Um dia depois de Dilma sinalizar a troca do ministro da Fazenda em eventual segundo mandato, especialistas do mercado avaliam que a presidente tentou criar um factoide.
Um clima de mal-estar se instaurou no Ministério da Fazenda ontem. A expectativa entre as pessoas que circulavam pelo Bloco P da Esplanada dos Ministérios era de que o chefe da pasta, Guido Mantega, poderia renunciar a qualquer momento. Ele evitou entrar no edifício pelo acesso principal como faz diariamente pela manhã. Chegou pela garagem, circulou muito pouco em seu gabinete. Saiu à tarde pela garagem, retornou por volta das 19h20 e ficou no seu escritório até 20h30, quando todas as luzes da sala se apagaram.
O ministro não fez declarações apesar de o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) ter divulgado um resultado ruim para o Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA). Deixou a cargo do secretário de Política Econômica, Marcio Holland, o ônus de tentar minimizar o novo estouro do teto da meta de inflação, que chegou a 6,51% no acumulado em 12 meses até agosto, acima do limite anual de 6,5% (Leia mais na página 9).
A reclusão de Mantega ocorreu um dia depois de a presidente Dilma Rousseff sinalizar que não manterá o ministro no cargo em um eventual segundo mandato, transformando-o em uma espécie de ex-ministro em exercício. Ao ser questionada sobre quem comandaria a Fazenda a partir de 2015 durante uma viagem a Fortaleza, Dilma foi enfática ao sinalizar que fará mudanças. “Eleição nova, governo novo, equipe nova”, disse ela. “Quero dizer o seguinte. Não nomeio ministro em segundo mandato. Eu não fui eleita. Como é que eu saio por aí nomeando ministro? Não sei se vocês lembram quando sentaram na cadeira antes da eleição”, emendou.
Segundo fontes da Fazenda, o Palácio do Planalto informou que a presidente não se referiu especificamente a Mantega nas declarações e que ela foi mal interpretada. O Planalto, no entanto, não comentou o assunto.
Queda no PIB
Para especialistas, Dilma tentou criar um factoide devido à ascensão da candidata Marina Silva (PSB) nas pesquisas e uma possível vitória com margem espaçada da ex-petista no segundo turno. Mas as declarações não surtiram efeito no mercado. Internamente, houve técnicos que se espantaram com atitude da presidente, cuja afirmação aparentou um “reconhecimento de erro” na condução da economia do país que atravessa uma recessão técnica, após dois trimestres seguidos de queda no Produto Interno Bruto (PIB).
“Pareceu uma atitude de desespero. Ela pode até sinalizar para o eleitorado que vai fazer um governo diferente. Mas o mercado está escaldado. Ele esperava uma atitude há um ano, mas a presidente se recusou. Agora, qualquer mudança faltando três meses para o fim do mandato, é pouco expressiva”, disse Carlos Melo, cientista político e professor do Insper. Ele lembrou que o mercado já precificou que não haverá mudança no rumo da economia com a petista no poder.
O economista-chefe da MB Associados, Sergio Vale, também criticou as declarações de Dilma. “O Mantega sempre foi o ministro que pensava exatamente como a presidente. Servir como moeda de troca eleitoral para tentar persuadir o mercado é duvidar da capacidade de discernimento dos analistas. O problema não é mais o Mantega, mas todo o governo. Cair um ministro agora não sinalizará absolutamente nada”, disse Vale.
Na avaliação de Melo, do Insper, a iniciativa de Dilma é tardia. “O governo tende a ser derrotado, tenta remediar o que não tem mais remédio”, afirmou. Não à toa, os analistas de mercado estão cada vez mais confiantes em uma vitória da candidata Marina Silva, do PSB. A queda de 0,19% na Bolsa de Valores de São Paulo (BM&FBovespa), ontem, foi mais reflexo dos indicadores dos Estados Unidos mais fracos do que qualquer efeito das declarações de Dilma. “É possível que Marina ainda vá com Dilma para o segundo turno em primeiro lugar”, apostou o economista e consultor Alexandre Schwartsman. “A bolsa de valores não está acima de 60 mil pontos por acaso”, completou.
Fonte: Correio Braziliense – 06/09/2014.