10/09/2013
O colapso dos Estados Unidos, iniciado a partir da quebra do centenário banco de investimento Lehman Brothers, em 15 de setembro de 2008, exigiu do governo da maior economia do planeta um esforço de resgate sem precedentes. Cinco anos e mais de US$4 trilhões em gastos públicos depois, o desemprego continua sendo o resultado mais amargo da crise iniciada com o estouro da bolha imobiliária fomentada pelo governo George W. Bush.
Apesar de a taxa básica de juros norte-americana continuar próxima de zero e de o Federal Reserve (Fed), o banco central dos EUA, despejar US$ 85 bilhões todos os meses na economia, do Brookings Institution indicam que será preciso criar mais 2 milhão de postos de trabalho para que o país volte aos tempos pré-crise. Em janeiro de 2008, havia 138 milhões de pessoas empregadas. Em fevereiro de 2010, 8 milhões de vagas já tinham sido fechadas, e o número de postos caiu para 129,3 milhões, com a taxa de desocupação superando os 10%. No mês passado, o total de empregados voltou a 136 milhões.
Para recuperar o pleno emprego vigente até o início do primeiro mandato de Bush, em 2001, os EUA terão, contudo, de abrir entre 7 milhões e 7,5 milhões de vagas, algo que os economistas veem como uma missão quase impossível neste momento, pois a retomada do crescimento econômico ainda está longe de ser considerada consistente.
Os EUA começaram 2012, último ano do primeiro mandato de Barack Obama, com desemprego em 8,5%. De lá para cá, o declínio vem ocorrendo de forma lenta, atingindo, agora, 7,3%. Não foi por acaso que os números do mercado de trabalho ficaram no centro do debate da campanha da reeleição do presidente norte-americano, cuja política econômica é duramente criticada pela oposição republicana.
Meia década depois do estouro da bolha imobiliária, os EUA ainda lambem a ferida da maior crise desde 1929. E, ainda que saída definitiva do atoleiro¹ seja mais um desejo do que realidade, a economia norte-americana novamente movimenta o planeta. O desmonte das políticas de estímulos dadas pelo FED provocou uma mudança no fluxo de capitais no globo, a ponto de engolfar os mercados emergentes e levantar o debate se essas economias seriam “a bola da vez”.
Muitos dos países em desenvolvimento estão em situação de vulnerabilidade e não teriam como suportar a fuga maciça de recursos. Dados do Fundo Monetário Internacional (FMI) mostram que, em 2008, essas nações receberam fluxo líquido de investimentos de US$ 1,1 trilhão, mais do que o dobro dos US$ 470 bilhões que seriam esperados se não houvesse os estímulos adotados pelo Fed e pelos bancos centrais da Europa e do Japão.
Crítico feroz do livre trânsito de capitais, o economista Luiz Gonzaga Belluzzo, professor da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) e um dos principais conselheiros da presidente Dilma Rousseff, afirma que o mundo está “pagando caro por uma política econômica equivocada”, particularmente no quesito oferta de empregos, uma vez que, em vários países europeus, quase um quarto da População Economicamente Ativa (PEA) está sem trabalho.
Consumo
Na avaliação de Beluzzo, a encrenca² criada pelo sistema financeiro dos EUA está longe de ser desarmada, porque os orçamentos das principais economias do planeta não estão voltados para o aumento da demanda doméstica e do parque industrial. A prioridade ainda é preservar um sistema financeiro frágil, que se empanturrou de títulos referentes aos sub-primes, créditos da casa própria de péssima qualidade, que pagavam juros extraordinários em um mundo de taxas mínimas.
O estouro da bolha imobiliária dos EUA começou a se evidenciar em março de 2008, quando o banco Bear Stearns foi arrematado pelo JP Morgan. Essa operação, por sinal, teve o aval do Fed, o que estimulou, entre os especialistas, a visão de que outras instituições em dificuldade também seriam resgatadas. No caso específico do Lehman, o ditado prevalecente à época, do “muito grande para quebrar”, não vingou.
Tanto o governo Bush quanto as autoridades inglesas se recusaram a dar o aval para a compra do Lehman pelo Barclays, que assumiria um buraco aproximado de US$ 620 bilhões. Com o Lehman, ruiu o sistema hipotecário norte-americano, que, à época, totalizava US$ 14 trilhões, quase implodindo a Zona do Euro, que só agora começa a sair da recessão.
Roberto Piscitelli, professor da Universidade de Brasília (UnB), duvida que os abalos históricos dos mercados globais tenham chegado ao fim. Para ele, as atuais turbulências são consequências de problemas estruturais. Sem controles rígidos para os fluxos de capitais e para a “criatividade” das instituições bancárias, as crises econômicas serão cada vez mais frequentes e prolongadas.
Travessia chinesa
A dificuldade para os mercados dos Estados Unidos e da Europa voltarem aos melhores dias, em razão dos efeitos da crise iniciada em 2008, tornou mais estratégicas as relações comerciais do Brasil com a China. Para especialistas ouvidos pelo Correio, a travessia iniciada neste ano pela segunda maior economia do mundo rumo a um novo modelo de desenvolvimento – com ênfase no consumo doméstico e na menor dependência da espetacular máquina exportadora – desafia o mundo, sobretudo os brasileiros.
Mauro Rochlin, professor de economia do Instituto Brasileiro de Mercado de Capitais do Rio de Janeiro (Ibmec-RJ), calcula que, se a média de crescimento dos 10 últimos anos se mantiver, a China alcançará o Brasil até o fim da década em patamar de renda media. Para isso o PIB da China dobrará, enquanto o do Brasil será só 50% maior. Ele lamenta que a expansão acelerada da economia nacional de 1930 a 1980, de 6% em média, não se repetiu justamente quando a China disparou. “Enquanto o Brasil privilegiou o consumo. a China focou em investimento e no mercado externo”, frisa.
O professor Fernando Nogueira da Costa, do Instituto de Economia da Unicamp, defende que a diferença de dimensão entre as populações dos dois países interfere na forma como eles competem globalmente. O 1,4 bilhão de chineses – número sete vezes maior que o de brasileiros e marca a ser batida só pela Índia – representa um estímulo ímpar à estrutura industrial. Apesar de o Brasil ter o quinto maior mercado consumidor do planeta, está longe da capacidade chinesa para atrair capital produtivo. “A China virou a fábrica do mundo e o Brasil, a fazenda”, resume.
Renda
Dados do Banco Mundial (Bird) mostram que a renda per capita chinesa atingiu 54% da brasileira em 2012. Porém, o ganho médio pessoal do país oriental correspondeu a 78% do brasileiro no ano passado, se considerada a paridade de poder de compra. “Como o custo de vida lá é menor que aqui, a China aumenta a sua renda em termos relativos”, sublinha Fernando Veloso, da Fundação Getúlio Vargas (FGV-SP). “O mercado brasileiro só tem a ganhar se compreender melhor a demanda chinesa”, acrescenta Paul Liu, diretor da Fortune Consulting.
Uma tonelada chinesa exportada ao Brasil vale US$ 3 mil, enquanto, na mão inversa, é de US$ 170. “Isso explica por que o Brasil tem dificuldades em aumentar a renda média de suas famílias”, resume Marcos Troyjo, diretor do BRICLab, da Columbia University, de Nova York (SR)
US$ 18 trilhões desperdiçados
O socorro histórico dos bancos centrais para sustentar a sistema financeiro mundial desde 2008, além dos custos sociais decorrentes, acumulou uma conta estimada em US$ 18 trilhões, conforme cálculos da ONU. Esse dinheiro, no entender dos analistas, poderia estar melhorando as condições sociais da população.
Os recursos públicos empenhados nessa empreitada fizeram com que apenas nos EUA o endividamento do governo saltasse de 2007 a 2013, de 66,5% para 108,1% do Produto Interno Bruto (PIB). Eleito em 2009, no auge da crise, o presidente norte-americano, Barack Obama, deu continuidade ao suporte financeiro e ao uso de impostos pagos pelos cidadãos e pelas empresas. As injeções de capital em bancos, imobiliárias e até em montadoras de automóveis impediram uma recessão global mais prolongada.
Mas a crise que arrastou o mundo a partir da falência do banco Lehman Brothers, em 15 de setembro de 2008, e pôs fim à “exuberância irracional” dos mercados – expressão criada pelo ex-presidente do Federal Reserve (Fed), o banco central dos EUA, Alan Greenspan -, levou a uma catástrofe cujos danos só serão sanados em 20 anos.
Antes de chegar ao quadro atual, uma onda de prosperidade varreu o planeta, impulsionando, sobretudo, os países emergentes. “É bom lembrar que a China cresceu 14% em 2007, ritmo que descerá este ano para 7,5%”, observou Marcelo Moura, professor do Insper. Ele explica que, cinco anos após o colapso, muitas ilusões construídas continuam sendo desmontadas.
Uma prova disso é a redução à metade das taxas de expansão dos emergentes e a busca por um novo modelo de crescimento. “A exemplo de Eike Batista, o sucesso do Brasil vendido e comprado pelo mundo foi forjado em belas apresentações de power point. Tanto o país quanto o empresário não conseguiram entregar aquilo que prometeram”, diz. (SR)
¹ Atos de desespero
Depois da quebra do Lehman Brothers, o governo dos EUA percebeu o quanto havia errado ao não socorrer a instituição. Tanto que, dias depois, pediu apoio ao Congresso para a aprovação de um pacote de US$ 700 bilhões para a compra de ativos tóxicos que estavam no sistema financeiro, arrematou 40% das ações do Citigroup e facilitou a aquisição da Merrill Lynch pelo Banco of America e do Wachovia pelo Wells Fargo.
² Alerta do FMI
O Fundo Monetário Internacional (FMI) não esconde a preocupação com a forma como os Estados Unidos reduzirão os estímulos dados à economia desde o estouro da bolha imobiliária de 2008. No entender da instituição, as mudanças a serem implementadas pelo Federal Reserve devem ser feitas cuidadosamente, para evitar novos desequilíbrios. “O crescimento mundial permanece fraco, e os riscos para a estabilidade e volatilidade de mercado persistem”, diz a diretora do organismo, Christine Lagarde.
Fonte: Correio Braziliense – DF
Data: 09/09/2013