11/04/2014
O Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) mais que quintuplicou os financiamentos a obras de infraestrutura no exterior na última década, tendo liberado US$ 8,6 bilhões neste período para projetos como o metrô de Caracas, na Venezuela, e o porto de Mariel, em Cuba. Dados divulgados pela instituição mostram que os desembolsos para obras de infraestrutura na África e na América Latina subiram de US$ 228 milhões em 2004 para US$ 1,3 bilhão em 2013, acompanhando a expansão dos créditos liberados pelo banco, que passaram de US$ 13,8 bilhões a US$ 88,1 bilhões neste intervalo.
Para especialistas, essas obras em outros países – desenvolvidas por empresas nacionais com apoio do BNDES – ajudaram a impulsionar a economia brasileira, mas não devem ficar isentas de críticas. Falta transparência aos projetos, dizem eles, destacando que há carência de informações sobre os financiamentos, dúvidas quanto à prioridade conferida a determinados países e questionamentos em relação ao direcionamento de recursos públicos para obras no exterior num momento em que o Brasil demanda investimentos em infraestrutura.
“Por que o Brasil prioriza projetos em países duvidosos, como Venezuela e Cuba? Por que não há projetos como esses nos Estados Unidos e na Europa? O apoio a essas obras deveria ser feito de forma muito criteriosa, porque precisamos desses investimentos em nosso território”, comenta o professor do Insper, Sérgio Lazzarini. Para ele, faltam informações sobre os custos, os riscos e os retornos envolvidos em cada obra. “O BNDES poderia divulgar essas informações e fazer levantamentos sobre impactos gerados pelos projetos. Isso ajudaria a mostrar com números seus próprios argumentos.”
Em estudo sobre o tema, o BNDES afirma que as obras de infraestrutura em outros países constituem uma oportunidade para as empresas brasileiras expandirem seus negócios, com benefícios para as construtoras e prestadoras de serviços de engenharia e para toda a cadeia de fornecedores. Esses projetos, avalia o banco de fomento, ampliam as exportações de bens e serviços brasileiros, incentivam a geração de empregos no Brasil e contribuírem para a internacionalização das companhias – visão que é compartilhada por estudiosos do setor. A instituição ainda argumenta que, ao figurar no mercado internacional, o Brasil passa a ser reconhecido como gerador de conhecimento técnico de excelência na área.
A maior parte das contratações para obras de infraestrutura ocorre por meio de licitações. Para o BNDES, isso “reforça a necessidade da oferta de financiamentos em condições competitivas”, dada a intensa competição de companhias europeias e chinesas.
“Sem o apoio do BNDES, as empresas brasileiras não teriam condições de competir em projetos internacionais. Outros tipos de financiamento tornariam as propostas do Brasil mais dispendiosas que as de outros países, que também contam com o suporte de bancos de fomento”, defende Thomaz Zanotto, diretor do departamento de Relações Internacionais e Comércio Exterior da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp).
Ronaldo Couto Parente, professor da Escola Brasileira de Administração Pública e de Empresas da Fundação Getulio Vargas ( Ebape / FGV), ressalta que, se o Brasil não impusesse uma carga tributária tão alta sobre as empresas, elas teriam condições de competir no exterior sem tanta interferência estatal. “Enquanto não se cria uma política integrada de incentivo à exportação, que inclua revisão tributária, capacitação de mão de obra e oferta de crédito, é importante manter os financiamentos via BNDES”, afirma, acrescentando que é fundamental uma análise criteriosa de garantias. Nestas operações, os recursos são liberados para as construtoras de acordo com o andamento das obras, e o governo do país contratante – que muitas vezes se encontra em situação financeira pouco confortável – fica responsável por quitar o crédito junto ao BNDES. “É preciso deixar as ideologias de lado e pensar no negócio. Cuba é uma ditadura, mas a China também é e todos fazem negócios com os chineses”, comenta Parente.
Segundo o BNDES, não há casos de inadimplência em financiamentos de obras de infraestrutura em outros países. Entre os cerca de cem projetos com apoio da instituição na última década figuram rodovias, hidrelétricas, linhas de transmissão, sistemas de saneamento e fornecimento de água, além de um aeroporto em Angola.
Alegando compromisso de confidencialidade, o BNDES não informa valores e condições dos empréstimos. Em audiência pública na Comissão de Assuntos Econômicos (CAE) do Senado no fim de março, o presidente da instituição, Luciano Coutinho, reforçou as vantagens das operações em termos de internacionalização. Entre 2006 e 2012, as construtoras nacionais expandiram sua fatia de mercado na América Latina e no Caribe de 9,5% para 17,8%. Na África, essa participação, que era praticamente nula, passou a 4,1% no mesmo período.
No ano passado, quando a presidente Dilma Rousseff anunciou a renegociação e perdão de quase US$ 900 milhões em dívidas de países africanos a fim de fortalecer as relações comerciais dessas nações com o Brasil, abriu-se mais espaço para discussão. Para os analistas, não está claro como essa decisão influenciará os negócios. “É possível que exista algum acordo que facilite as operações de empresas brasileiras nesses países. Mas o governo peca por não comunicar essas questões adequadamente”, afirma Parente.
Na última década, os financiamentos concedidos pelo BNDES às empresas de engenharia para obras no exterior representaram, em média, 1,6% do total de desembolsos no ano. O governo, segundo Coutinho, atribui “alta prioridade” a essa política e vê no financiamento das empreiteiras brasileiras “um dos poucos itens superavitários da nossa pauta de serviços”.
Se não fosse por esses empréstimos, afirma Zanotto, o comércio exterior brasileiro estaria ainda mais enfraquecido e isso teria reflexo na indústria, já que grande parte dos produtos utilizados pelas construtoras é nacional.
Fonte: Valor Econômico – SP – 11/04/2014