28/04/2015
Saiu o balanço da Petrobras. Confirmou-se: a administração da Petrobras atribuiu à corrupção uma perda de R$ 6,2 bilhões. Este montante corresponde a 3% dos contratos feitos entre 2004 e 2012. E 3% seria a porcentagem de propina paga aos funcionários que, supostamente, ajudaram o cartel.
Seria um cartel para lá de incompetente. Afinal, se a perda da empresa é igual à propina paga aos seus funcionários, então os cartelistas não ganharam muito. Arriscaram-se por nada.
A PwC e a Petrobras também fizeram o impairment que, grosso modo, significa reconhecer que o valor de alguns ativos é diferente do que anteriormente marcado no balanço. Diferente, neste caso, significa, em geral, menor. A interpretação ao pé da letra dos impairments sugere que perdeu-se mais com incompetência do que com corrupção (uma versão bastante competente dessa interpretação pode ser encontrada aqui). Consideramos frágil a interpretação.
Por que algo vale menos que antes pensavam? Uma razão é corrupção. Abreu e Lima saiu por um valor muito, mas muito acima do que o esperado. Parte disso pode muito bem ter sido quid pro quo pela suposta propina de 3%. Portanto, é difícil distinguir corrupção de incompetência. Planejamento ruim e obras mal projetadas são prato cheio para renegociações que aumentem preço.
Por que o empreiteiro paga 3% de propina para entrar em um projeto mal feito, que atrasará e dará dor de cabeça? Em geral, as empresas preferem projetos bem feitos, previsíveis, que acarretem menos risco.
Há duas razões para pagarem para entrar em projetos arriscados, cheios de problemas. Primeira: são incautos. Segunda: possivelmente os retornos serão maiores do que os que remuneram os riscos aos que estão sujeitos.
Qual é mais verossímil? Alguém ouvia os fornecedores reclamando, lá pelos idos de 2007, que os projetos eram mal feitos?
É pouco razoável que os cartelistas tenham pagado 3% de propina — correndo, como pôde-se confirmar, riscos legais — para receber apenas um retorno normal; achamos mais crível a interpretação alternativa de que R$6 bilhões é o limite inferior para a perda com corrupção. Colocado de outra forma, o conluio entre cartelistas e ex-gestores — que envolveu pagamento de propina daqueles a estes — parece ter sido um dos instrumentos pelos quais os fornecedores conseguiram cobrar substancial sobrepreço nas obras contratadas pela Petrobras (vide Abreu e Lima). Em outras palavras, uma parte das perdas de impairment são derivadas de corrupção.
Dois comentários finais.
Por que então eles escolheram marcar assim? Por que duvidar da PwC? Pode-se justifica a decisão da Petrobras e o aval da PwC. Como dissemos, é difícil distinguir incompetência de corrupção. Ademais, quanto mais for o montante de corrupção reconhecida, maior será a exposição da Petrobras às perdas com os litígios por danos que estão a correr em cortes estrangeiras. Logo, reconhecer o mínimo possível parece uma boa tática.
Sempre dissemos que o perda com corrupção ser igual à propina implica que os cartelistas não ganharam nada. Como o mundo é complicado, sempre há razões que justifiquem a propina ser igual à perda da Petrobras.
Se os fornecedores não tinham nenhuma alternativa a não ser servir a Petrobras, talvez fosse racional pagar 3% e não cobrar nada além de 3% de sobre preço. Para isso, a Petrobras teria que ser monopsonista, ou seja, a única compradora do serviço. Apesar do pré-sal ser grande (somos sempre gigantes!), é difícil que a Petrobras seja monopsonista no mercado de sondas e plataformas. Na verdade, a política de conteúdo nacional é que obriga a Petrobras a contratar com contrapartes com poder de mercado. Na construção civil, ainda mais difícil argumentar monopsônio. Há opção de obras por todo o país e mesmo no exterior (nossas empreiteiras, verdadeiras campeãs nacionais, operam em vários países). Pode ser, é claro, que a Petrobras tenha um regime especial de contratação. Mas isso é razão para a obra sair mais barata, não mais cara.
É possível que, depois de iniciada a obra, os funcionários corruptos da Petrobras pudessem achacar os fornecedores. (Nosso post anterior trata de questões de oportunismo e como isso determina as fronteiras da firma). Mas, sendo esse o caso, veríamos tantos aditivos aumentando o preço depois de celebrado o contrato? Ou seria o contrário? A Petrobras se viu presa ao fornecedor que alegava que as condições mudaram e pedia renegociação de contrato. Tendo um cartel se organizado com a ajuda de funcionários corruptos, seria difícil tentar transferir a obra para o concorrente, mesmo que isso fosse juridicamente possível.
Em suma, ao calcular a perda por corrupção em 3%, a administração da empresa efetivamente afirma que o sobrepreço que o cartel praticou foi 3%. Num post anterior, mostramos que esse seria um sobrepreço extremamente baixo.
Isso importa? Sim. Primeiro, porque, para os minoritários, é mais difícil pedir ressarcimento por incompetência do que por corrupção. Segundo porque transparência é importante em si mesma. Afinal, o Ministro da Fazenda acaba de anunciar que somos um dos países mais transparentes do mundo.
João Manoel Pinho de Mello é professor do Insper
Vinicius Carrasco é professor Economia da PUC-Rio
Tiago Cavalcanti é professor da Universidade de Cambridge
Sergio Firpo é professor de Economia de São Paulo da FGV
Fonte: Exame.com – 23/04/2015