no Congresso que destrói o governo em bilhões e bilhões de reais. Tem dois ou três vetos em Brasília que, somados, já se equiparam a estes R$ 10 bilhões”, afirma Dantas.
Para o cientista, o momento é de o governo demonstrar habilidade administrativa e política, dotes que não têm conseguido exibir nos últimos meses. Entre outros exemplos, ele lembra que Dilma Rousseff foi à televisão anunciar o plano de redução da tarifa de energia elétrica e o mesmo foi rejeitado pelo Legislativo.
“O texto ainda tramitava como medida provisória. Ficou à mercê do Legislativo tentando fazer jogo com a galera. Daí o Congresso disse [não] do jeito mais confortável: o prazo venceu. Esse é um exemplo de inabilidade política nunca antes vista na história desse País”.
Dantas declara-se pessimista quanto ao governo atingir a meta do corte prometido.
“A única coisa a saber é se o governo consegue chegar a esses R$ 10 bilhões e quem vai sofrer. Tem quilômetros de coisas para cortar, a começar pelo uso indevido da máquina administrativa. Tem muita gordura pra cortar, mas não corta onde tem a gordura. Corta a carne, mas a gordura fica”, compara.
Humberto Dantas observa também que o fato de os cortes serem anunciados paralelamente à visita do papa Francisco ao Brasil soa curiosamente como se “o governo tomasse uma medida franciscana ao lado de Francisco”.
Articulação política
Humberto Dantas pondera também que o momento atual não permite dizer como o governo pode salvar a articulação política com a sua base no Congresso Nacional. Ele comenta que a ministra Ideli Salvatti, por exemplo, “não é uma pessoa ultra respeitada e com ultra trânsito nos meios políticos”, afirma.
Ele lembra ainda que a própria presidente Dilma é centralizadora e isso também atrapalha o diálogo. Para ele, nem o ministro da Educação, Aloizio Mercadante ou o vice-presidente Michel Temer têm condições de construir uma relação entre o Planalto e o Congresso. “Uma coisa é você cobrar o Congresso com 80% de aprovação. Outra é cobrar com 40%”, alerta o especialista.
Ministérios
Para o analista, o governo frustrou o PMDB e a própria oposição, que adotaram discurso em defesa da redução no número de ministérios – hoje são 39 – numa demanda que também foi colocada nas ruas pelos protestos de junho passado.
“É infinitamente mais razoável corte de ministério do que reforma política como resposta às ruas. Isso [o corte dos ministérios] foi uma jogada muito bem feita e muito bem articulada pelo presidente da Câmara”, comentou.
Dantas explica que Dilma confrontou o Congresso e a população quando propôs um plebiscito para a reforma política e que Henrique Eduardo Alves (PMDB-RN) devolveu cobrando a redução do número de pastas pelo Executivo.
“Como o Congresso não respondeu como ela queria, Dilma disse ‘eu tentei, o Congresso não quis’. Aí toma o contra-ataque. “Ah é? Você está reclamando que não tem reforma política porque a gente não quis. Então a partir de agora a gente simpatiza com a redução no número de ministérios. E se você dizer que não vai fazer, aí eu vou reclamar'”, diz o professor do Insper.
Ele comenta ainda que essa estratégia exigiria um jogo de cintura do governo para escolher que pastas seriam extintas e que isso poderia tensionar ainda mais a relação do Executivo com sua base no Congresso Nacional.
“Ela poderia gerar uma crise institucional verdadeira se nesse corte de ministérios ela começasse a cortar mais do PMDB em relação aos outros partidos”.
Humberto Dantas afirma que mesmo a extinção do que ele ironiza ser o “indispensável” Ministério da Pesca, que abriga o senador Marcelo Crivella (PRB-RJ) poderia representar ruídos.
“Ela já, de cara, tiraria o PRB do governo. É um momento para se jogar xadrez”.
O especialista frisa que a redução no número de ministérios não estava em cogitação na agenda da Presidência da República, mas que a opinião pública vem se manifestando contrariamente à prática de alocação de aliados no governo federal.
“A cada novo ministério criado a gente cria um carnaval em volta. O último foi o do Afif, o 39º ministério [Secretaria Especial da Micro e Pequena Empresa]. Ele inclusive disse que era a favor do corte de ministérios, mas o dele não”, lembrou.
Humberto Dantas comentou também que o mercado financeiro talvez respirasse aliviado com o afastamento do ministro Guido Mantega do Ministério da Fazenda. “Se o Mantega caísse e não assumisse uma figura refratária ao mercado, já daria um suspiro de alegria. Há quem aposte que a figura do Mantega tenha atrapalhado o mercado”, finaliza o professor do Insper.
Fonte: Jornal DCI – SP – 23/07/2013