06/12/2019
Iniciativa inédita, criação de avaliação do conhecimento matemático-pedagógico de professores integra Programa de Qualificação do Ensino de Matemática, colabora com a identificação de pontos críticos e ajuda a elaborar estratégias para superá-los
De acordo com dados da edição 2018 do Programa Internacional de Avaliação de Estudantes (Pisa) divulgados nesta terça, 3 de dezembro, mais de dois terços dos estudantes brasileiros de 15 anos têm um nível de aprendizado em matemática abaixo do considerado como básico pela Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE).
Apesar da melhora no desempenho médio, 68% dos estudantes brasileiros estão abaixo do nível mínimo de proficiência em matemática. Em ciências, são 55% com rendimento que não alcança o básico. No ranking, o Brasil caiu da 63ª para a 67ª colocação em ciências e, em matemática, regrediu da 66ª para a 71ª posição. Em leitura, o Brasil permaneceu praticamente estagnado, passando do 59º para o 58º lugar.
“Os últimos resultados do Pisa refletem aquilo que nós já conhecemos por meio de avaliações nacionais como o Saeb. Nele, observamos aumento de proficiência até o 5º ano do Ensino Fundamental, mais em leitura do que em matemática, só que essa melhora não consegue se projetar para os anos finais do ensino fundamental, sendo decrescente no ensino médio. No 9º ano do Fundamental, etapa em que os alunos estão aproximadamente na idade que reflete o Pisa, estamos estagnados”, observa Tadeu da Ponte, coordenador do Centro de Educação e dos Processos Seletivos da Graduação do Insper.
Os dados do Pisa, ressalta Tadeu, permitem a comparação com outros países e entre estados do nosso país em busca de inspiração para a criação de políticas públicas que possibilitem um melhor desempenho dos alunos em edições futuras. “Quando desdobramos os resultados do Pisa pelos estados, ele não é uniformemente estável. O Brasil é um território fantástico em termos de variabilidade de contextos territoriais e socioeconômicos.”
Thomaz Velloso, pesquisador visitante do Centro de Educação do Insper e membro do Programa Cientista-Chefe da Universidade Federal do Ceará (UFC), ressalta o caso de Sobral, no Ceará. “Entre as 50 escolas brasileiras avaliadas por um estudo piloto feito pela Fundação Lemann em 2017 aplicando o Pisa para escolas, modelo específico para unidades de ensino, uma escola pública de Sobral teve o desempenho comparável ao da Noruega. Isso mostra que embora o Brasil ainda esteja muito atrás no ranking do PISA, existem casos de sucesso que precisam ser melhor analisados como possíveis fontes para serem replicadas”.
Centro de Educação do Insper
“O Centro de Educação do Insper é uma plataforma de projetos que visa estudar aspectos relevantes para a implementação, em escala, de soluções que melhorem a sala de aula”, explica Carolina da Costa, vice-presidente da Graduação e fundadora e diretora do Centro de Educação do Insper. “Existe um espaço importante para um estudo sistemático da inteligência por trás dessa implementação. Nos Estados Unidos, essa agenda está dentro da metodologia de Pesquisa de Implementação baseada em Design (Design-Based Implementation Research), que permite a extração de elementos relevantes para a melhoria da sala de aula no quesito matemática e em suas derivações”, completa.
Programa Cientista Chefe e Programa de Qualificação do Ensino de Matemática
Neste ano de 2019, o Centro de Educação do Insper passou a atuar em parceria com a Universidade Federal do Ceará no âmbito do Programa Cientista Chefe. Desenvolvido pela Secretaria Estadual de Educação do Ceará e pela Universidade Federal do Ceará (UFC) com apoio da Fundação Cearense de Apoio ao Desenvolvimento Científico e Tecnológico (Funcap), a iniciativa reúne nove representantes da UFC, denominados Cientistas Chefes, para contribuir com entendimento científico para resolver problemas públicos complexos nas Secretarias de Governo do estado.
Para a área da educação, foi convidado Jorge Lira, pesquisador visitante do Centro de Educação do Insper e professor da Universidade Federal do Ceará. Ele criou o Programa de Qualificação do Ensino de Matemática, que além de estabelecer avaliações diagnósticas dos alunos de forma digital e com base na mineração de dados para identificar os principais problemas dos discentes, promove um programa de Pós-graduação direcionado a professores de matemática de Ensino Médio da rede pública.
Avaliação do conhecimento matemático-pedagógico
O curso de Pós-graduação, iniciado em janeiro de 2018 com a participação de 300 professores do Ensino Médio, propõe a identificação de pontos críticos no conhecimento pedagógico da matemática e estratégias para superá-los. A certificação é condicionada à aplicação do conteúdo no ambiente escolar, avaliada por tutores e equipe. “A partir dessa necessidade de definir como mensurar o conhecimento matemático-pedagógico dos professores e como contribuir para mudanças efetivas em sala de aula, criamos uma avaliação dos professores partindo dos conceitos de conhecimento comum do conteúdo, de conteúdo nas fronteiras da matemática e de conhecimento específico. Na abordagem pedagógica, usamos os conceitos de conhecimento da aprendizagem dos alunos, de processos de ensino e de currículo”, explica Tadeu.
A avaliação contempla uma devolutiva para o professor participante, com referências ao resultado médio do programa e ao desempenho individual. “Construímos banco de itens, aplicamos, processamos os resultados, fizemos análise quantitativa e submetemos um artigo sobre a experiência para o principal Congresso Internacional de Avaliação, a Annual Meeting 2020 do National Council on Measurement in Education. O trabalho foi aceito e será apresentado em abril do próximo ano.”
No momento, o Centro de Educação realiza a análise qualitativa dos resultados da avaliação. “Não apenas mensuramos em uma escala do conhecimento matemático-pedagógico dos professores, mas também estamos procurando maneiras de descrever as barreiras enfrentadas por eles em cada nível da escala para que possam ser superadas”.
Superação de gaps de formação
“O desenvolvimento do letramento matemático dos alunos ficou para trás nos últimos anos. A ideia da formação desse Programa de Qualificação do Ensino de Matemática é dar ao professor um conhecimento de matemática elementar profundo, eliminando um gap de sua formação inicial para começarmos a atingir faixas do Pisa que não alcançamos hoje”, observa Thomaz.
“A criação dessa avaliação do conhecimento matemático-pedagógico dos professores é uma pesquisa inédita do Centro de Educação do Insper, que se concretiza no Programa desenvolvido no Ceará e representa uma contribuição importante para a descrição desses gaps no Brasil e em nível mundial”, analisa Tadeu.
Foco na prática
A avaliação também permite ao Centro de Educação do Insper identificar e propor formação para professores líderes, profissionais que possam ser treinados no conceito de desenhar práticas amparadas em pesquisa para intervenção em sala de aula e contribuir com a formação continuada de professores em serviço.
“Nossa intenção é desenvolver programas a partir de 2020 para a formação desses professores líderes. A iniciativa realizada no Ceará, na próxima edição, atenderá 300 professores de Fundamental II das redes municipais de Fortaleza e de Sobral. Também temos intenção de articular programas que atendam professores da educação básica. Nesse sentido, o Insper está aberto para dialogar com instituições acadêmicas, Secretarias de Educação e organizações do terceiro setor”, destaca.
A ideia é que os professores líderes não deixem de atuar em sala de aula para assumirem o papel de formadores. “Aqueles que mais se destacaram no Programa de Qualificação do Ensino de Matemática, por exemplo, se tornaram tutores nas redes de Fortaleza e Sobral, mas continuam lecionando em suas escolas de origem. Assim, o vínculo com a sala de aula não é quebrado e o professor não se distancia da prática”, diz Thomaz. “O Centro de Educação do Insper atua também para pensar políticas públicas que permitam que a sociedade não perca um excelente professor que se torna um formador. Analisamos mecanismos e incentivos sistêmicos para que os programas sejam perenes e escaláveis e não tomem características de projetos descontinuados”, completa Tadeu.
Ampliação da parceria
A atuação da parceria entre o Centro de Educação do Insper e a Universidade Federal do Ceará será ampliada por meio do Programa Ciência na Escola. “A ideia é que o modelo do Programa Cientista Chefe seja expandido também para as Ciências Naturais e escalonado para redes públicas do Piauí, Maranhão e Alagoas, além do Ceará, com o Insper como parceiro principalmente nas questões de avaliação e de validação dos processos”, conta Thomaz.
Tadeu da Ponte ressalta a posição do Centro de Educação como hub de encontros para a escalabilidade da utilização de instrumentos como a avaliação desenvolvida em parceria com a UFC em outras redes de ensino. “Buscamos reunir atores multilaterais que possam agir em conjunto e implementar e manter sustentável o que se faz de melhor na educação.”