Argentina: o poder dos imponentes
A liberdade de imprensa na Argentina pode ter sofrido um duro golpe com a decisão de sua Suprema Corte no dia de hoje. Dentre todos os polêmicos artigos previstos na chamada Lei de Mídia ou Lei de Meios- orquestrada e sancionada, em 2009, pela presidente Cristina Kirchner – quatro deles foram contestados judicialmente e, enfim sacramentados no dia de hoje.
Eles versam sobre a desconcentração da mídia e a necessidade de grandes grupos venderem parte de seus ativos para continuarem funcionando plenamente, sendo que o mais atingido pela decisão foi justamente o Grupo Clarín – não por acaso ferrenho opositor de Cristina.
Pode-se argumentar que a desconcentração da mídia teria o condão de ampliar a pluralidade de opiniões e, portanto, ampliaria a liberdade de imprensa. Ledo engano quando se vê que os efeitos da lei fizeram-se sentir na ampliação de frequências de rádios e televisão em ambientes universitários que, a exemplo do Brasil, são conduzidos por alguns grupos ideológicos altamente corporativistas, notadamente com amplo apoio ao governo.
Ademais, alguns analistas – como o cientista político e político e professor da Universidade de Buenos Aires Martin D’Alessandro e o pesquisador do Conselho Nacional de Pesquisas Científicas e Técnicas Gerardo Scherlis – apontam falhas na Lei de Meios no que diz respeito à ausência de debates mais profundos e ao casuísmo da legislação em meio às tensões crescentes na disputa obsessiva do governo argentino contra o Grupo Clarín.
Nesse sentido, é notório que a normativa referendada pela Suprema Corte Argentina não advém de um desejo legítimo por democratizar a mídia, mas de um enfrentamento do governo contra o maior grupo independente de mídia no país. Tal empreitada nos faz recordar da investida do venezuelano Hugo Chávez contra a RCTV que culminou, em 2007, com o encerramento das transmissões deste que era o mais antigo canal de televisão em funcionamento naquele país.
Dessa forma, o kirchnerismo – abalado pelo péssimo resultado que recebeu das urnas nesta última semana – ganha uma importante sobrevida às custas da liberdade de imprensa dos argentinos, podendo consolidar e disseminar suas teses e suas estatísticas fantasiosas (lembremos da trágica maquiagem sobre a inflação), com o claro intuito de angariar apoio junto à opinião pública e, por conseguinte, permanecer no poder.
Assim, fica o alerta para que em nosso país – onde os ataques aos meios de comunicação estão na ordem do inclusive os perpetrados pela horda black block – as instituições e a opinião pública estejam sempre vigilantes quando alguns trazem á tina o debate sobre o “controle social” da mídia, mascarando seus verdadeiros interesses. Em meio a esta torrente coletivista, há que salvaguardar as liberdades de imprensa de expressão que constituem, no dizer do político e ensaísta tcheco Václav Haivel, o último e verdadeiro “poder dos imponentes”.
Leandro Consentino é professor de Graduação no Insper, de pós Graduação na FESP-SP e Coordenador de Cursos na Fundação Mario Covas
Fonte: Estadão – SP
Data: 04/11/2013