07/06/2013
Não há mais o espírito de confraria que imperava nas reuniões de conselhos de administração – numa época em que seu papel era pouco definido – até decorativo – e sua existência era apenas para atender a uma exigência legal imposta às companhias abertas. Hoje, os conselhos estão cheios de atribuições que dizem respeito à estratégia de crescimento e sobrevivência das empresas, e fazem parte de um número crescente de companhias, inclusive as de capital fechado e familiares, que nunca foram obrigadas a formá-los. “A situação começou a mudar no Brasil nos anos 1990, com a maior participação de fundos de investimentos no capital das empresas”, observa a consultora Roberta Nioac Prado, que também é coordenadora do curso de governança corporativa na FGV-SP e conselheira do Instituto Brasileiro de Governança Corporativa (IBGE).
Antes de concretizar qualquer negócio, os novos investidores passaram a exigir que os conselhos de administração representassem mais fielmente a sociedade de ações e fossem de fato um instrumento de aprimoramento da gestão. Foi a partir daí, lembra ela, que os conselhos de administração, além de reservarem assentos para representantes de todo o conjunto de acionistas, na devida proporção, trocaram alguns de seus membros “honorários” por profissionais que poderiam efetivamente contribuir com a estratégia empresarial. Saíram então colaboradores que teoricamente tinham acesso a algum círculo de poder, e atuavam como lobistas descompromissados, e entraram especialistas em finanças, tributos, fusões e aquisições, relações humanas, novos negócios e segmentos específicos de mercados.
Pouco a pouco, os conselhos de administração foram adquirindo o papel muito mais relevante que exibem atualmente: o de guardião do objeto social e do sistema de governança, fazendo a ponte entre a propriedade empresarial e a gestão. Hoje, espera-se dos conselheiros não só a supervisão dos mecanismos de controle de riscos e prevenção de fraudes nas companhias onde atuam como também uma avaliação crítica das ações dos executivos e um olhar em profundidade para o futuro das empresas e dos mercados. “Eles devem analisar o contexto empresarial de uma maneira holística, considerando as diversas implicações econômicas, sociais e ambientais, e daí emanarem as diretrizes para o crescimento sustentável das corporações”, resume o empresário e consultor Roberto Faldini, que ajudou a fundar o LBGC em 1995 e se tornou um dos conselheiros mais requisitados do mercado. Desde 1982, quando estreou no conselho de administração da bolsa de valores de São Paulo como representante das corretoras, Faldini já tomou assento em 30 conselhos no total, incluindo os sete dos quais participa no momento: Vulcabrás, Grupo Cegil, K.O. Máquinas Agrícolas, Maxpress, Emibra.jurnil e BR Foods (neste, como suplente).
Instituto sem fins lucrativos, criado para oferecer referências para a boa governança corporativa, o IBGC criou- e atualiza constantemente – um código de melhores práticas para orientar a formação dos conselhos de administração. Na sua quarta e mais recente edição, esse código elenca 18 recomendações para o bom funcionamento dos conselhos, entre elas a de que devem “ter sempre uma visão estratégica, traduzida em uma visão de longo prazo”, e saber “prevenir e administrar conflitos de interesse e divergência de opiniões, opinando sobre o apetite ao risco, gerenciamento de riscos, práticas de sustentabilidade, alinhamento de discurso entre as diversas áreas e o nível de endividamento que a sociedade deve ter”. A entidade recomenda, ainda, que os conselhos se reúnam sem a presença de diretores executivos e que seu presidente não acumule a função de CEO da em presa.
Na exata medida em que foram ganhando importância, porém, os conselheiros também se tornaram mais responsáveis pelo desempenho das companhias e deixaram de ser imunes às cobranças dos acionistas e às sanções de órgãos controladores como a Comissão de Valores Mobiliários (CVM) e o Banco Central. A cada crise que acontece em grandes corporações, o mercado se pergunta como os conselhos de administração podem ser fortalecidos para evitar a ocorrência de novos colapsos econômicos – mas também investiga a responsabilidade dos conselheiros.
As fraudes fiscais da empresa energética norte-americana Enron Corporation, em 2001, que arrastaram para a falência uma companhia que havia faturado US$ 101 bilhões no ano anterior, serviram de lição para empresas do mundo inteiro aperfeiçoarem seus mecanismos de controle, começando por serem mais criteriosas na composição dos seus conselhos de administração. No Brasil, em 2010, a CVM responsabilizou tanto diretores quanto conselheiros da Sadia pelos vultosos prejuízos causados por operações com derivativos na companhia. O episódio – que acabaria levando à incorporação da Sadia pela Perdigão e à criação da BR Foods – serviu para a CVM estabelecer um novo paradigma para o funcionamento dos conselhos de administração: eles devem ser formados por profissionais competentes, com dever de se informar, ser proativos, questionar e até desconfiar. Porque também responderão por eventuais colapsos provocados pela má gestão da diretoria.
Para que os conselhos de administração cumpram o que se espera deles, o IBGC também sugere que eles tenham de cinco a 11 membros, sem suplentes, com mandatos coincidentes não superiores a dois anos, e que todos os seus componentes tenham tempo hábil para realizar suas tarefas, que vão além da simples participação em reuniões periódicas. O instituto indica ainda que a dedicação dos conselheiros deve ser garantida com remunerações estabelecidas de forma clara, incluindo benefícios que não sejam apenas de curto prazo. Segundo pesquisa do IBGC com 187 empresas listadas na BM&F Bovespa, a remuneração média dos conselheiros em 2012 foi de R$ 139,6 mil (ante R$118,S mil em 2011), dos quais 77,4% receberam apenas vencimentos fixos.
Fora isso, não existem receitas.
Os nomes mais adequados para compor um conselho de administração são aqueles que puderem dar a melhor contribuição à estratégia de cada empresa. “Se ela quiser exportar seus produtos para a China, por exemplo, terá de convocar alguém que conheça o mercado chinês. Se tiver a intenção de abrir o capital, vai precisar de um especialista nessa transição empresarial”, explica Roberta Nioac Prado.
Para Roberto Faldini, menos importante é recrutar para o conselho de administração alguém que entenda especificamente do negócio ao qual a empresa se dedica. “Esses especialistas devem ocupar cargos nas diretorias e gerências. No conselho devem estar pessoas que possam ajudar a companhia com sua visão estratégica, expertise na área financeira, oferecer um olhar externo e independente, para oxigenar as organizações”, afirma.
Profissionais sempre requisitados para compor os conselhos de administração são executivos que se aposentaram da gestão do dia a dia, mas carregam uma experiência que vale ouro. Outros são os administradores especializados em fusões e aquisições, uma vez que essas operações hoje ocorrem com muito mais frequência – e velocidade – do que algumas décadas atrás. A possibilidade de incorporar um concorrente, ou de se unir a ele em uma nova empresa, faz parte da estratégia de qualquer companhia com um mínimo de ambição – seja a de crescer ou a de simplesmente sobreviver num mercado de competição acirrada. Na demanda por conselheiros, porém, há espaço para os talentos mais diversos, inclusive para executivos brasileiros no “board” de empresas americanas e europeias interessadas no mercado latino-americano.
A Praxair, controladora da White Martins no Brasil, conta já há três anos com a participação de Oscar Bernardes, ex-presidente da empresa de alimentos e bioenergia Bunge, em seu conselho de administração – Bernardes, que também é consultor, atua ainda como conselheiro da Gerdau, Suzano, Marcopolo, Localiza e Dasa laboratórios. Da mesma forma, a companhia de óleo e gás francesa Technip, que tem uma operação importante no Brasil, recrutou em 2011 para o seu conselho Letícia Costa, diretora da escola de negócios Insper e conselheira da Marcopolo e da Localiza. E a montadora americana de caminhões Paccar, que está construindo uma fábrica no Brasil de veículos pesados da marca DAF, nomeou no ano passado para o seu board o executivo Luiz Kaufmann, antigo comandante da Aracruz Celulose e atualmente conselheiro da Vivo, Lojas Americanas e Ali. Todos foram recrutados por headhunters, atendendo a especificações precisas de cada companhia – no caso da Technip, havia a preferência por uma mulher, já que o governo francês exige que o time feminino represente pelo menos 20% dos componentes dos conselhos de administração no país até 2014, e dobre esse percentual a partir de 2017.
Conselheira desde 2010, quando se aposentou do papel de consultora, Letícia Costa entende que os conselhos de administração já avançaram bastante na forma, mas ainda precisam ser mais eficazes. “Isso não se deve à resistência dos gestores, mas apenas a uma certa falta de experiência no relacionamento com os conselheiros”, diz.
Embora cada conselho tenha suas peculiaridades, ela não situa os três órgãos dos quais faz parte em estágios diferentes. “A única observação que faço é sobre a grande pluralidade que existe no conselho da Technip, com gente dos Estados Unidos, Europa, Ásia, América Latina, e vai receber um membro da Índia agora. Não costumamos encontrar essa diversidade regional em empresas brasileiras, mesmo as bastante internacionalizadas. A presença feminina também é marcante: somos cinco mulheres em um total de 11 componentes”, revela.
Os conselhos de administração também ganharam evidência no Brasil recentemente com a eleição do empresário Abílio Diniz para a presidência do conselho da BR Foods, maior fornecedora do Grupo Pão de Açúcar (GPA), onde o mesmo Abílio ocupa cargo idêntico.
O caso vem dividindo opiniões de juristas, que se veem diante de uma situação inédita, e colocou uma pimenta a mais na disputa entre o empresário brasileiro e o grupo controlador do GPA, o francês Casino, que já entrou com pedido arbitral junto à Câmara de Comércio Internacional para a declaração de conflito de interesses. Para o Casino, o conflito é evidente, pois Abílio, que tem acesso a informações estratégicas do mercado varejista e da penetração de companhias concorrentes à BR Foods nesse mercado, passará a ter as mesmas informações nos mercados onde a BR Foods atua. Os advogados de Abílio alegam que a participação de empresários em conselhos de companhias com as quais mantêm negócio é normal, assim como a de diretores de bancos em conselhos de empresas que devem a esses mesmos bancos. Argumentam que o empresário Fábio Schvartsman, diretor-geral da fabricante de papel e celulose Klabin, é conselheiro do GPA, embora sua empresa seja fornecedora da rede de supermercados. E acusam o Casino de criar embaraços para que Abílio tome a iniciativa de vender as ações que tem no GPA (20% das ordinárias e 10,4% das preferenciais, cotadas por cerca de R$ 3,8 bilhões) a preços abaixo do mercado.
Uma vez conhecido o resultado dessa queda de braço, ele servirá para definir melhor os Limites da atuação de empresários que atuam como conselheiros em empresas com as quais mantêm negócios em algum nível, Pode ser que o conflito de interesses se configure a partir de determinado patamar de negociações. Pode ser que não. Seja qual for o desfecho, porém, ele deverá constar de um futuro código de melhores práticas do IBGC e ser estudado em detalhe pelas escolas de negócios.
Fonte: Valor Econômico – SP – 07/06/2013