26/05/2015
Uma denúncia de desvio de recursos para a campanha eleitoral de reeleição, divulgada na última semana, fragilizou ainda mais a imagem do governador do Paraná, Beto Richa (PSDB), já atingida pela violenta repressão a um protesto de professores no mês passado.
Tanto em um caso como em outro, Richa recorre ao mesmo argumento para defender-se: o de que há motivações partidárias e “uma campanha orquestrada” contra seu governo. A alegada orquestração teria ocorrido na chamada “batalha do Centro Cívico” em 29 de abril e prosseguido na investigação tocada pelo Ministério Público para apurar o suposto recebimento de R$ 2 milhões de funcionários da Receita estadual que cobravam propinas de empresas.
Na última segunda-feira, deputados defenderam a instalação de uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) para apurar os fatos. “O Paraná não é bobo e sabe que há muitos interesses, principalmente políticos, tentando fazer um jogo sujo”, disse Richa em vídeo veiculado em redes sociais no fim de semana. O prestígio de Richa começou a trincar na última semana de abril. Ainda era um domingo à noite quando policiais militares chegavam ao bairro Centro Cívico para instalar uma grade de ferro em torno da Assembleia Legislativa do Paraná (Alep), em Curitiba. No dia seguinte, começaria a ser votado pelos deputados o projeto de lei que faria com que 33 mil aposentadorias parassem de ser bancadas pelo Estado e sim por um fundo que recebe dinheiro público e dos servidores, uma economia de R$ 1,5 bilhão para o Tesouro Estadual.
(PSDB). A ordem era evitar a invasão do prédio por manifestantes. A votação demorou três dias. Na quarta-feira, 29 de abril, enquanto mais de 200 pessoas ficavam feridas pela polícia do lado de fora — atingidas por balas de borracha, bombas de efeito moral, bombas de lacrimogênio, spray de pimenta e até mordidas de cachorro — o projeto era aprovado do lado de dentro.
Richa ficou abrigado em um gabinete alternativo na sede da Companhia Paranaense de Energia (Copel), distante do Centro Cívico. As imagens de pessoas ensanguentadas geraram reação imediata. Entidades como a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), Ministério Público, Anistia Internacional, sindicatos emitiram nota de repúdio. Na mesma semana, as torcidas dos clubes de futebol Coritiba e Operário — que disputavam a final do Campeonato Paranaense — gritaram em coro “Fora, Beto Richa”. O mesmo ocorreu na plateia do Teatro Guaíra, de público mais elitizado, que assistia a um espetáculo. O efeito lesivo ao tucano já é comprovado pelas pesquisas. Até ano passado um dos governadores mais bem avaliados do país, com aprovação de 66% dos entrevistados em dezembro, Richa está agora em um cenário invertido: desaprovação de 82%. Os números estão em levantamento prestes a ser publicado pelo Instituto Paraná Pesquisas. “Vai ser uma cicatriz que ele vai carregar por pelo menos 20 anos”, diz o diretor do instituto, Mario Hidalgo. “O forte dele era o diálogo, mas nesse novo mandato houve uma mudança. Houve muita truculência na forma como ele lidou com a greve dos professores, e isso foi um erro histórico muito difícil de reverter”, afirma. Segundo Hidalgo, a popularidade de Richa já tinha despencado antes da violência dos policiais contra professores — que ocorreu em 29 de abril. Um mês antes, a desaprovação já estava em 76%. Para o diretor do instituto, enquanto tomava medidas polêmicas desde o início do ano (como aumento de impostos), Richa deixou de dialogar e “perdeu a comunicação” principalmente sobre as mudanças na previdência.
“A população acha que é um confisco”, resume. Ricardo Costa Oliveira, cientista político e professor da Universidade Federal do Paraná (UFPR), acredita que Richa comprometeu de forma profunda seu capital político. “Ele teve um desgaste político muito grande com as medidas de ajuste fiscal e, principalmente, na forma como essas medidas foram encaminhadas”, resume. Para Oliveira, até o ano passado Richa se beneficiava do chamado “efeito Teflon” — quando aspectos negativos não têm aderência à imagem de certo político. O governador se beneficiava, diz Oliveira, do sentimento antipetista da população paranaense e da imagem de seu pai. “Ele herdou o capital político positivo de seu pai, José Richa, que era um democrata e um dos símbolos da redemocratização. Para Oliveira, a situação mudou depois da vitória nas eleições. “Como ele ganhou no primeiro turno, ele teve uma confiança superestimada. Isso gerou uma arrogância. E também ele foi mal aconselhado por alguns secretários”, afirma. Enquanto Richa tomava atitudes polêmicas, os adversários aproveitavam o momento. Os senadores Roberto Requião (PMDB) e Gleisi Hoffmann (PT), o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e o presidente do PT, Rui Falcão, deram declarações condenando Richa. Em contraste, nenhuma liderança do PSDB veio a público para defender o governador — nem mesmo após pedido desta reportagem. “Todo seu capital ficou comprometido principalmente depois da repressão policial. O ‘Teflon’ dele rachou. Aumento de impostos, nepotismo, escândalos de corrupção, perseguição a jornalistas, tudo isso começa a grudar”, afirma. Como saída da crise, os especialistas são unânimes em defender mais diálogo ao governador. Mas há divergências sobre a possibilidade de recuperação de sua imagem. Para Oliveira, Richa deve seguir um caminho como o do atual senador Alvaro Dias (PSDB), que ficou oito anos sem mandato e perdeu duas eleições para o governo estadual, após uma multidão de professores ser agredida por policiais quando ele governava o Estado, em 1988.
“Hoje é muito duvidoso que Richa se eleja ao Senado em 2018. Ele tem que dialogar e procurar ser mais humilde”, afirma Oliveira. Para Fernando Luis Schuler, cientista político do Insper, a situação de Richa não é tão grave quanto parece e pode ser revertida. Schuler faz um paralelo com Mário Covas (ex-governador tucano de São Paulo, morto em 2001). “Em um momento, a carreira do Covas parecia ter terminado. Mas ele não só se recuperou como virou um mito político”, afirma. Segundo ele, o futuro de Richa dependerá de sua postura. “A violência foi condenável, mas acho que ele não pode recuar de seu projeto [de ajuste fiscal], que diz respeito ao futuro do Paraná. Ele está apenas no começo do mandato. Caso recue, pode se tornar um pato manco. Ou seja, vai ser um governante sem poder de implementar suas políticas e carregar dois ônus: ficar sem as medidas e sem apoio popular”, afirma. Para o cientista político Mario Sergio Lepre, professor da Pontifícia Universidade Católica do Paraná (PUC-PR), Richa deve descer do pedestal. Para ele, Richa passa por uma dificuldade de governantes de todo o mundo na democracia atual. “O chefe de Estado, até há alguns anos atrás, tinha o poder sobre o Legislativo e tudo estava sob controle. Era uma espécie de salvo conduto. Hoje, há as redes sociais e não há como medir a repercussão dos atos. Me parece que Richa ainda não teve essa grandeza de começar para conversar com a sociedade”, afirma. No mesmo dia do confronto, Richa concedeu uma entrevista à noite e foi questionado sobre o futuro de seu capital político. “Eu não tenho medo. A minha popularidade pode oscilar, mas não minhas coerências. A obrigação de todo governante responsável não é apresentar a todo momento medidas simpáticas, populares. Temos também que tera coragem,quandose apresente a necessidade, de tomar medidas amargas,masimprescindíveispara o futuro do Paraná e dos paranaenses. Estou colocando em risco minhapopularidadeeimagempolítica para ser responsável com o Paraná e com todo nosso povo”, afirmou. (FP)
Fonte: Valor Econômico – 21/05/2015