22/10/2013
Coerência é resultado da prática
As melhores em gestão de pessoas cumpre mais o que prometem na comunicação
Criar um ambiente de trabalho no qual os funcionários possam produzir mais e com maior satisfação é um conceito quase tão antigo quanto a própria administração de empresas. Os primeiros estudos e experiências neste sentido, que deram origem à chamada Teoria das Relações Humanas, foram capitaneados pelo australiano Elton Mayo, por volta de 1930. Até os dias de hoje, no entanto, as organizações ainda tentam encontrar o delicado equilíbrio entre os diversos fatores que levam ao engajamento de seus quadros, consequentemente, ao alto desempenho.
Todas elas tem um discurso afiado, com uma missão grandiosa, valores nobres e unia grande preocupação com questões sociais e ambientais. A dificuldade é colocar isso em prática no dia a dia, especialmente em momentos de incerteza, turbulência, estagnação ou crise. Este é um dos maiores diferenciais das 35 empresas de destaque na pesquisa “As Melhores na gestão de pessoas”, edição 2013, da Aon Hewitt /Valor Carreira.
A média de engajamento das melhores é de 83% e das demais, de 67%. São companhias que agem de forma mais alinhada ao que pregam e com um olhar atento ao detalhe. Isso significa que elas entendem mais profundamente as metas, os recursos disponíveis, as demandas e as necessidades de seus colaboradores”, afirma Marcelo Borges, vice-presidente-executivo da Aon Hewitt no Brasil.
Um exemplo é que, nas melhores, 73% dos funcionários afirmam que os benefícios oferecidos pela empresa atendem a suas necessidades de sua família, ante 55% nas demais – o que denota pacotes adequados para cada nível da hierarquia corporativa e lima comunicação eficiente a respeito deles. Além disso, 56% dos funcionários das empresas de destaque dizem receber, além do salário, o reconhecimento apropriado por suas realizações. Nas outras, este número ficou em 37%.
Borges ressalta que as representantes desse primeiro grupo têm um plano de carreira mais transparente e consistente. O grande diferencial, contudo, está no aspecto informal da questão. “Trata-se de saber o que cada um faz de melhor e reconhecê-los por isso de forma imediata e rotineira. Não se deve, porém, depender apenas do bom senso do líder, mas criar parâmetros claros e incutir isso na cultura organizacional”, explica.
José Valério Macucci, professor de gestão de pessoas do Insper, afirma que é preciso existir um processo bem estruturado não apenas de avaliação, mas também de gestão de desempenho a partir de objetivos e metas concretas. “A prática será percebida como justa se houver clareza e efetiva participação do funcionário. A credibilidade do gestor também ajuda muito.” O superior imediato, cm sua opinião, deve compartilhar a visão dos resultados a alcançar, orientar na busca desses objetivo apoiar o desenvolvimento, celebrar as conquistas c corrigir os rumos.
Cabe à liderança sênior, por sua vez, definir as diretrizes para o futuro, implementar práticas com enfoque no compromisso das pessoas, assegurar coerência entre discurso e prática e dar o exemplo. Nas 35 melhores, 73% afirmam que o gestor imediato dá o apoio necessário para o sucesso e 66% acreditam que a diretoria e a presidência tratam seus funcionários como os bens mais valiosos da empresa, ante 61% e 46% nas demais.
“A relação de confiança com o chefe é fundamental para que o feedback leve a um aprendizado”, afirma Silvana Mello, diretora da unidade de coaching da LEIHIDBM. Ela se diz otimista em relação à evolução dos líderes empresariais, ainda que nem todos consigam enxergar o impacto que tem sobre os colaboradores – tanto para o bem como para o mal. “Com a pressão por resultado e a carga excessiva de trabalho, muitos acabam focando mais em coisas do que em pessoas. Esse gestor, na maioria das vezes, não consegue engajar suas equipes, pois não sabe como é seu estilo de liderança nem como é percebido pelos outros”, alerta.
Para Borges, da Aon Hewitt, colocar o resultado acima de tudo é uma saída mais fácil para quem comanda, uma vez que engajamento exige tempo, trabalho e energia. “No fim do dia, porém. esse é um investimento que traz retornos muito mais consistentes e duradouros”, diz. Paulo Oliveira concorda. Professor de gestão estratégica de pessoas da BBS Business School e consultor de recursos humanos com experiência nacional e internacional, ele afirma que existe um dilema em boa parte das empresas. Os gestores têm coisas em excesso para fazer, funções demais para desempenhar, e precisam definir prioridades. “É mais confortável, de maneira geral, se concentrar na parte técnica.”
O problema é que este comportamento muitas vezes se opõe à mensagem de que, para a organização, as pessoas são importantes. Ele ressalta que muitas propagam isso, mas a primeira coisa que fazem quando precisam cortar custos é demitir. “Gerenciar pessoas não é cobrar o atingimento de metas, mas desenvolver, treinar e se comunicar com elas”, diz.
Oliveira conta que algumas companhias chegam ao ponto de perder seus talentos para, somente então, reconhecê-los. “Elas esperam o profissional ir para a concorrência e então, o contratam novamente, pagando muito mais que antes. É uma gestão desprovida de senso, de visão, que eleva os custos e que não entende a real importância das pessoas”, enfatiza.
Edson Carli, sócio do grupo GDT, Gestão de Talentos, consultoria especializada em carreira, afirma que essa “esquizofrenia corporativa” é prejudicial para o alto desempenho dos quadros. Em sua opinião, o engajado está ligado ao sentimento primitivo do ser humano de pertencer a algo e acontece mais facilmente quando as pessoas se identificam com a organização e entendem para onde ela está indo. “O nome que vem depois do @ no e-mail corporativo faz de você parte daquele grupo. Desse modo, as características do coletivo são associadas ao indivíduo automaticamente, com peso enorme na motivação.”
O estudo mostra que, nas 35 melhores, 78% dos funcionários disseram que os valores da empresa estão alinhados com os seus. Nas demais, o número lira em 60%. Além disso, 88% dos que atuam nas eleitas dizem que a organização tem uma excelente reputação na comunidade, ante 74% das demais.
O chamado “alinhamento da marca” está diretamente ligado à sensação de respeito e influência de uma empresa tanto externamente, no mercado, quanto internamente, com seus funcionários. “Uma marca de confiança ajudará na percepção de solidez de uma estratégia, assim como uma relação de confiança gera maior sentimento de credibilidade no que ela faz”, afirma Borges.
Um colaborador engajado, segundo ele, fala positivamente sobre a empresa para os colegas de trabalho, potenciais colaboradores e clientes. Além disso, tem o desejo de fazer parte da organização e mostra esforço extra para o sucesso do negócio. Oliveira ressalta, contudo, que para chegar a isso é preciso construir laços afetivos e uma conexão profunda. “Valor não é algo que se escreve, mas uma convicção que se pratica. Existem muitas coisas que estão no site, no quadro de avisos e no jornal interno da empresa, mas não no coração das pessoas.”
Veículo: Valor Econômico
Data: 22/10/2013