30/09/2014
Com desembolsos médios de R$ 160 bilhões ao ano desde 2009, o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) tem se tornado instrumento de política pública com peso cada vez maior. E vem sendo alvo de críticas da oposição no governo PT. A mais recorrente é sobre o volume de repasses do Tesouro Nacional ao banco, que já ultrapassa R$ 400 bilhões. Outra critica é quanto ao volume de subsídios que, segundo cálculos de economistas, custam R$ 30 bilhões aos cofres públicos por ano. Há também os que alertam para a predominância do BNDES no mercado de crédito de longo prazo.
Apesar das críticas, são poucas as propostas concretas dos candidatos em torno do perfil de atuação do BNDES. O Valor procurou economistas ligados às campanhas presidenciais para saber as prioridades para o banco no cenário pós-eleição. Se a oposição vencer, há expectativa de mudança de posicionamento do banco. Mas no caso de Marina Silva (PSB) os caminhos ainda não são claros. O pesquisador da UFRJ, Fernando José Cardim de Carvalho, acredita que uma administração do PSB não mudará “dramaticamente” a atuação do banco. Uma mudança brusca, segundo ele, pode gerar crise com o partido. Para Carvalho, é o PSDB de Aécio Neves quem teria mais fôlego político para promover mudança mais ampla na política de atuação do BNDES. “No caso do Aécio, a resposta seria mais simples. O banco exibiu estratégia razoavelmente definida durante os governos de Fernando Henrique Cardoso, e não tem porque a mesma equipe pensar diferente agora”, avalia.
O economista do Insper, Marcos Bonomo, que contribuiu para o programa de Marina, afirma que é preciso aumentar o retorno social dos financiamentos do banco. Ele apoia maior transparência. Chamou o BNDES de “caixa preta”. Bonomo é a favor do detalhamento dos empréstimos, pois lembrou que grande parte é subsidiado. E vê necessidade de estudo aprofundado sobre o banco para detalhar melhor a estratégia a ser adotada.
Para o economista, o BNDES não deve financiar quem tem contrapartida no mercado de crédito privado. “O banco deveria estimular o mercado, ao invés de competir ou inibi-lo”, disse.
Segundo Bonomo, o atual governo explora a catástrofe. “Por isso o PT defende ideia de que se o estímulo for retirado, ou a participação do banco for reduzida, os investimentos vão cair. Não vamos ficar no imobilismo”, diz. Ele não define estratégia, mas afirma que o papel do BNDES deve ser redesenhado com cuidado, em transição lenta.
Samuel Pessôa, colaborador do programa de Aécio Neves, vê “enorme exagero” no repasse de recursos do Tesouro para compor o orçamento do banco. E propõe mudança na Taxa de Juros de Longo Prazo (TJLP), hoje em 5%. Avalia que não é prático um banco de fomento funcionar com taxa que não evolui de acordo com a atividade econômica. Pessôa defende TJLP flutuante. E comentou, ainda, que o BNDES na gestão tucana focaria em projetos infraestrutura e no incentivo a pesquisa e desenvolvimento e à inovação.
Por sua vez, é consenso entre especialistas que a trajetória do banco deve ficar praticamente inalterada em caso da permanência do PT no governo.
Marcio Pochmann, colaborador da campanha de Dilma, afirma que a atuação do banco, nos últimos 12 anos, retomou os princípios pelos quais foi criado. E se consolidou como instrumento de financiamento nacional. “Compromisso interrompido na década de 90, quando o banco assumiu papel menor de ajudar nas privatizações”, critica.
Segundo ele, a TJLP deve ser mantida no patamar atual. E afirma que o BNDES é um banco de financiamento de médio e longo prazo para o país. “Se o BNDES perde esta característica, perde a razão de existir”. E afirma que o BNDES fez movimentos importantes na gestão petista. Ajudou a desenvolver microempreendedores e fortaleceu empresas.
Sobre os constantes repasses do Tesouro para compor o orçamento do BNDES, o economista comentou que foram necessários. E citou encolhimento na oferta de crédito privado após a crise internacional de 2008. “Não se tentou substituir o setor privado, mas cumprir tarefas quando a iniciativa privada não pôde nos últimos 12 anos”, disse. E admitiu que o esforço do BNDES em suprir lacunas pode ser reduzido na medida que haja fortalecimento do sistema financeiro.
Nas últimas décadas é possível observar as mudanças ocorridas na gestão do banco. Criado em 1952, o BNDES tinha função de financiar infraestrutura. Inicialmente as prioridades eram energia elétrica , rodovias e infraestrutura. Nos anos 60, o banco direcionou a atenção à siderurgia. Já na década de 70, após a primeira crise do petróleo, o crédito do BNDES voltou-se para indústria, principalmente de bens de capital e petroquímica.
A partir dessa época, o banco de fomento adotou espécie de tripé na organização de seus financiamentos. “O investidor estrangeiro trazia a tecnologia, o Estado – via BNDES – entrava com o financiamento, a iniciativa privada assumia [o projeto] e virava um produtor nacional”, explicou Armando Castelar, ex-chefe de departamento econômico do BNDES e coordenador de economia aplicada do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Gertulio Vargas (Ibre/FGV).
Castelar observou que ao longo da década de 80 as prioridades começaram a mudar. A situação fiscal ficou mais complicada, e houve expansão de contas públicas de Estados e municípios.
O governo tentou segurar gastos, além de colocar, progressivamente, restrições aos financiamentos dos bancos públicos.
“No início dos anos 80, várias empresas que o BNDES financiava quebraram. E o banco virou dono destas”, disse Castelar. Foi dado o primeiro passo para a participação nas privatizações. Com o crescimento das privatizações, o BNDES passou a ter mais facilidade de emprestar para empresas privadas.
Foi nos anos 90 que o banco começou a direcionar recursos para exportações. No passado mais recente, Castelar lembrou que o BNDES voltou-se para empréstimos a projetos que auxiliassem na formação de “campeões nacionais”, capazes de competir internacionalmente. Hoje as prioridades são investimentos em infraestrutura, logística, inovação e mobilidade urbana e social.
Fonte: Valor Econômico – 26/09/2014.