Com a nova política operacional do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), anunciada na semana passada, o mercado de crédito privado e o de capitais tendem a ocupar mais espaço nos financiamentos de longo prazo no país. Em infraestrutura, a percepção é que não faltará dinheiro, pelo menos num horizonte de cinco anos, já que o BNDES assumiu o segmento como prioritário e os bancos comerciais mostram apetite para assumir mais risco nos seus balanços ao repassar recursos da instituição de fomento. A dúvida de especialistas é o tamanho da fatia que esses agentes estão dispostos a assumir ao longo do tempo, considerando-se investimentos não ligados diretamente à infraestrutura.
No cardápio de opções à mão, são as operações de dívida corporativa que aparecem como favoritas. A necessidade de crédito de prazo mais longo no Brasil gira em torno de R$ 200 bilhões ao ano, segundo estimativa do chefe de Project Finance do Banco Espírito Santo (BES), Alan Fernandes. O volume é próximo do total desembolsado pelo BNDES em 2013, de R$ 190,4 bilhões.
No mercado de capitais, considerando-se apenas debêntures, a conta no ano passado alcançou R$ 66,1 bilhões – excluindo emissões relacionadas à atividade de leasing dos bancos. Ou seja, há um enorme buraco a ser coberto. Hoje estima-se que a participação dos desembolsos do BNDES na Formação Bruta de Capital Fixo (FBCF) seja de 15% a 16%.
Com a expectativa de que as liberações do banco caiam para algo em torno de R$ 150 bilhões neste ano, a diferença (R$ 40 bilhões) deveria ser o volume que os bancos privados teriam que assumir. Do contrário, pode haver retração nos investimentos.
Para o diretor da Associação Brasileira das Entidades dos Mercados Financeiro e de Capitais (Anbima), Marcio Guedes, o mercado de capitais tem como assumir papel importante no financiamento desses projetos aos quais o BNDES eventualmente vai reduzir sua exposição. “Estamos falando de uma necessidade marginal de recursos. Tem o mercado de capitais, que vai cobrir uma parte disso, e eventualmente o sistema financeiro pode ter interesse para suprir outra parte. Minha leitura é que dinheiro tem.”
Segundo Guedes, o sistema financeiro nacional é subalavancado, por isso há muito espaço para a concessão de crédito.
Fernandes, do BES, considera que as debêntures podem assumir de 10% a 15% do financiamento de longo prazo. Mas, consertando os entraves, essa proporção pode chegar a 30% em dois anos.
Para isso, o executivo do BES aponta como essencial a mudança na mentalidade do investidor, que precisa olhar de maneira diferente para o risco. Há entraves estruturais como a falta de um mercado secundário que permitisse a venda da debênture antes da data do seu vencimento.
Outra limitação é o alto prêmio que os títulos do Tesouro Nacional atrelados à taxa básica de juros (Selic) pagam ao investidor, o que inibe o interesse em papéis de mais longo prazo. Além disso, conforme lembra o economista da Fundação de Economia e Estatística (FEE) Bruno Paim, o histórico de altas taxas de juros inibiu a criação de um funding privado de longo prazo.
Entraves à parte, especialistas apontam que o financiamento via debêntures tem condições de avançar mais rapidamente do que aquele sustentado exclusivamente pelos bancos privados, mais focados hoje em investimentos de curto prazo.
“A saída para o financiamento será por meio de operações do mercado de capitais com prazos mais longos e com pulverização de risco”, diz Fernandes, referindo-se a distribuições que não almejem apenas o investidor qualificado.
O ex-secretário de política econômica do Ministério da Fazenda Julio Gomes de Almeida sugere que o BNDES ofereça benefícios para qualquer empresa que complemente a busca por recursos no mercado, como o aumento no prazo de pagamento.
No exterior uma saída foi estruturar operações de até cinco anos com bancos privados, seguidas de refinanciamento da dívida por meio da emissão de debêntures depois da comprovação operacional do projeto.
O professor de organização e estratégia do Instituto de Ensino e Pesquisa ( Insper), Sergio Lazarini, defende que o governo já deveria ter aproveitado o cenário favorável do mercado de capitais para reduzir sua presença. “Mas o fez justamente quando o capital privado está mais seletivo”, disse. A recomposição dos juros na economia dos Estados Unidos pode reduzir o fluxo de capitais para países emergentes, e o risco de rebaixamento do grau de investimento do Brasil pode gerar custo mais alto de captação.
Fonte: Valor Econômico – 20/02/2014