09/05/2022
Os trabalhos de Química Tecnológica Ambiental quantificam o impacto causado ao planeta durante todo o ciclo de vida de produtos que utilizamos no cotidiano
Leandro Steiw
Espera-se que, nesta segunda década do século 21, a defesa do meio ambiente seja uma questão de princípios e transversal a todas as áreas de conhecimento. Os alunos da disciplina Química Tecnológica Ambiental (QTA), do curso de Engenharia de Computação do Insper, não são só apresentados a grandes ideias de sustentabilidade. Eles também dominam ferramentas de avaliação do impacto ambiental de atividades e produtos do cotidiano.
A turma do primeiro semestre de 2022 escolheu atividades nas quais utilizamos aparelhos que consomem energia elétrica (ou têm bateria), entrevistou usuários, identificou no laboratório materiais utilizados no equipamento e quantificou o impacto ambiental desde a extração da matéria-prima. Utilizando estratégias de redução do impacto ao meio ambiente, repensaram a atividade de forma mais sustentável.
“Todas as etapas da produção têm impacto ambiental, desde a extração das matérias-primas, a fabricação dos materiais e a transformação em produtos até o transporte para os lugares onde serão utilizados, o modo como serão usados e o descarte ao final do uso”, diz a professora Paulina Achurra. Hoje, consumimos 60% mais recursos naturais do que a Terra é capaz de oferecer.
Os alunos aprendem a quantificar o impacto por meio da técnica de Life Cycle Assessment (LCA), que dispõe de uma enorme base de dados sobre diferentes materiais e processos. Trabalhando em grupos, os estudantes pensam em aparelhos e dispositivos corriqueiros. Não é difícil enumerar alguns bem tradicionais para a investigação: forninho elétrico, cafeteira e chaleira elétricas, micro-ondas, ar-condicionado, barbeador, chapinha para o cabelo.
A identificação do comportamento dos usuários derruba paradigmas e lugares-comuns. Foram encontradas algumas pessoas que usavam o barbeador elétrico por oito minutos, e outras, por 15 minutos — variação justificada pela preocupação individual com a aparência. As chaleiras elétricas são ligadas tanto para ferver a quantidade de água necessária quanto para volumes maiores do que os pedidos pela ocasião. “As entrevistas foram essenciais para uma quebra de expectativa do que pensávamos inicialmente. Muitas das coisas da vida são contraintuitivas, e sempre temos que ir atrás de dados para termos certeza”, diz a aluna Luiza Valezim Augusto Pinto.
O impacto de produtos de alto consumo energético podem estar vinculados ao poder econômico. Os usuários de ar-condicionado são um exemplo: têm muito dinheiro para comprar o equipamento e não precisam se preocupar com a conta de luz. “Aqueles que não tinham impedimentos econômicos faziam uso em abundância do equipamento, mas também não sabiam como calibrá-lo para usufruir do maior conforto possível”, observa o aluno Guilherme Rosada. “O uso difere bastante, tendo um fator econômico — o preço da conta de luz no final do mês — como uma das maiores influências.”
Conhecer as necessidades do consumidor e identificar o padrão de uso remete a disciplinas anteriores da Engenharia de Computação, como Co-design de Aplicativos. No laboratório, os grupos utilizaram técnicas de caracterização de materiais. Abriram-se vários dispositivos, listaram-se e quantificaram-se os materiais empregados, pesquisou-se onde o produto é fabricado e como chega até o Brasil. A quantificação do impacto inclui o modo de transformação da matéria-prima na asa plástica da chaleira, no chip de computador, nos fios e cabos de cobre, nos circuitos integrados — só para citar alguns habituais.
“Os alunos estavam fascinados no laboratório, em particular porque era a primeira oportunidade para a maioria deles, que começou o curso na pandemia. É divertido abrir um produto e ver como está feito”, recorda Paulina. Entretenimento à parte, o choque vem em seguida: descobrir que uma porção dos componentes de marcas nacionais é importada. As peças só são montadas por aqui e, em casos extremos, o aparelho talvez só receba a etiqueta do fabricante. “Comentamos a loucura que é esse processo do ponto de vista ambiental”, diz a professora.
A disciplina introduz a ferramenta de quantificação do impacto ambiental causado pelo ciclo de vida do produto. “Normalmente, temos uma ideia qualitativa e subjetiva do impacto”, afirma o professor Robson Raphael Guimarães. “Sabemos, por exemplo, que andar de bicicleta impacta menos que rodar de carro no mesmo trajeto, mas a questão é quanto. A partir dessas bases de dados, é possível determinar pontos de impacto (a escala utilizada) para cada atividade e pensar estratégias de otimização do material do produto, de redesenho do sistema e de inovação. Cada um desses olhares permite que se tenha alcance de redução de impactos diferentes.”
Geralmente, vemos o plástico usado no produto, mas não vemos a energia consumida para fabricar esse polímero, nem os resíduos que foram gerados no processo e também impactam a natureza. A visão geral do ciclo de vida possibilita aos estudantes identificar o ponto crítico de cada aparelho. Para alguns, são os materiais. Para outros, o uso. Não raramente, ambos.
A composição da matriz energética do país também influencia, porque a geração de energia elétrica pode ser mais ou menos renovável. “Quando se compara o impacto das matrizes elétricas no mundo, percebe-se uma diferença grande”, analisa o professor Guimarães. “Muitas vezes, o mesmo produto na China impacta duas vezes mais do que o uso no Brasil. Antes do acesso a essa ferramenta de quantificação, parecia que não existia tanta diferença.”
Para auxiliar na proposição de soluções, são apresentadas técnicas de Ecodesign, o conceito de Sistemas Produto-Serviço (PSS) e estratégias para incentivar comportamentos mais sustentáveis. O desafio passa a ser redesenhar o sistema de maneira que o impacto caia pela metade, no mínimo. Não é pouca coisa. “Voltamos a falar do tamanho do desafio como sociedade, de extinção, do que sabemos sobre o quanto precisamos melhorar do nosso impacto para termos de volta um sistema sustentável, do tempo de implementação. Alguns grupos sofrem com isso, porque parecia tão fácil reduzir pela metade”, rememora Paulina. O desafio atual é de ordem de magnitude maior.
Guimarães explica: “Além de propor as soluções, eles têm que mostrar como aplicariam essas estratégias em termos de convencimento dos usuários, porque entrevistaram pessoas e já conhecem o perfil de usuário de um determinado produto e qual é a real necessidade que o produto supre. Quanto maior a adesão dos usuários a essas estratégias, maior o potencial de redução de impacto. Se você otimizar o sistema, consegue um fator não tão grande. Se redesenhar, imaginar de outra forma, o fator aumenta. Mas se pensar de forma inovadora, atendendo à necessidade do usuário diretamente, conseguem-se fatores muito maiores que 10 ou 20 vezes”.
As soluções podem ser admiráveis. “O grupo do ar-condicionado surpreendeu porque elaborou um serviço de assinatura de ar-condicionado, que dimensiona o aparelho de maneira adequada para o cômodo, realiza manutenção adequada, utiliza energias renováveis em parceria com outras empresas e trabalha o community-based social marketing (CBSM) para promover mudanças de comportamento mais sustentáveis”, afirma Guimarães. “Os alunos não reduziram 50%, mas 75% do impacto de uma situação normal de aquisição de um ar-condicionado.”
O colega Francisco Pinheiro Janela complementa: “Quando vemos o sistema como um todo, em alguns produtos é possível identificar que o impacto não provém somente do uso, mas dos materiais, da fabricação e do descarte, por isso é importante avaliar o ciclo de vida do produto ou do sistema em questão”.
Para Luiza Valezim Augusto Pinto, as nossas ações cotidianas influenciam, mas não devemos considerar apenas um dia, e sim toda a expectativa de vida. “Essa conta faz diferença e fará diferença para os nossos filhos e netos, que terão que viver em um planeta com falta de água potável e matéria-prima caso não façamos nada”, comenta.
Lívia Sayuri Makuta percebe um grande desafio na maneira como alguns produtos são projetados para atender ao conceito de obsolescência programada: pouca eficiência e curta duração de vida. “Além de começarmos a praticar hábitos mais sustentáveis, temos que exigir essas pautas de nossos governantes e, até mesmo, enquanto engenheiros, tornar os produtos mais eficientes e com menores gastos energéticos”, pondera.
Embora os engenheiros de computação não trabalhem diretamente com políticas ambientais, os aprendizados se enraízam no futuro profissional. O aluno Vinícius Grando Eller conta que uma das recomendações de leituras de aula é o livro Colapso, do geógrafo e historiador Jared Diamond, na qual são comparados dois campos de petróleo, um sem restrições e outro adequadamente planejado. “O autor conclui que, no longo prazo, é mais válido para a empresa ter um setor de ESG bem desenvolvido, porque, no caso das petrolíferas, o gasto de milhões anualmente é menor do que o de bilhões caso ocorra um desastre ambiental”, cita Eller. “A matéria de QTA serviu para expandir a cabeça para uma área que conhecia pouco, mas que é de extrema relevância para qualquer tipo de empresa”.
“Nós propomos a criação de uma empresa que fornece o serviço de aluguel de equipamentos de ar-condicionado. Em vez de possuir o aparelho, o cliente passa a alugá-lo por um período. Com isso, todas as responsabilidades referentes ao aparelho passam à empresa, desde o dimensionamento correto do produto e a instalação até a manutenção periódica. Apesar de parecer simples, esses fatores contribuem significativamente para elevar a eficiência do aparelho e, consequentemente, reduzir o impacto causado pelo seu uso.
Não obstante, propomos uma parceria com empresas como a Flora Energia, que usa um modelo de negócio no qual o cliente pode alugar a sua própria usina de energia elétrica. Em vez de adquirir placas solares, ele compra créditos de energia, que serão produzidos pela Flora. Com essa combinação, conseguimos reduzir consideravelmente o impacto gerado pelo uso do ar-condicionado por um fator de até três vezes. Ficamos surpresos, sim, com o quanto conseguimos reduzir de impacto, mas também vislumbrados com o modelo de negócios que criamos. Não estudamos a viabilidade econômica dele, mas com certeza pareceu algo promissor.” (Guilherme Rosada)
“Considerando que o produto que estudei foi a cafeteira de filtro, notei que nas entrevistas não houve grandes diferenças de padrões de uso do produto entre usuários. Acredito que a única coisa que percebemos de diferente foi a quantidade de café. Alguns fazem de duas a três porções individuais por dia, enquanto outros casos eram porções para a família ou para a empresa, mas também girando sempre entre duas e três por dia.
No decorrer da vida útil do produto, notamos que muito do impacto provém tanto de seus materiais como da energia gasta para esquentar a água (com um grande destaque para a energia). Nossa ideia foi, basicamente, eliminar o problema como um todo. Então, desenvolvemos uma pequena campanha com o objetivo de implementar na cultura do brasileiro o método de preparo de cold brew — um café gelado, portanto, sem o gasto de energia, que pode ser feito apenas com coador e filtro tradicional, eliminando também o impacto da água. Os resultados foram impressionantes, mas acredito que foi por sermos muito otimistas na implementação dessa nova cultura. No entanto, mesmo não sendo otimista, acredito que ainda teríamos ótimos resultados.” (Vinícius Grando Eller)
“No meu grupo, decidimos expandir o escopo da análise para além do produto, então consideramos o sistema completo que envolve a energia para aquecer água, a chaleira elétrica e os coadores de café e o sachê de chá. Pensando na energia gasta para aquecer água, uma estratégia que elaboramos foi a de ter um sistema com reservatório de água que seria esquentada com aquecedores solares. Mas isso não se aplicaria a todas as pessoas, apenas àquelas que observamos mais propensas a adotar isso. Porque, assim, a pessoa já teria uma água pré-aquecida antes de esquentar a água de fato.
Em relação ao produto, pensamos em aumentar a eficiência energética da nossa chaleira, tentando melhorar o sistema de aquecimento, de maneira que o equipamento que iria esquentar a água estaria em contato direto com ela. Além disso, como percebemos que muitas pessoas trocavam de chaleira quando a resistência que aquece o recipiente queimava, pensamos em tornar ela mais modular, para que fosse possível trocar apenas o que quebrou, sem descartar a chaleira, ou seja, a vida útil dela seria prolongada.
Por fim, outra estratégia foi repensar o uso dos filtros de café e sachês de chá e incentivar as pessoas a utilizarem coadores e infusores de inox, já que são reutilizáveis e seu processo de limpeza não é complicado.” (Lívia Sayuri Makuta)
“Segundo as nossas entrevistas, um dos fatores que mais causava a troca dos fones era o fato de alguma parte ter sido danificada e não funcionar, forçando o usuário a descartar o fone e comprar outro. Então, tivemos a ideia de modularizar as partes do produto, permitindo ao usuário somente trocar a parte que não funciona, salvando dinheiro e, principalmente, ajudando ao meio ambiente. Na nossa ideia, haveria quiosques nos quais as pessoas poderiam descartar corretamente tais peças eletrônicas sem prejudicar a natureza. O resultado da nossa estratégia me deixou muito contente, já que não seria uma ideia absurda (econômica e tecnicamente falando) e que faria a diferença no futuro.” (Luiza Valezim Augusto Pinto)