Nos últimos anos, o Brasil parece destinado a reverter os avanços conquistados a partir da década de 1990. O retrocesso fiscal talvez seja a face mais óbvia, e grave, desse processo. Mas, infelizmente, existem diversos outros exemplos. As intervenções microeconômicas, como no setor elétrico, no preço da gasolina e nas regras de conteúdo nacional prejudicaram a produtividade e diversas empresas brasileiras, sobretudo, mas não somente, a Petrobras.
As tentativas de estimular a economia por meio de recursos públicos e dos fundos com controle do governo, como FAT e FGTS, foram ineficazes e resultaram em crescentes desequilíbrios, que, provavelmente, terão que ser cobertos pelo Tesouro, agravando ainda mais o quadro fiscal.
Os equívocos, no entanto, não se resumem às medidas fracassadas de estímulo à economia.
Um exemplo recente é a nova regra para o crédito consignado.
No começo dos anos 2000, a taxa de juros do crédito pessoal estava em quase 8% ao mês. Existem diversas imperfeições no mercado de crédito que resultam nas altas taxas de juros, como os elevados depósitos compulsórios e impostos indiretos. Além disso, o Brasil apresenta, no crédito livre, uma taxa de inadimplência bem superior à observada nos países desenvolvidos e mesmo em muitos emergentes.
Em 2003, foi aprovada a lei do crédito consignado em que a parcela devida é deduzida diretamente do salário a ser pago pela empresa. A inadimplência, nesse caso, é quase inexistente, sobretudo no setor público, o que resulta em taxas de juros bem menores, de cerca de 2% ao mês. Além disso, houve significativa expansão do crédito para famílias antes excluídas desse mercado pelo elevado risco de inadimplência. O consignado, portanto, resultou em expansão do crédito com queda das taxas de juros para menos de um terço das cobradas no crédito pessoal.
As regras atuais limitam a expansão do crédito consignado, cujas obrigações mensais não podem superar 30% da renda familiar.
Recentemente, foi aprovada legislação para estimular o chamado cartão consignado. Trata-se de uma modalidade de cartão de crédito em que até 5% a mais da renda familiar pode ser deduzida automaticamente da folha salarial para pagar as eventuais obrigações, em adição aos 30% que podem ser comprometidos com qualquer crédito consignado. Deste modo, caso a família deseje se endividar a ponto de comprometer 35% da sua renda familiar com obrigações decorrentes de empréstimos, 5% serão necessariamente com o cartão consignado.
A taxa de juros cobrada no cartão consignado é menor do que a do cartão de crédito usual, porém superior à do crédito consignado. Não há qualquer previsão legal sobre a taxa de juros da parcela que exceda o valor consignável.
Existem inúmeras dúvidas sobre as razões para essa nova modalidade de crédito. A regulação deve garantir a adequada transparência e acesso a informação sobre as diversas opções de crédito e de pagamento de modo a evitar o superendividamento das famílias. O que ocorre, por exemplo, se as obrigações da família com as dívidas no cartão consignado forem superiores ao limite de 5% de comprometimento da renda? Como garantir que as famílias conheçam as diversas opções de endividamento e os custos envolvidos?
Resta uma dúvida final. Se o legislador acredita que as famílias podem ampliar o seu comprometimento de renda com empréstimos, por que esse endividamento adicional deve ser exclusivamente concedido pelo cartão, com juros maiores do que o cobrado pelo crédito consignado? Por que não simplesmente expandir o limite do consignado, que resultaria em menores taxas de juros para as famílias? Quem a nova regra pretende beneficiar? As famílias, ou quem oferece o cartão consignado?
Fonte: Nexo Jornal – 08/03/2016