28/11/2014
O envolvimento de nove das maiores empreiteiras do país na Operação Lava-Jato, que já levou à prisão mais de 20 executivos, tem potencial para atingir também a carreira de todos os profissionais que fazem parte da cúpula dessas companhias, de acordo com especialistas em recursos humanos ouvidos pelo Valor.
O presidente da empresa de recrutamento executivo Odgers Berndtson, André Freire, diz que até já recebe currículos de executivos das organizações envolvidas, mas acredita que a recolocação desses profissionais se torne mais difícil.
Para Leni Hidalgo, professora dos programas de educação executiva do Insper, se as acusações forem comprovadas haverá grande impacto do ponto de visto ético na carreira de todos os profissionais que fazem parte do alto escalão das empreiteiras e também da Petrobras.
Lava-Jato afeta carreira até de executivos não indiciados
O envolvimento de nove das maiores empreiteiras do país na Operação Lava-Jato já levou à prisão preventiva ou temporária de mais de 20 executivos investigados pela Polícia Federal. De acordo com especialistas em recursos humanos e headhunters ouvidos pelo Valor, o escândalo tem potencial para atingir também a carreira de todos os profissionais que fazem parte do alto escalão dessas companhias.
O presidente da empresa de recrutamento executivo Odgers Berndtson no Brasil, André Freire, diz que já recebe currículos de executivos das organizações envolvidas. Preocupados com a situação e com a desaceleração da economia, comunicam que gostariam de fazer parte do banco de dados da recrutadora. Na opinião de Freire, a tendência é que a recolocação desses profissionais se torne mais difícil. “Quem atua em empresas que lidam muito com contratos públicos no Brasil sabe que sempre existe esse risco.”
Freire afirma que o executivo que não está envolvido no escândalo, mas tem acesso a informações e poder decisório, é mais afetado. “Ele foi conivente. Existe aí um lado ético complicado”. O impacto seria ainda maior junto a empresas multinacionais estrangeiras, que possuem estruturas de governança robustas e podem ficar com receio de contratar um profissional com esse histórico. “É como um carimbo que fica para sempre no currículo.”
Para Leni Hidalgo, professora dos programas de educação executiva da escola de negócios Insper, se as acusações forem comprovadas, haverá grande impacto do ponto de visto ético na carreira de todos os profissionais que fazem parte do alto escalão das empreiteiras e também da Petrobras. “É impossível que decisões sobre montantes tão altos não passem pelo comitê executivo de uma empresa”, diz. Para Leni, se o profissional alegar que não tinha conhecimento, ele compromete sua competência.
Rafael Souto, sócio-fundador e CEO da Produtive Carreira e Conexões com o Mercado, ressalta que o tamanho do estrago na carreira vai depender do nível do cargo dos profissionais e que é cada vez maior a transferência de reputação da empresa para o próprio executivo.
Segundo ele, embora o mercado saiba diferenciar esse grau de responsabilidade, até mesmo aqueles que ocupam posições intermediárias nessas companhias precisarão se explicar em futuros processos seletivos. “O mercado é mais cruel que a Justiça. Legalmente, os executivos dessas empresas podem se defender, dar explicações e até serem absolvidos. Muitos headhunters e empresas, porém, não vão querer ouvir o que eles têm a dizer. Se desconfiam de algo, não vão correr o risco”, diz.
Para outro profissional do setor de recrutamento de altos executivos que prefere não se identificar, a situação é “um arranhão importante na carreira”, que pode atrapalhar o reposicionamento em outras empresas. “Qualquer executivo tem como marca pessoal uma associação do seu nome e da marca da companhia. Isso vale para o bem ou para o mal”, diz.
Ele, no entanto, não considera que o dano seja tão grave para quem não está diretamente ligado ao escândalo. Em sua visão, o caso é relevante, mas não surpreendente. “Presume-se há muito tempo que essas empresas operam de maneira não ortodoxa. Quem recruta pessoas sabe que os tomadores de decisão estão cientes de tudo”, diz.
Para Magui Castro, sócia da empresa de recrutamento executivo CTPartners, o fato de trabalhar na empresa denunciada não atrapalha o futuro de um profissional que não esteja diretamente ligado ao escândalo. “Há pessoas boas e ruins em todos os lugares. É preciso passar o pente fino, como de costume”.
O processo de checagem da consultoria ao sondar um profissional para uma vaga envolve conversar com referências em diversos níveis, como chefes, pares e subordinados. É nessas horas que se descobrem os “pequenos escândalos ocultos”, que Magui considera tão ou mais importantes que os estampados nas capas dos jornais. “As pessoas contam, e isso entra na ficha do profissional.”
A sócia-fundadora da consultoria de carreira Career Center, Karin Parodi, afirma que profissionais vindos das empresas envolvidas serão questionados no mercado sobre a decisão de aceitar trabalhar ou permanecer em uma empresa “de imagem duvidosa”. “O currículo pode não ficar manchado, mas o profissional terá que ter muita energia, resiliência e paciência para explicar que não estava envolvido no caso nem sendo conivente.”
A melhor forma de agir ao se encontrar nessa situação, contudo, é não tomar decisões precipitadas. “Sair no momento do escândalo ou logo em seguida pode levantar dúvidas”, diz Karin. Quando o executivo percebe práticas pouco éticas antes de elas serem descobertas, porém, a sugestão da consultora é procurar algo novo. “É essencial pesquisar e avaliar as práticas antes de ingressar em uma organização.”
Souto, da Produtive, afirma que quando o profissional perde a confiança na empresa onde trabalha – e consegue explicar e comunicar a situação ao mercado -, a melhor solução é se movimentar em busca de outras oportunidades. “Em algumas empresas, os presidentes e vice-presidentes foram indiciados e presos. Como você vai ficar em uma empresa se não pode confiar no presidente?”, questiona.
O impacto do escândalo na marca da empresa como empregadora é muito grande, e os especialistas concordam que as companhias devem ter mais dificuldades para conseguir recrutar executivos qualificados no futuro. “Quem tem alta empregabilidade e pode escolher onde trabalhar vai pensar duas vezes antes de aceitar uma oferta de uma dessas companhias”, diz Souto.
Já a carreira dos próprios envolvidos na Operação Lava-Jato deve sofrer um baque permanente, segundo os consultores. “Um reposicionamento é praticamente impossível”, diz o executivo do setor de recrutamento que preferiu não se identificar. “É uma mancha que fica em um Brasil que quer mudar”, diz.
Ele não vê possibilidade deles arranjarem trabalho nem como consultores de gestão – plano B mais tradicional de executivos -, por ser uma área em que a marca pessoal conta bastante. “Eles terão que pensar em um negócio em que seu nome não esteja no cartão de visitas”, diz. Souto, da Produtive, concorda que a saída mais provável seja abrir um negócio próprio. “Ou se recolocar em empresas de amigos e familiares, que possam entender o ponto de vista desse executivo e dar uma chance”, diz.
Fonte: Valor Econômico – 20/11/2014.