19/05/2016
Caso a presidente Dilma Rousseff seja de fato afastada do cargo pelo Senado na próxima semana, o vice Michel Temer assumirá um país com economia descompensada. Nosso produto interno bruto (PIB) encolheu 3,8% em 2015, deve reduzir a um ritmo semelhante neste ano e já há quem não descarte estagnação, ou mesmo leve retração, em 2017, o que emendaria três anos seguidos de recessão. Trata-se de desempenho que não se viu nem nos problemáticos anos 80, a dita década perdida.
As contas públicas têm hoje a marca de dois anos consecutivos de rombos orçamentários, metas fiscais em frequente alteração – o que mina não apenas a confiança do empresariado, mas também a credibilidade internacional do país – e receitas em queda constante. Do lado do investimento, o Brasil, a despeito de algumas rodadas de concessões à iniciativa privada realizadas nos últimos anos – em particular em rodovias e aeroportos -, segue com taxa de investimento em torno de 18% do PIB, patamar bastante baixo se comparado ao de economias desenvolvidas, mas não apenas ao delas. O México, por exemplo, um emergente como o Brasil, tem taxa de investimento de 22% do PIB.
E mais: hoje, 11,1 milhões de brasileiros estão sem trabalho, o que coloca a taxa de desemprego em 10,9%, segundo a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílio Contínua (Pnad Contínua), do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). A inflação, que fechou o ano passado em 10,67%, voltou para a casa de um dígito, mas ainda está muito longe do centro da meta. Até abril, o IPCA acumulado em doze meses foi de 9,28%, segundo o IBGE – para uma meta de 4,5%, com tolerância de chegar a 6,5%.
Para onde se olhe, há um grande problema a ser combatido. O que fazer primeiro? Qual a velocidade das medidas? O que precisa ser atacado, mesmo que os resultados não sejam imediatos? O site de VEJA ouviu economistas e especialistas para elaborar uma lista com dez frentes de batalha para um eventual governo Temer. Algumas sugestões estão sempre na pauta de quem acompanha a economia brasileira de perto, como as ainda pendentes reformas tributária e da Previdência – que, apesar de sua urgência, nunca são levadas adiante. Outras, como a revisão da meta fiscal, são colocadas no topo das prioridades.
Seja qual for a estratégia, ela não pode prescindir de um chacoalhão inicial para começar a recolocar a economia brasileira nos trilhos. “Precisamos de um conjunto de ações fortes e imediatas, mas também que se ofereça à sociedade um plano de longo prazo”, diz Otto Nogami, professor de economia do MBA do Insper. “Hoje, o espírito geral é derrotista.”
Abaixo, a lista das dez “lições de casa” de Temer na economia. Foram ouvidos Raul Velloso, especialista em contas públicas; Adriano Pires, diretor do Centro Brasileiro de Infraestrutura; Hélio Zylberstajn, professor sênior da faculdade de economia da Universidade de São Paulo; Alex Agostini, economista-chefe da Austin Rating; e Otto Nogami, professor de economia do MBA do Insper.
Uma das medidas prioritárias para um eventual governo Michel Temer é a votação de uma nova meta fiscal. O alvo atual, fixado na Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO), é de um superávit primário (economia para o pagamento de juros da dívida pública) de 24 bilhões de reais, o que pode obrigar o governo a promover mais cortes de gastos – que já somam 44,6 bilhões de reais. Para tentar evitar um estrangulamento ainda maior do orçamento, o governo enviou em março ao Congresso um projeto de lei que autoriza um déficit de até 96,65 bilhões de reais em suas contas este ano, considerando abatimentos. Em 2015, o governo precisou suspender o pagamento de luz, telefone e água até que o Congresso aprovasse a alteração da meta fiscal daquele ano. Não atingir a meta seria mais um golpe na já abalada credibilidade internacional do país
Já há propostas de limitação do gasto público, uma delas apresentada pelo próprio governo neste ano. Mas, dada a piora das contas públicas, ações nessa frente têm que ser prioritárias. Em paralelo, a equipe de Temer deve concentrar esforços para aprovar emendas constitucionais que reduzam gastos, a fim de frear a trajetória ascendente da dívida pública. Uma terceira medida é uma reavaliação detalhada de todos os programas do governo, incluindo os da área sociais – mas não apenas estes -, para enxugar despesas. Essa revisão incluiria uma avaliação de contratos com fornecedores, aluguéis e pessoal e pode resultar na redução de ministérios de atuais 32 para entre 20 e 25 pastas. Neste último caso, o governo Temer terá que mostrar que de fato está disposto a um ajuste das contas, mesmo que isso ocorra em detrimento do encaixe de aliados no governo. Isso vale especialmente para o PMDB, partido de Temer, de inconfundível pendão fisiológico
Para evitar perdas que podem alcançar 402 bilhões de reais nos próximos anos, o governo tem de brigar para manter o cálculo da dívida dos Estados com base em juros compostos – e não simples, como pleiteiam no Supremo Tribunal Federal (STF) os governadores estaduais. No fim de abril, o tribunal deu um prazo de 60 dias para que a União e os entes federados cheguem a um consenso. Caso não haja acordo, a Corte poderá obrigar os Estados a pagar dívidas conforme a regra que decidir. Até o momento, 11 Estados, incluindo Santa Catarina, Rio Grande do Sul, Minas Gerais e Rio de Janeiro, obtiveram liminares favoráveis à adoção dos juros simples. É mais uma bomba em potencial para as contas públicas
Desobrigar a Petrobras de ter participação mínima de 30% em todos dos leilões do pré-sal e mudar o regime de concessão está no radar de Temer, segundo fontes próximas ao vice. A medida aliviaria o caixa da estatal, que já possui dívida elevada, e pode permitir que outras empresas, inclusive estrangeiras, explorem campos de petróleo no país. O Senado já aprovou um projeto sobre o tema, de autoria do senador José Serra (PSDB-SP). O modelo atual, de partilha, é visto como um fardo para a petroleira, que é obrigada a ter um nível de participação considerado inviável. Outra medida em análise, com vistas a diminuir o chamado custo Brasil, é acabar com a política de conteúdo local, que exige que empresas deem preferência a fornecedores nacionais em detrimento de estrangeiros em projetos do setor de óleo e gás. Essa exigência encarece a produção no país
Retomar a confiança dos investidores no país e destravar investimentos na área de infraestrutura são prioridades que têm sido reiteradas pelo possível futuro ministro da Fazenda, Henrique Meirelles. Segundo já revelado pelos auxiliares mais próximos de Temer, uma das medidas em discussão, caso o governo Temer se efetive, será a criação de uma secretaria especial voltada à área de infraestrutura. Nela ficariam concentradas todas as concessões, privatizações e parcerias público-privadas. Mas criar um novo órgão não basta. Em seu primeiro mandato, a presidente Dilma Rousseff criou a Empresa de Planejamento e Logística (EPL), que tinha objetivos semelhantes, mas não ficou à altura da expectativa que gerou. Um dos motivos para a frustração foi a insistência do governo em impor taxas de retorno às concessões, que simplesmente não as tornavam atraentes para os investidores privados. Moreira Franco, ex-ministro-chefe da Secretaria de Aviação Civil e nome cotado para essa nova secretaria, já declarou que um eventual governo Temer pretende rever o modelo de taxas de retorno adotado atualmente. Outra medida com a qual a equipe de Temer simpatiza é permitir que empresas áreas brasileiras possam ser controladas por estrangeiros. Hoje, essa participação está limitada em 20%
A necessidade que o Brasil tem de adotar reformas fiscal e da Previdência é um debate frequente – assim como frequentes são os subterfúgios adotados pelos políticos para se esquivar desses desses desafios, espinhosos e potencialmente impopulares. Estabelecer idades mínimas para a aposentadoria de homens e mulheres – aos 65 anos, por exemplo – ajudaria a aliviar grande parte do rombo das contas públicas. Outra medida positiva seria a desvinculação dos reajustes das aposentadorias das variações do salário mínimo. Na frente tributária, a redução e simplificação de impostos são imperativas, mas sempre esbarram no mau humor de Estados e municípios, que não querem perder uma fonte de receita sem a garantia de que outra será criada. Tampouco o governo federal – seja quem for o chefe do Executivo – faz grande esforço para cortar impostos. Um exemplo recente é o pacote tributário anunciado por Dilma: a alíquota do imposto de renda para pessoas físicas será reduzida, mas, com ajustes em outras frentes, o governo ainda conseguiu uma receita extra de 150 milhões de reais, segundo suas projeções
Nos últimos anos, o Brasil passou a ostentar o nada auspicioso título de país mais fechado ao comércio exterior do G20, o grupo das 20 maiores economias do planeta. O país precisa voltar a se abrir para o mundo. O grupo de Temer já declarou que não quer deixar o Brasil restrito às amarras do Mercosul. A estratégia poderá incluir negociações bilaterais entre o bloco e os Estados Unidos, União Europeia e países asiáticos, por exemplo. Para buscar novas parcerias, o Itamaraty, hoje enfraquecido política e financeiramente, passaria a ter forte viés comercial, que concentraria questões relacionadas ao comércio. Passaria a compor o Itamaraty a Secretaria de Comércio Exterior, do MDIC, e a Agência Brasileira de Promoção de Exportações e Investimentos (Apex) – esta última com um orçamento de 500 milhões de reais para a promoção comercial
Além das concessões, por meio das quais os investimentos e a administração de rodovias, ferrovias, portos e aeroportos são repassados à iniciativa privada, privatizar empresas que têm baixos resultados também está na pauta de Temer. Um exemplo é a BR Distribuidora, braço da Petrobras, que deve ser vendida, o que já motivou a mobilização dos servidores da empresa. Uma medida complementar à privatização é a instituição de uma lei que cobre mais responsabilidade de estatais para dar mais transparência à gestão. A medida compõe o documento “A travessia social”, de dezessete páginas, com diretrizes do PMDB para um eventual novo governo. Vale ponderar, no entanto, que a proposta de levar adiante as privatizações pode esbarrar na ambição de pemedebistas em ocupar cargos na direção de estatais. Aí estará, mais uma vez, uma prova de fogo para – entre a decantada agenda liberal de Temer e o indisfarçável fisiologismo do PMDB – testar para que lado essa balança vai pender
Para fortalecer o caixa do governo, o governo Temer poderá adotar, mesmo a contragosto, medidas para reverter a trajetória de sucessivas baixas na arrecadação federal. As opções incluem a volta da controversa CPMF, o “imposto do cheque”, e o aumento da Cide, imposto que incide sobre combustíveis (embora, saliente-se, a adoção dessas medidas não seja uma bandeira defendida abertamente pelo grupo do vice-presidente). Além de cortar gastos, é preciso elevar a arrecadação. No acumulado do primeiro trimestre, ela soma 313 bilhões de reais, queda real (descontada a inflação) de 8,19% em comparação com o mesmo período do ano passado – e o menor resultado para o período desde 2010. Para piorar a situação, Dilma, caso de fato saia, deixará uma bomba fiscal de cerca de 10 bilhões de reais após anúncio recente de um “pacote de bondades” que inclui um reajuste de 9% no Bolsa Família e correção de 5% na alíquota do Imposto de Renda, com custo somado de 6 bilhões de reais
Flexibilizar as relações de trabalho entre empregados e empregadores não é uma pauta nova entre os empresários, que reclamam do peso dos custos trabalhistas, que, ao onerar as empresas, impedem que mais contratações sejam realizadas. A ideia não avança no Congresso e sofre constante pressão de centrais sindicais. Uma medida que pode ir a adiante, a depender da boa vontade do Congresso, é o projeto de lei da terceirização. A proposta prevê a contratação de serviços terceirizados para qualquer atividade, desde que a contratada esteja focada em uma atividade específica
Fonte: Veja Online – 08/05/2016