28/01/2022
O Comitê Alumni de Diversidade, Equidade e Inclusão do Insper entrevista Fe Maidel, especialista em sexualidade e gênero e presidente do Conselho de Políticas LGBTI do município de São Paulo, sobre como superar as barreiras impostas nas relações sociais a quem se identifica como transgênero
Este sábado, 29 de janeiro, é o Dia Nacional da Visibilidade de Travestis e Transexuais. Para celebrar a data e chamar atenção para a causa, o Comitê Alumni de Diversidade, Equidade e Inclusão do Insper fez uma entrevista com Fe Maidel, atual presidente do Conselho de Políticas LGBTI do município de São Paulo. Ela é uma mulher transgênera graduada em Psicologia e Comunicação Social, artista plástica e especialista em sexualidade e gênero.
A conversa abordou os desafios que marcam as experiências de pessoas transgêneras com a família, no mundo do trabalho e na sociedade de maneira geral. Fe Maidel faz análises e sugere caminhos para a construção de ambientes mais justos e inclusivos. Ela também atua na realização de cursos e palestras sobre diversidade, presidindo o conselho da Diversa Arte e Cultura, organização sociocultural que se estrutura por meio de Centros de Cidadania, ofertando treinamentos e certificações para a inclusão de pessoas LGBTI no mercado de trabalho.
Confira a seguir a entrevista completa, uma iniciativa feita em parceria com o Inspride, coletivo do Insper que reúne estudantes em torno de questões ligadas à diversidade LGBTI.
Qual a sua recomendação para pais e mães que não sabem como iniciar o diálogo sobre sexualidade e identidade de gênero com os filhos?
A principal questão se dá em relação ao acolhimento. Acolher a pessoa que se descobre transgênera é o primeiro passo para uma transição, digamos, tranquila.
A pessoa que se descobre visita muitas questões do início da adolescência, da infância, refletindo e repensando atitudes e posturas frente à vida. O diálogo começa com a disponibilidade para escuta, para entender como pode ajudar sem impor ajuda. Ponto importante é lembrar às pessoas que, quando elas mesmas entraram na adolescência, também tinham muitas dúvidas e temores, e poucas tiveram com quem conversar. Se a família percebe que existe uma transição acontecendo, e há disposição para o acolhimento, a pessoa volta à família para procurar ajuda.
Existe mais abertura nas famílias atuais para o diálogo sobre a sexualidade?
Sim e não. De um lado, vemos a disseminação da informação e as famílias procurando acesso a essas maneiras de pensar. Por outro, nós temos vários relatos de crianças e adolescentes que são deixados à própria sorte porque a família não sabe o que fazer. Não é tão incomum quanto pensamos. O que existe, de fato, é um volume muito maior de informações disponível e de melhor qualidade do que as gerações anteriores tiveram. Os estudos sobre gênero e sexualidade avançaram muito nas últimas décadas, impulsionados por vários fatores, principalmente políticas públicas.
Na sua percepção o mercado está mais receptivo para a inserção de pessoas transgêneras?
Acredito que as empresas que têm direcionado vagas para a diversidade (especialmente destinadas a pessoas transgêneras) são aquelas que têm as suas matrizes fora do Brasil, em lugares onde a adesão à diversidade é fundamental para a evolução dos negócios. No entanto, a maioria dos empregos no país vem de pequenas e médias empresas, negócios familiares com um número relativamente pequeno de funcionários.
E nas empresas pequenas é mais difícil a oferta de emprego para transgêneros?
Esses negócios não têm contratado pessoas transgêneras ou LGBTI na escala ideal, seja porque existe uma falta de postos relativamente à oferta abundante de mão de obra, seja porque recrutadores preferem contratar pessoas que, aparentemente, compactuam com as suas próprias ideias. Essa maneira de selecionar candidatos dificulta bastante o acesso de pessoas fora do padrão aos postos de trabalho, já que muitas vezes não é medida a capacidade produtiva da pessoa, mas o quanto ela é parecida (ou diferente) com aquilo que se acha “normal”. As empresas podem apoiar a causa, portanto, mudando a sua metodologia de contratação e a maneira pela qual avaliam as pessoas que estão buscando emprego, criando as vagas e ofertando o trabalho sem questionar sexualidade ou identidade de gênero, com competência e respeito.
Quais os maiores desafios para a inclusão social de pessoas transgêneras?
Apesar de existir o discurso sobre a diversidade em diversos ambientes, a sociedade ainda demonstra estar amadurecendo essa questão. O maior desafio para inclusão das pessoas transgêneras reside no acesso básico a direitos como saúde, educação, família e condições de sobrevivência digna. Acontece que, no nosso país, muita gente não tem isso também, independentemente de pertencer ou não à comunidade LGBTQI. É um problema sistêmico. De maneira muito dissimulada, vivemos num sistema de castas, em que somos pré-julgados a partir de certos marcadores sociais, que as pessoas transgêneras ressignificam, transgridem, recriam.
E como mudar essa situação?
O primeiro passo seria repensar como se dá o equilíbrio da nossa sociedade, e parar de normalizar a falta de estrutura que nós temos, ir atrás de educação para todas as crianças, sejam cisgêneras ou transgêneras, negras, amarelas, brancas, altas, baixas, gordas ou magras. Outro passo seria repensar a distribuição de renda e as condições que as pessoas têm que sofrer para ganhar o básico. Aí você pode pensar: “mas, espera, tem que mudar tudo?”. E eu respondo: “temos que mudar o jeito como enxergamos e normalizamos as coisas à nossa volta”.