24/05/2022
A insegurança jurídica é uma das questões tratadas pelo diagnóstico do contencioso tributário realizado pelo Insper e pelo Conselho Nacional de Justiça
Leandro Steiw
O contencioso administrativo e judicial brasileiro na área tributária representa 75% do Produto Interno Bruto. Segundo o levantamento mais recente do Núcleo de Tributação do Insper, esse percentual correspondia a 5,4 trilhões de reais. O impacto da insegurança jurídica sobre os agentes econômicos e os investimentos produtivos foi uma das hipóteses que nortearam a pesquisa Diagnóstico do Contencioso Judicial Tributário, realizada pelo Insper e contratada pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ).
O documento foi discutido durante o 1º Seminário do Observatório do Contencioso Tributário do Núcleo de Pesquisas em Tributação do Insper, organizado no dia 13 de maio pelo Centro de Regulação e Democracia (CRD), que integra o Centro de Gestão e Políticas Públicas (CGPP). As disputas judiciais por impostos atrasam o desenvolvimento econômico do país. Para Marcos Lisboa, presidente do Insper, com frequência ignora-se a ciência nas discussões sobre política pública no Brasil, tornando o mesmo indivíduo que combate o negacionismo dos benefícios da vacina capaz de defender teses tributárias sem qualquer embasamento em dados.
“O Brasil tem um sistema tributário incrivelmente peculiar, que se parece com um manual de tudo que se faz errado. Você não quer que a tributação inverta a prioridade de investimentos produtivos, mas é isso que a tributação brasileira faz”, disse Marcos Lisboa. O resultado é ineficiência. A opinião pode ser reforçada pelas expressões publicadas no relatório, extraídas das respostas de magistrados sobre impactos negativos do elevado contencioso tributário ao país: aumento da desigualdade, afugentamento de investimentos, aumento dos gastos públicos, insegurança jurídica, alto custo do Poder Judiciário, prejuízo à economia, desperdício de recursos, lentidão processual, descrédito no sistema.
O pesquisador Daniel Santiago, do Núcleo de Pesquisas em Tributação do Insper, mostrou que as contestações são motivadas também pela baixa vinculação das administrações tributárias às decisões dos tribunais superiores, quando julgam recursos dos contribuintes. Esse foi um dos pontos comentados pelo ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal, que listou problemas estruturais e culturais como motivadores da intensa judicialização no Brasil. Para Moraes, muitas disputas poderiam ser encerradas antes de chegarem ao Supremo se a primeira instância seguisse os precedentes.
Convidada a falar sobre transparência e cidadania fiscal, Fernanda Pacobahyba, secretária de Fazenda do Estado do Ceará e professora de Direito Tributário, comentou que é impossível para o cidadão dizer qual é a carga de impostos de qualquer produto ou serviço. “Muita gente neste país vai receber uma série de benefícios assistenciais, e outros vão achar que é uma benesse dada pelo governante de plantão, sem perceber que essas pessoas miseráveis que recebem aquele auxílio são, na verdade, as pessoas que mais pagam tributo neste país”, afirmou Fernanda Pacobahyba.
A secretária citou uma pesquisa da Escola Nacional de Administração Pública (Enap), realizada no Ceará, na qual as pessoas disseram que os tributos de maior impacto sobre o contribuinte eram IPTU, IPVA e imposto sobre a renda. O ICMS, que incide diretamente sobre todos os produtos e serviços, não estava entre os mais citados. Curiosamente, o ICMS também tem a maior relação entre estoque processual e arrecadação tributária bruta dos estados, chegando a 110%, conforme pesquisa prévia do Núcleo de Tributação do Insper. O IPVA é de apenas 1,9% para os estados; o IPTU, de 15,5% para as capitais; e o IRPF, de 8,4% para a União.
Diretora de gestão jurídica tributária na Braskem, Marcela Nardelli lamentou que a responsabilidade pela perpetuação do conflito tributário ainda seja jogada sobre o setor produtivo, como se houvesse interesse em ganhar tempo com as disputas judiciais. “Que investimento traria uma taxa de retorno que pague o ônus de uma folha de salários de quase cem pessoas em serviço compartilhado, 20 pessoas em planejamento tributário, apoio externo, perícia, laudo, advogados, risco de acusação criminal, multa de 225%, nota gigantesca no balanço?”, observou. “É um contencioso bilionário, perda pura para o Brasil.”
Tratando da complexidade tributária brasileira, Roberta Bordini Prado Landi, diretora jurídica tributária da Ambev e professora de Direito Tributário, apresentou alguns passos para reduzir a burocracia, gerar segurança jurídica e aumentar a atratividade para o investimento internacional. Além da reforma tributária, são necessários princípios de governança com clareza na aplicação das normas, simplificação de obrigações acessórias, adoção de programas de conformidade cooperativa e melhorias nos canais de consulta fiscal. Posteriormente, seriam feitas as reformas no processo administrativo e no processo judicial.