13/10/2014
O Produto Interno Bruto (PIB) do Brasil caiu 0,6% no segundo trimestre do ano em comparação com os três meses anteriores, conforme dados publicados em 29 de agosto pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), órgão do governo federal. A maior economia da América Latina também recuou 0,2% entre janeiro e março, entrando no que os economistas chamam de recessão técnica (ou seja, dois trimestres consecutivos de queda na atividade econômica).
A queda de 0,6% no PIB é pior do que o esperado pelos mercados financeiros internacionais. Os 47 analistas consultados em uma pesquisa da agência de notícias Reuters esperavam uma queda média de 0,4%. Além disso, é a primeira vez que o país entra em recessão técnica desde fins de 2008, em plena crise financeira mundial.
Os dados do IBGE mostraram que o investimento no Brasil caiu 5,3% no segundo trimestre em comparação com os três meses anteriores. É o pior número desse indicador desde princípios de 2009. O setor industrial também sofreu sua quarta queda consecutiva na comparação trimestral com uma queda de 1,5%.
Um dos motivos disso talvez se deva à Copa do Mundo de Futebol, realizada nos meses de junho e julho no Brasil, o que provocou uma desaceleração na atividade de muitas empresas e no comércio varejista, já que as cidades declararam feriados os dias de jogos para evitar grandes congestionamentos no trânsito. Contudo, os economistas acreditam que os problemas do Brasil vão mais além do que qualquer evento pontual.
Razões da queda
Para Rodrigo Ventura, mentor universitário no Insper, São Paulo, e vice-presidente de vendas no Brasil e na China da empresa de software Sistran, há causas internacionais e domésticas para o recuo da economia brasileira. Entre elas, o especialista em mercados emergentes cita a diminuição do crescimento chinês (principal parceiro econômico do Brasil), a política monetária menos expansionista dos EUA (segundo maior parceiro comercial do Brasil) e o default da Argentina com desdobramentos por toda a América Latina. Do ponto de vista interno, Ventura culpa a política macroeconômica tortuosa do governo, que permitiu à inflação superar a meta de 6,5%.
De igual modo, Anita Kon, professora de economia da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP), chama a atenção para as políticas postas em prática pela presidente Dilma Rousseff . “A busca da estabilidade dos preços, juntamente com o baixo nível interno de poupança que caracteriza a economia brasileira, resultou na manutenção das taxas de juros em patamares muito altos para conter a inflação e atrair o capital estrangeiro e assim equilibrar a balança de pagamentos. Com a supervalorização da taxa de câmbio pelo governo, as exportações foram caindo e a situação da balança comercial deteriorou-se”, explica Kon.
Por outro lado, a professora assinala que para estimular a atividade econômica, o governo tomou medidas importantes de incentivo ao consumo pelos cidadãos através da concessão de créditos e isenções fiscais para alguns produtos. Essa política, diz Kon, “provocou o endividamento elevado dos cidadãos e o esgotamento da capacidade de consumo em relação aos ajustes salariais, o que culminou com um aumento considerável da insolvência”.
Por fim, Kon ressalta que, para as empresas, as altas taxas de juros e a política de taxa de câmbio desfavorável para as exportações “frearam os investimentos, bloqueando o aumento da produtividade e sufocando a melhora da competitividade internacional como consequência de perspectivas incertas”.
Eleições decisivas
A entrada da economia em recessão se dá num momento que se acredita fundamental para o futuro do país: as eleições presidenciais do próximo dia 5 de outubro. Os dados macroeconômicos ruins e as críticas que vêm recebendo dos economistas deixam as coisas muito difíceis para Dilma Rousseff, candidata à reeleição pelo Partido dos Trabalhadores (PT). Por outro lado, a presidente não teve muito sucesso em sua aproximação com os protagonistas das imensas manifestações que ganharam as ruas brasileiras em junho de 2013 e que protestavam, entre outras coisas, contra a corrupção política e os gastos públicos exorbitantes com os eventos esportivos realizados no país, como a Copa do Mundo e os Jogos Olímpicos de 2016.
Anita Kon diz que “o cenário das urnas para as próximas eleições, que antes indicava uma tendência à reeleição da atual presidente no primeiro turno (com a maioria dos votos válidos), mudou consideravelmente com a piora das condições econômicas do país”. Kon acrescenta que as últimas pesquisas já mostram evidências de que haverá um segundo turno “entre a atual presidente e um dos candidatos da oposição (Marina Silva ou Aécio Neves), que criticam os resultados da política econômica atual e propõem reformas”.
As pesquisas de intenção de voto indicam que a candidata e ecologista Marina Silva, do Partido Social Brasileiro (PSB), ganharia as eleições presidenciais em caso de segundo turno. O tempo e a campanha desfarão as incertezas em relação ao resultado final, porém os especialistas não têm dúvidas de que as próximas eleições estarão polarizadas em torno das duas candidatas e que a vitória, qualquer que seja, será bastante apertada.
Tanto Marina Silva, quanto Aécio Neves, outro candidato importante filiado ao Partido da Social Democracia Brasileira (PSDB), atacaram Dilma Rousseff com argumentos econômicos. Ambos criticaram a presidente pela forma como administrou a inflação e por, supostamente, arruinar o impulso econômico que o país havia experimentado na última década. A economia brasileira cresceu, em média, 4% durante o governo do antecessor de Dilma Rousseff, Luiz Inácio Lula da Silva, entre 2003 e 2010. Já no governo de Dilma Rousseff, a média de crescimento foi inferior a 2%.
Felipe Monteiro, professor do INSEAD e pesquisador do Instituto Mack de Gestão de Inovação da Wharton [Mack Institute for Innovation Management], acredita que desde o início do ano os investimentos estagnaram no Brasil. “Os investidores não querem tomar decisões neste momento. Isto não quer dizer que não desejem mais fazer negócios no Brasil, e sim que a incerteza que ronda a economia é grande e por isso preferem esperar para ver o que acontece nas eleições e nos próximos meses antes de movimentar seu capital”, diz Monteiro, sublinhando a importância das eleições presidenciais para a atividade econômica. Ele diz que, atualmente, há problemas estruturais no modelo de crescimento, “que nos últimos anos se baseou simplesmente no consumo e no crédito”. É por isso que, com a proximidade das eleições, “os investidores têm grandes expectativas de que ocorram mudanças importantes no país”. Para Monteiro, não há dúvidas de que aquilo que os mercados internacionais esperam do Brasil são “reformas estruturais de grande porte”.
Reformas estruturais
Para Felipe Monteiro, não importa quem vencerá as eleições, o fundamental é que as decisões tomadas sejam suficientemente drásticas para que o país volte a ganhar a confiança dos investidores internacionais. Monteiro cita três grandes reformas imprescindíveis para o Brasil no momento atual. “É preciso que haja uma maior flexibilização do mercado de trabalho, uma mudança tributária significativa para simplificar o sistema de pagamento de impostos atual, que é muito complicado, bem como uma reforma substancial na infraestrutura como, por exemplo, a privatização dos portos”, diz.
Anita Kon acredita que a recessão seja algo pontual, embora a economia só deva se recuperar a médio e a longo prazos. “Talvez no segundo semestre de 2015″, observa, contanto que depois das eleições se tomem as medidas econômicas de que o país necessita. Essa recuperação, adverte a professora, só ocorrerá no mandato presidencial que começará em 2015 “desde que as prioridades atuais da política econômica mudem e sejam abandonadas as medidas específicas usadas para a correção de problemas econômicos isolados substituindo-as por uma visão geral de planejamento centrada ao mesmo tempo nas fragilidades macro e microeconômicas, não esquecendo ainda os problemas estruturais que impedem o crescimento”.
Nesse sentido, Kon acredita que são “indispensáveis” a reforma tributária, trabalhista, política e jurídica, a construção de infraestruturas logísticas e a introdução de uma política industrial que permita a retomada do crescimento da produtividade e melhore a capacidade de integração com o mercado internacional.
“Não importa quem seja o próximo presidente, o fato é que 2015 será um ano difícil e de ajustes”, prevê Rodrigo Ventura. “Será preciso tomar medidas econômicas de peso, porém impopulares, que poderiam ter sido tomadas este ano, mas que foram adiadas por causa das eleições. No entanto, devemos ser otimistas. Apesar dos problemas, creio que os fundamentos da economia brasileira são bons. Se os ajustes forem feitos, será possível chegar a um crescimento de 4% em 2018″, conclui.
Fonte: Knowledge@Wharton – 12/09/2014