10/08/2015
Texto de matéria: Capitalismo de compadrio
Usar o dinheiro do contribuinte para subsidiar grandes empresas não funciona. Até o BNDES reconhece que a política de campeões nacionais é um fiasco Samantha Lima Em 2007, o Produto Interno Bruto (PIB) do Brasil, embalado pela expansão da economia global puxada pela China, cresceu 6%.
Enquanto os países mais desenvolvidos do mundo viviam os primeiros dias da grande crise financeira internacional, que desembocou na quebra do Lehman Brothers no ano seguinte, o governo Lula, no auge da euforia com o modelo de capitalismo de Estado, fazia grandes planos de conquista dos mercados globais. Sob a batuta de economistas da linha desenvolvimentista, os recursos do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) passaram a ser usados para a criação de “campeões nacionais”: grandes empresas com musculatura para se tornarem líderes globais, financiadas com empréstimos com juros subsidiados pelos brasileiros ou com a injeção de recursos na compra de ações em operações de fusões e aquisições. A inspiração da política de campeões nacionais era a Coreia do Sul, que nos anos 1960 forjou grandes conglomerados globais, como a Samsung e a Hyundai. Era outra era, mas o governo Lula não levou isso em conta. Liberou bilhões do BNDES para empresas como o frigorífico JBS, a telefônica Oi, a fábrica de celulose Fibria e o gigante de alimentos BRF. A torneirinha jorrou com recursos do Fundo de Amparo ao Trabalhador (FAT) e do Tesouro Nacional (desde 2009, só do Tesouro, foram transferidos R$ 431 bilhões para o BNDES). Em 2013, em meio à deterioração das contas públicas nacionais, à falta de resultados robustos e ao aumento das críticas de que a política de campeões nacionais criava, na verdade, um capitalismo de compadrio, com a destinação de dinheiro barato para algumas empresas eleitas, o presidente do BNDES, Luciano Coutinho, decretou seu encerramento. Alegou, na ocasião, que os “objetivos tinham sido atingidos”. Neste ano, com a posse em janeiro do ministro da Fazenda, Joaquim Levy, o ajuste fiscal secou a fonte de transferências do Tesouro para o BNDES (um repasse de R$ 30 bilhões, em abril, só foi liberado por ter sido autorizado em dezembro passado, quando Levy não assumira). Mas só agora, com o primeiro Relatório de Efetividade do BNDES, publicado, sem alarde, no mês passado, o banco reconhece que a política de apoio às grandes indústrias – entre elas, os “campeões nacionais” – não proporcionou os resultados esperados. A avaliação ocupa apenas oito das 115 páginas do relatório, que reúne análises de várias linhas de apoio e projetos do banco entre 2007 e 2014. Ao investigar os resultados dos apoios a grandes indústrias, entre 2007 e 2011 (período em que o banco ampliou consideravelmente seu orçamento para empréstimos), os técnicos concluíram que “não há evidências” de que a política proporcionou ganhos em produtividade, participação de valor adicionado na produção industrial e exportações – justamente os indicadores mais importantes para aferir a criação de uma empresa – com liderança global. Segundo o relatório, houve ganhos em contratações de mão de obra, investimentos e valor adicionado em termos absolutos. O estudo concentrou-se em indústrias com receita superior a R$ 90 milhões por ano, dividindo-as entre as apoiadas e as não apoiadas, e analisou a evolução dos seis indicadores. O BNDES diz que o relatório não pode ser lido como uma admissão de fracasso da política de apoio a grandes empresas. “É ingênuo e tecnicamente equivocado inferir que esse apoio não trouxe impacto. O que precisamos é investigar melhor a efetividade desse apoio. Nosso objetivo com a análise é apenas monitorar, e sua publicação visa permitir aprofundar o debate”, afirma Cláudio Leal, superintendente de planejamento do banco. Mas, para analistas independentes, o diagnóstico de fiasco é claro. “Nem os investimentos nem a produtividade cresceram. Basicamente, foi dinheiro jogado no lixo”, diz o economista Marco Bonomo, professor do Insper, escola de economia e negócios de São Paulo. Para o economista Cláudio Frischtak, da InterB Consultoria de Negócios, bilhões foram gastos em setores que não necessariamente tinham potencial de trazer benefícios ao país. “A maior parte dos projetos financiados pelo banco não observou o critério de trazer o máximo de benefícios para o país. Os dados mostram que esses investimentos não fizeram a diferença”, diz Frischtak. Apesar de, como mostra o documento, o BNDES ter aumentado as operações com empresas de menor porte, o alvo preferencial do apoio do banco continua a ser grandes empresas, que levaram 68% dos R$ 187 bilhões desembolsados em 2014. O relatório corrobora assim a velha crítica de que o BNDES contribui para distorcer o setor de crédito ao dar prioridade às empresas grandes, que têm mais facilidades para ter acesso a dinheiro barato junto aos bancos privados ou no exterior. Entre os agraciados com financiamentos do BNDES está a Petrobras, que recebeu R$ 30 bilhões, só em verba do Tesouro. A refinaria de Abreu e Lima, alvo da Operação Lava Jato por suspeita de superfaturamento em contratos, foi um dos projetos beneficiados com esse dinheiro. A estatal não tem dificuldade de levantar recursos. Em junho, mesmo em crise, conseguiu captar financiamentos no exterior com boas taxas de juros. “Essas empresas teriam condições de manter os investimentos independentemente do dinheiro do BNDES. Para o banco, é bom emprestar para as grandes, porque são boas pagadoras”, diz o economista Sérgio Lazzarini, professor do Insper. O relatório é uma boa razão para enterrar ilusões de que políticas voluntaristas de criação de campeões nacionais podem servir como um atalho para o Brasil conquistar espaço no cenário global. “Mais do que de campeões nacionais, o crescimento da Coreia veio do forte investimento em educação e da cobrança de metas das empresas apoiadas por dinheiro público”, diz Lazzarini. É preciso persistir na busca de ganhos de produtividade. E, antes de abrir a torneira do dinheiro público, é preciso ter critério e realismo na escolha das empresas beneficiadas com financiamento mais barato. Fonte: Revista Época – 20/07/2015 |