30/05/2022
Alunos do curso de Engenharia de Computação aplicam técnicas acessíveis que ajudam a população a cobrar ações do poder público
Leandro Steiw
Volta e meia aparecem novas sugestões tecnológicas para a despoluição dos rios. Algumas funcionam em determinadas condições, outras não são capazes de reduzir os danos causados pelo homem. Os alunos de Química Tecnológica Ambiental (QTA), do curso de Engenharia de Computação do Insper, sabem que, acima de soluções extravagantes, as respostas passam pela cidadania. Ao mesmo tempo que faz a sua parte para preservar o meio ambiente, a população deve cobrar das autoridades medidas para a requalificação dos rios.
A partir da década de 1930, o poder público intensificou a canalização dos rios da cidade de São Paulo. Mesmo os moradores da capital se surpreendem quando descobrem a existência de 300 a 500 córregos entre os 800 a 1.200 cursos d’água que escoam por todo o município, perfazendo quase 3.000 quilômetros de extensão. A quantidade não é precisa. Rio e córregos estão escondidos sob as grandes avenidas. Becos e terrenos desocupados em áreas de grande adensamento construtivo costumam dissimular a rota da água.
O mesmo espanto acomete os estudantes quando veem, pela primeira vez, o mapa dos córregos paulistanos sobreposto ao concreto e ao asfalto da região da Vila Olímpia, onde está localizada a sede do Insper. “A reação é impressionante”, diz a professora Paulina Achurra. “Falo para eles: damos aos córregos e rios a função de jogar fora o esgoto sem saber o que acontece no caminho. Como ficam feios e malcheirosos, tapamos. Assim, os alunos vão ficando chocados com o relacionamento da sociedade com as águas.”
Esse vínculo hostil entre população e rio não é tão antigo, comprovam os relatos transmitidos aos jovens paulistanos. “Ouvi histórias dos meus avós dizendo que antigamente havia campeonatos de remo lá”, afirma a aluna Luiza Valezim. “Comparar com o rio que temos hoje me faz refletir sobre o quanto nós perdemos em qualidade de vida quando não temos um rio despoluído. Provavelmente, as nossas práticas como sociedade seriam bem diferentes.”
A falta de interação com os rios não permite determinar a condição dramática da poluição. Como o que não é visto não é lembrado, as iniciativas de revitalização foram sendo proteladas década após década. “Enfatizamos muito que esse é um tema cidadão, que nossos governantes só se importam com o que nós nos importamos. Então, nem só como futuros engenheiros, mas como cidadãos, eles precisam ter uma opinião a respeito para votar com conhecimento”, diz Paulina.
A saúde das águas necessita de algo mais do que máquinas recolhendo o lixo ou removendo resíduos da calha dos rios. “Não adianta fazer toda a operação de desassoreamento se não houver uma ação política que impacte no problema”, afirma o aluno Jean Silas. “Você não está focando no problema, está só focando no que dói. E isso não vai resolver a questão. E aí que a gente vê a importância do trabalho da disciplina. Termos argumentos para reclamar e pedir uma solução para as autoridades.”
O colega Fabrício Neri concorda: “Entendi que eu poderia usar o conhecimento que estou tendo aqui na faculdade, e mesmo como um engenheiro de computação, para investigar coisas que são prometidas diariamente para minha vida pessoal mesmo, como cidadão. Se as promessas que são feitas pelos políticos estão realmente sendo cumpridas ou não. E isso ficou muito claro quando eu e meu grupo fomos fazer o trabalho e compreendemos os parâmetros de controle de melhorias do rio e vimos se aquilo que foi prometido estava sendo realmente feito”.
As turmas de QTA monitoram, no rio Pinheiros, a qualidade da água na foz do córrego Uberaba, que passa próximo ao Insper, e do córrego do Sapateiro, que cruza o Parque do Ibirapuera. Os resultados são comparados aos do plano do Novo Rio Pinheiros, que pretende reduzir a quantidade despejada de esgoto até 2023. “Ao longo do tempo, deveríamos conseguir ver uma mudança nos córregos que estamos monitorando e mesmo no rio Pinheiros”, diz a professora.
Por enquanto, os alunos constataram que a qualidade melhorou, porém, não o suficiente. A métrica técnica do plano do Novo Rio Pinheiros determina que a Demanda Bioquímica de Oxigênio (DBO) deve ser menor ou igual a 30 miligramas por litro na chegada dos córregos na foz. “Os pontos em que medimos estão acima dessa taxa, mas já foi pior. Embora não estejamos cumprindo totalmente o objetivo, estamos na direção certa. Percebemos, nitidamente, melhoras no cheiro da amostra, na cor da água”, afirma Paulina.
As medições deste semestre foram feitas no período das chuvas em São Paulo, quando a água dilui o esgoto e joga a favor dos resultados. A próxima turma terá a oportunidade de confrontar com amostras coletadas no inverno, de precipitações menos intensas. É bom ressaltar que se trata de experimentos feitos por estudantes em processo de formação. “Por isso, é interessante eles compararem os resultados de laboratório com dados históricos, porque verificarão quão perto ou longe estão dessas informações anteriores”, diz Paulina.
Uma base de comparação são os monitoramentos feitos pela Companhia Ambiental do Estado de São Paulo nos rios Pinheiros e Tietê por causa do programa Córrego Limpo, que buscou regularizar o esgoto nas comunidades próximas a uma série de córregos tradicionalmente muito poluídos. “A partir das condições dos cursos de água que passam por determinadas áreas, podemos comparar qual é o efeito da política pública quando o saneamento é levado à população”, afirma a professora.
Orientados também pelo professor Robson Raphael Guimarães, os seis grupos foram designados para as pontes das avenidas Cidade Jardim e Jaguaré. A 250 metros ao sul da primeira, está a foz do córrego do Sapateiro. A segunda delimita um dos trechos mais sujos do rio Pinheiros. Em ambas, já haviam sido feitos monitoramentos em anos anteriores. “Então, eles poderiam ver a diferença em diversos pontos do rio”, diz Paulina.
Certos ensaios precisam ser feitos no dia da coleta das amostras. Em campo, mediram-se pH, temperatura e oxigênio dissolvido e iniciou-se o ensaio de coliformes fecais. Uma porção da amostra foi preservada com ácido, possibilitando aos estudantes fazerem, sete dias depois, os demais ensaios em laboratório: demanda bioquímica de oxigênio, nitrogênio, fósforo, turbidez e resíduo total. Todos os parâmetros entram no cálculo do Índice de Qualidade da Água (IQA), que qualifica o rio Pinheiros como classe 4, conforme a resolução Conama 357/2005 — destinado apenas à navegação e à harmonia paisagística.
A aparência desagradável do rio não desfigura as lembranças do trabalho em grupo, como a improvisação de um coletor de amostras porque o original fora levado pelas águas depois do rompimento da corda. Uma lição de otimismo: sempre surge a ocasião para praticar as habilidades inventivas do engenheiro. Indiretamente, a atividade acabou incentivando alguns a aproveitar a ciclovia nas margens do Pinheiros e pedalar até o encontro da turma.
O aluno Fabrício Neri conta que, antes de chegar ao rio para os experimentos, esperava encontrar uma situação muito pior. “Praticamente não tinha cheiro, e a água não aparentava ter tanto lixo quanto eu esperava”, diz. “Mas, quando realizamos os experimentos para verificar como estava a qualidade das águas, mesmo sem o lixo e sem o cheiro tão forte, a água continuava péssima. Na escala que utilizamos para comparar se estava boa, regular, ruim ou péssima, o rio ainda estava na pior.”
Por sua vez, o aluno Jean Silas admirou-se com os ensaios de qualidade da água que podem ser feitos no local e não exigem conhecimentos aprofundados. “Achei muito interessante, porque dá para todo mundo fazer isso, sem precisar de um laboratório. É algo de fácil acesso e poderia até ser um pouco mais espalhado para outras pessoas fazerem parte dessa ação que ajuda a prezar pela nossa água”, afirma. “Usando algumas pílulas que chegavam da própria Fundação SOS Mata Atlântica, medimos a concentração de nitratos e de fósforo, conferimos se havia coliformes fecais ou não. E, a partir disso, conseguíamos calcular o IQA. Aqueles experimentos eram simples o suficiente para agregar mais gente. Foi o que me mais me deixou encantado.”
Segundo a aluna Luiza Valezim, a experiência foi relevante para empregar os aprendizados da disciplina em um contexto atual. “Como nasci em São Paulo, o rio Pinheiros sempre teve bastante presença na minha vida. Poder aplicar os meus conhecimentos para analisá-lo tem uma importância mais do que acadêmica. Além disso, foi muito interessante ter a experiência de coletar a água, calcular a sua qualidade e analisar o seu histórico”, diz. Tal qual milhões de paulistanos, ela alimenta a esperança de, algum dia, avistar o rio limpo, a céu aberto: “Queria tanto ver um riozinho passando aqui ou ali”.