Ainda está difícil de entrar no trilho…
O modelo escolhido pelo governo para o programa de concessão de ferrovias tem vários problemas, além do chamado “Risco Valec”, de acordo com especialistas ouvidos pelo Brasil Econômico. A ausência de uma garantia robusta para o fluxo de pagamentos aos concessionários durante o contrato, pouca informação disponível sobre as obras envolvidas (todas bilionárias) e fragilidades no arranjo regulatório em si, inspirado em experiências europeias, são alguns dos pontos críticos apontados. “O caso mais conhecido de uso desse modelo é a Grã Bretanha, onde foi adotado de forma pioneira. Deu sérios problemas – má conservação das vias, quebras de trens, com paralisação de serviços, e foi depois abandonado”, conta o economista Armando Castelar, Coordenador de Economia Aplicada do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getúlio Vargas (IBRE/FGV).
No setor ferroviário, os investimentos estimados são de R$ 99,6 bilhões na construção e no melhoramento de 11 mil km de linhas férreas distribuídos em 11 trechos. O ministro da Fazenda, Guido Mantega, afirmou ontem que o governo tentará viabilizar ao menos dois leilões de ferrovias neste ano, mas a decisão depende ainda da finalização do modelo de concessão, mais complexo do que o adotado para as concessões rodoviárias.
O governo está revisando as regras de concessão das ferrovias por determinação do Tribunal de Contas da União (TCU), que considerou-as juridicamente frágeis. A arquitetura anunciada, agora sob reavaliação, separa concessionários de operadores. A concessionária, responsável pela construção da ferrovia, deterá seu direito de exploração. A estatal Valec, a ser substituída pela Empresa Brasileira de Ferrovias (EBF), conforme os estudos em andamento – comprará da concessionária toda a capacidade da estrada de ferro e a oferecerá aos usuários: embarcadores, operadores ferroviários independentes e concessionários (desde que de outros trechos ferroviários). A decisão de vender o direito de passagem em ofertas públicas, segundo o governo, tem o objetivo de garantir o livre acesso dos interessados às ferrovias.
Castelar aponta que na Europa o modelo foi adotado em outros países, mas com aperfeiçoamentos, e em contextos diferentes do brasileiro. “A Europa Continental também começou mais recentemente a adotar um modelo semelhante, mas com diferenças importantes: uma, que os principais operadores de infraestrutura e de transporte são empresas estatais, de forma que há menos conflito de interesses. Outro, que o objetivo lá não é ser eficiente, mas gerar a integração política e econômica entre os países membros da União Européia”, explica.
Para Castelar, o fato de o governo ter buscado a participação do setor privado para realizar os investimentos e operar as novas ferrovias é positivo. Porém, a decisão de alterar a forma como o setor estava historicamente estruturado trouxe grande insegurança. A mudança, apesar de ter objetivos meritórios (garantir o direito de passagem pelas ferrovias) apresenta principalmente riscos institucionais que comprometem sua eficácia. “São problemas de governança na relação entre operadores de infraestrutura e de transporte, de forma a proteger qualidade de trens e das vias”, diz.
Outros especialistas apontam a falta de garantia sobre o fluxo de pagamento da demanda comprada pelos concessionários. “Há pouca clareza sobre de onde virão os recursos para comprar a demanda e como o pagamento será feito”, diz Eduardo Padilha, analista de infraestrutura e professor do Insper Instituto de Ensino e Pesquisa.
O advogado Bruno Dario Werneck, do escritório Mattos Filho, Veiga Filho, Marrey Jr. e Quiroa, reforça: a ausência de um fundo garantidor previsto em lei, a exemplo do existente na lei que ampara as Parcerias Públicas Privadas (PPP), constituído com ativos destinados a cobrir as obrigações do governo (no caso, o pagamento pela demanda da rodovia ao longo dos 30 anos de contrato) afugenta os investidores, por criar grande insegurança com relação ao retorno dos investimentos.
“A questão não é criar uma nova estatal ou capitalizar a Valec com recursos. É oferecer garantias sólidas: o aval do Tesouro Nacional, por exemplo”, diz o advogado. Werneck cita como risco adicional ao fato de haver pouca informação acumulada sobre a complexidade das obras envolvidas. O programa envolve obras novas a respeito das quais pouco se conhece além dos próprios traçados. “Formos procurados por investidores interessados no programa que recuaram diante desses dois problemas principais”, diz.
Fonte: Brasil Econômico
Data: 01/10/2013