15/05/2014
David Swensen, PhD em economia e diretor de investimentos da Universidade de Yale, localizada em Connecticut (EUA), tem sido incensado como notável especialista em aplicações de longo prazo. A fama se justifica pela revolução monetária que empreendeu no fundo de doações de ex-alunos de Yale, constituído no formato “endowment” – tipo de fundo perpétuo que recebe dinheiro de pessoas físicas e empresas. Esses recursos saltaram do patamar de US$ 1 bilhão em 1985, ano em que Swensen assumiu a gestão do portfólio, para os mais de US$ 20 bilhões atuais, totalizando um crescimento anual médio de 13,8% – resultado considerado estupendo pelo mercado.
O executivo esteve no Brasil na semana passada para o lançamento do livro “Desbravando a Gestão de Portfólios” (BEI Editora), de sua autoria, publicado originalmente em 2000 e no qual destrincha o método que usou em Yale. Aqui a obra foi editada por iniciativa da Itajubá Investimentos.
Há quem relativize a validade da metodologia desenvolvida por Swensen para outras instituições de ensino, caso de Rick Ferri, colunista da “Forbes”, em um artigo publicado em abril de 2012. Ferri analisa “endowments” de outras instituições americanas que tentaram aplicar o modelo e conclui que o segredo do sucesso de Yale foi a capacitação de sua equipe, a começar pelo próprio Swensen, que, antes de se tornar Chief Investment Officer (CIO) da universidade, tinha feito carreira em Wall Street.
O próprio CIO americano reconhece as limitações – ou particularidades – de seu método, que, em suma, exige bala financeira na agulha e atiradores de elite. Mas sustenta que ele pode funcionar em qualquer mercado, inclusive no brasileiro.
“A abordagem de que falo em meu livro faz sentido para investidores que têm um horizonte de longo prazo”, disse ele, em entrevista ao Valor. “O endowment em universidades e escolas brasileiras faria muito sentido”, assegura. “É possível obter doadores privados para financiar escolas e universidades em qualquer lugar do mundo. Não há razão para o endowment dar errado no Brasil ou qualquer outro lugar.”
Mas sua aplicabilidade, ressalta, requer de fato montantes substanciais – e uma adequada conexão dos recursos monetários e humanos para implementar a estratégia. Dessa forma, reduz-se, em termos práticos, o número de investidores individuais e institucionais que podem se beneficiar do modelo, tanto pela exigência de aplicações vultosas como pela necessidade de gestores muito capacitados para realizá-las, corroborando a tese de Rick Ferri, da “Forbes”.
Swensen, porém, rebate as críticas quanto à ineficácia do processo em outras universidades americanas. “Não tenho certeza se isso é verdade. Se examino escolas e universidades nos EUA, os melhores desempenhos em “endowments” nos últimos 15, 20 ou 25 anos incluem não apenas Yale mas também outras que seguiram estratégias semelhantes, como Harvard, Stanford, MIT e Princeton. Yale saiu na frente, mas instituições irmãs a seguiram bem de perto.”
No ranking de “endowment” das universidades americanas em 2013, Harvard aparece na liderança, com US$ 32,3 bilhões. Em seguida vêm Yale, com US$ 20,8 bilhões; a Universidade do Texas, com US$ 20,5 bi; Stanford, com US$ 18,7 bi; Princeton, com US$ 18,2 bi; e o MIT, com US$ 11 bilhões. Os números foram compilados pelo Insper .
O economista conta que, quando assumiu a diretoria de investimentos da Universidade de Yale, adotou a tática da diversificação, conceito que se aprende quando se estuda finanças, mas que é também, basicamente, bom senso, em sua opinião. “Meu mentor, James Tobin [professor em Yale de 1950 a 1988], disse que resumiria o trabalho que o levou a ganhar um Prêmio Nobel [na verdade, o Prêmio de Ciências Econômicas em Memória de Alfred Nobel, em 1981] como não ponha todos os seus ovos em um só cesto”. Em Yale, os ovos se dividem em cestos como títulos domésticos, ações ordinárias domésticas e estrangeiras e private equity.
Contudo, Swensen ressalta a importância dos meios que levam à diversificação. “Estabelecer um portfólio diversificado pode levar algum tempo, e os resultados podem demorar ainda mais. As pessoas tendem a ser impacientes e a julgar o que acontece em seu portfólio em um horizonte de curto prazo, o que pode gerar um feedback negativo. São necessários de cinco a dez anos de retorno. Eu comecei em 1985, e, em outubro de 1987, houve um grande colapso na bolsa de valores. Fazendo, então, uma análise em um horizonte de dois ou três anos, a diversificação não pareceria uma boa ideia. Mas, agora, olhando 30 anos para trás, a performance foi magnífica.”
No Brasil, a prática do “endowment” ainda engatinha. Seu amadurecimento esbarra na falta de cacife das instituições e na ausência de uma cultura de doações. “O método pressupõe que sejam gastos apenas os juros reais da aplicação”, diz Claudio Haddad, presidente do Insper . “Para gastar R$ 1 milhão, a uma taxa de juros real de 4%, é preciso ter um endowment de R$ 25 milhões. Não é fácil para uma instituição brasileira conseguir esse montante em doações. O modelo de Swensen se aplica quando se está disposto a sacrificar a liquidez, pois o prazo de maturação é longo. É preciso ter um bom capital em caixa para eventualidades.”
Porém, Haddad afirma que “apesar das dificuldades inerentes ao contexto em que estamos inseridos”, caminha-se no sentido de adotar o método no país. O próprio Insper criou em 2004 um sistema de captação de doações usado por entidades sem fins lucrativos e inspirado no das universidades americanas. O dinheiro entra para projetos específicos, como os fundos para bolsistas – hoje são 130 – e para a construção de espaços, como o auditório. Já foram angariados, considerando o dinheiro comprometido mas ainda não efetivamente recebido, R$ 122 milhões.
As doações realizadas por ex-alunos têm aumentado, de acordo com o presidente do instituto. A maioria dos donativos, no entanto, ainda provém de pais de estudantes, principalmente em razão de a escola ser jovem – os primeiros formados são de 2002.
A Escola de Direito de São Paulo da Fundação Getulio Vargas (Direito GV) estabeleceu seu projeto de “endowment” em 2012, por meio de ex-alunos, seus pais e professores. O objetivo, segundo Marina Abreu Ferreira, mãe de uma ex-aluna e vice-presidente da Associação Endowment Direito GV, é “tornar a escola mais acessível às pessoas em condições socioeconômicas desfavoráveis”. A associação é qualificada como Organização da Sociedade Civil de Interesse Público (Oscip). Atualmente, a própria instituição Direito GV concede dez bolsas anuais. As doações obtidas pela associação visam complementar os gastos desses bolsistas com transporte, alimentação, apostilas e livros, o que corresponde a um gasto total de R$ 850 mensais por estudante.
Por enquanto, explica Marina, os donativos são requeridos na medida das despesas dos bolsistas. “Os alunos entram, solicitam as bolsas e, a partir do volume necessário, os potenciais doadores são acionados”. A consolidação dos resultados, diz, vai facilitar a busca por doações mais robustas, batendo à porta de empresas privadas de maior porte, e a partir daí constituir de fato um fundo perpétuo.
Ainda para este ano está prevista uma política de captação mais agressiva, inclusive junto a pessoas jurídicas. “A maioria das empresas já tem definidas suas políticas de responsabilidade social, que não são muito fáceis de mudar”, afirma Marina. Ela lembra que os valores doados podem ser deduzidos do Imposto de Renda devido pelas companhias.
Fonte: Valor Econômico – SP – 14/05/2014