07/03/2013
O bom desempenho das bolsas estrangeiras, sobretudo a dos Estados Unidos, sugere que não há desânimo global com o mercado de ações. Por aqui, o saldo líquido de capital externo na Bovespa está positivo em quase R$ 7 bilhões. Mesmo assim, o Ibovespa acumula perda próxima de 7% no ano (até a última segunda-feira). Um olhar mais atento aos papéis negociados na BMF&Bovespa pode ajudar a decifrar o mistério. Em um ano em que blue chips (mais negociadas) pouco sobem e alguns papéis já são considerados caros, o mercado mostra claramente que está priorizando ações de companhias com bons fundamentos, vantagens competitivas e receitas estáveis. Entre as empresas com um mínimo de liquidez e volume, as maiores altas não estão entre os nomes mais conhecidos. São apenas 9 papéis do Ibovespa entre os 20 principais ganhos, ante 13 nas maiores perdas – sendo que neste grupo estão as representantes de maior peso no indicador.
As ações que mais sobem este ano são dos mais variados setores e mostram, na maioria das vezes, que o investidor está procurando segurança e qualidade, segundo analistas. Na dúvida, o aplicador opta pelo fundamento. Essa tem sido a tônica das escolhas para comprar ações em 2013 no Brasil. É o que mostra levantamento feito pelo Valor Data com base em papéis que tiveram 100% de presença em bolsa nos últimos 12 meses e liquidez de, no mínimo, 0,1.
Das cerca de 130 ações do levantamento, nas maiores altas, a presença de papéis do Ibovespa é menor que nos destaques de queda (veja tabela). Os ganhos são liderados por empresas com perfil de “small caps” ou que ficam menos expostas ao mercado externo e às commodities, caso de Grendene, Anhanguera e América Latina Logística (ALL). Já as maiores baixas são lideradas por OSX, OGX, Eletropaulo, MMX e Petrobras.
“O mercado está comprando o que tem fundamento bom”, diz o estrategista da Santander Corretora, Leonardo Milane. “O investidor está muito mais seletivo este ano. Compra ações de empresas com vantagens competitivas, com receitas estáveis e baixo endividamento, além de eficiência operacional”, afirma o gerente da equipe de pesquisa do BB Investimentos, Nataniel Cezimbra. Os papéis de destaque no ano, em geral, mostram que os investidores têm evitado ainda as ações arriscadas.
Roger Oey, superintendente de pesquisa do Espírito Santo Investment Bank, acrescenta que o estrangeiro, sobretudo, está vendido no “Brasil velho”, industrial, de empresas grandes e pesadas. As compras se focam no “Brasil novo”, que vende para a nova classe média e ganha com o baixo nível de desemprego. Está nas empresas de serviços, varejo, educação. O Brasil novo também inclui companhias com administração privada e menos passíveis de intervenções governamentais, voltadas à economia local.
O professor de finanças Michael Viriato, do Insper, diz que várias empresas de consumo, logística e educação, presentes na lista, são negociadas com prêmio, indicando estarem um pouco caras. Ainda assim, o horizonte se mantém positivo. “Embora as expectativas tenham piorado, um crescimento previsto de 3% para o Produto Interno Bruto (PIB) brasileiro ainda é razoável.”
Apesar de todas essas vantagens, Viriato também lembra que muitas das principais oscilações do ano mostram apenas correções sobre 2012. Caso de Eletrobras PNB (queda de 57,5% em 2012) e Banrisul PNB (-18,2%) nas altas, e de Multiplus ON (+58,8%) e B2W ON (88,9%), nas quedas. Já Grendene segue em alta, após subir 132% no ano passado. A ação continua na carteira recomendada da Socopa desta semana. “Apesar do bom desempenho recente dos papéis, as ações da Grendene ainda encontram-se descontadas em relação ao setor de consumo na bolsa”, diz o informe do analista Marcelo Varejão. “Empresa boa pagadora de dividendos e com sólidos fundamentos para sustentar manutenção do crescimento em 2013.”
Os maiores ganhos contam com ações do setor educacional – Anhanguera, Estácio e Kroton – que, segundo Cezimbra, do BB Investimentos, é atrativo. “As empresas são capitalizadas e sobem desde o ano passado”, diz. Milane, do Santander, afirma que as empresas apresentam resultados consistentes. “O setor de educação ainda tem muito espaço para crescer na economia brasileira.”
Oey, do Espírito Santo, afirma que companhias de alimentos e frigoríficos, como JBS e Marfrig, devem entrar em um ciclo melhor de rentabilidade. Para os especialistas, o segmento ficou estacionado por muitos meses e tende a se recuperar. “Neste ano, a dinâmica de preços está melhor. A safra de grãos deve ser boa e os preços do gado menores, o que diminui custos”, diz Milane.
No segmento de construção civil aparecem as ações da Direcional. Para o estrategista da Santander Corretora, a empresa vem mostrando resultados firmes e consistentes e atua num nicho promissor, que é o da baixa renda. A produção para o programa habitacional “Minha Casa, Minha Vida” levou a um crescimento consolidado de lançamentos de 62% em 2012, para R$ 2,346 bilhões. Já a companhia de saneamento Copasa é o típico exemplo de empresa que oferece receitas estáveis, diz Milane.
Na outra ponta estão ações que sofrem com ciclos piores para seus produtos, interferência governamental ou simplesmente estão frustrando as expectativas. A lista traz alguns dos papéis de maior peso no Ibovespa, como Petrobras, Vale e Usimina s, além das ações do grupo de Eike Batista. As elétricas Eletropaulo e AES Tietê ainda sentem os efeitos das mudanças se regras para o setor de energia.
As empresas do grupo X, segundo os analistas, são em sua maioria pré-operacionais e estão em um momento no qual precisam investir muito e ainda trarão resultados restritos. Além disso, geram incertezas em relação à execução dos negócios e entraram em crise de confiança com os investidores.
Petrobras sofre com a ingerência governamental sobre a empresa que, entre outros efeitos, a impede de ajustar os preços dos produtos vendidos às cotações internacionais. A analista Carolina Flesh, do BB, lembra ainda que as ações ON despencaram depois que a empresa ajustou sua estratégia de dividendos, que passou a ser desfavorável aos papéis com direito a voto. HRT, também do setor de petróleo, enfrenta as dores de ser pré-operacional, diz a especialista. A companhia anunciou prejuízo líquido de R$ 140 milhões no quarto trimestre de 2012.
Em mineração e siderurgia, o analista Victor Penna, também do BB Investimentos, diz que as empresas que vendem commodities estão sofrendo no mundo, afetadas pelo desaquecimento da economia mundial. Os resultados das mineradoras no quarto trimestre de 2012 frustraram expectativas. Além disso, Vale sente as discussões que podem trazer um novo marco regulatório para o segmento, além dos debates sobre alíquotas de cobrança de royalties. Usiminas e CSN caem por fundamentos do setor de siderurgia. “Há excesso de capacidade instalada”, diz Penna. “O momento é ruim e não deve melhorar. Sobra aço no mundo e os preços do minério não param de subir”, acrescenta Milane, do Santander.
Além disso, a alta liquidez de vários dos papéis entre as maiores quedas também piora a situação dessas ações. Em momentos em que optam, estrategicamente, por sair ou reduzir a exposição ao mercado brasileiro, elas costumam ser os alvos preferenciais.
Fonte: Jornal Valor Econômico – SP – 06/03/2013