24/01/2014
Uma das áreas em que a sociedade brasileira mais evoluiu nos últimos 20 anos foi no desenho das políticas sociais. Depois de décadas desprezados pelas elites do país, recentemente a sociedade começou a perceber a importância de cuidar dos segmentos mais pobres da nossa população. Essa mudança reflete em grande parte a democratização do nosso sistema político. Como os pobres também votam, eles têm que ter seus interesses atendidos pelos políticos. No passado predominava a ideia de que não era essencial educar os mais pobres, por exemplo a importante era formar elites esclarecidas, que formulariam políticas econômicas corretas que, por sua vez, ajudariam a reduzir a pobreza indiretamente, por meio do crescimento econômico.
Hoje em dia, esse discurso é impensável. Mas, a situação dos mais pobres e da “nova classe média” ainda está longe de ser razoável 0 que fazer a partir de agora? Está claro que o programa Bolsa Família foi bem sucedido ao diminuir a pobreza extrema e colocar as crianças mais pobres na escola, sem afetar negativamente a oferta de trabalho dos pais. Além disso, a situação do mercado de trabalho, que tem favorecido os trabalhadores menos qualificados, ajudou a aumentar o salário das famílias mais pobres. Mas, e agora? 0 que acontecerá se nossas firmas decidirem inovar e passarem a demandar trabalhadores mais qualificados? 0 que podemos fazer para impedir a volta da pobreza e da desigualdade? A nova política social deverá fazer com que as pessoas consigam sair da pobreza por seus próprios meios. 0 sucesso pleno do programa Bolsa Família ocorrerá quando ele não for mais necessário. Assim, não me parece que a estratégia correta seja apenas continuar aumentando o valor das transferências de renda indefinidamente, para diminuir a pobreza estatística, mensurada nas pesquisas domiciliares.
O caminho agora passa necessariamente pelo aprimoramento dos serviços públicos, que a população pobre utiliza intensivamente. Afinal, não é suficiente que uma família da nova classe média tenha uma renda de RS 2 mil por mês, se os seus filhos estudam em uma escola pública de péssima qualidade, se os pais têm que acordar às 5 da manhã para tentar marcar uma consulta médica (em que é grande a probabilidade do médico não aparecer), se passam três horas num ônibus para ir trabalhar, têm seu celular roubado no caminho e não conseguem passear com tranquilidade num parque no final de semana.
0 caminho para que os mais pobres tenham um melhor padrão de vida é melhorar a gestão dos serviços públicos. O mais interessante é que, assim como os programas de transferências de renda, isso não requer quantidades enormes de recursos adicionais e pode, no estágio atual, melhorar muito a qualidade de vida das famílias pobres.
A variável chave para melhorar as perspectivas de vida das crianças é a qualidade da educação básica. Somente quando o aprendizado nas escolas públicas for similar ao das boas escolas privadas é que todas as crianças terão possibilidade de fazer as escolhas que quiserem na vida, independente de sua condição social, como preconizado por Amartya Sen.
Como então melhorar o aprendizado nas escolas públicas? 0 primeiro passo é focar no desenvolvimento infantil. Sabemos que os primeiros anos de vida são fundamentais para o desenvolvimento das crianças. Crianças que crescem em famílias desestruturadas, mesmo recebendo os recursos do programa Bolsa Família, terão problemas de desenvolvimento no futuro. Ao chegarem na escola, muitas dessas crianças já têm problemas de aprendizado, vão ficando cada vez mais para trás dos demais alunos e eventualmente abandonando a escola. Para reverter essa situação é necessário formular programas que ensinem os pais a estimular as crianças desde os primeiros anos de vida. Pesquisas mostram que programas desse tipo têm impactos enormes sobre o desenvolvimento infantil. Ao chegar na escola, a criança precisa permanecer lá por pelo menos 6 horas diárias, ter professores sempre presentes, estimulados, sabendo o que ensinar e que utilizem o tempo de aula de modo eficiente.
Para atingir esse fim, é preciso adotar uma política nacional de transferência de recursos educacionais para os Estados e municípios com base em indicadores de efetividade. O caminho para que os mais pobres tenham um melhor padrão de vida é melhorar a gestão dos serviços públicos Em vez de ligar a transferência desses recursos diretamente ao salário dos professores, como faz o Fundeb e a política de piso salarial atualmente, seria melhor transferir uma parte desses recursos com base em critérios de efetividade.
Esses critérios devem ser: adoção do currículo nacional único; uso de avaliações externas anuais para acompanhar o aprendizado de cada aluno; eficiência na aplicação dos recursos (medida pela relação entre ldeb e gastos); porcentagem de escolas com pelo menos 6 horas efetivas de aula por dia; valorização do bom professor; uso do regime probatório para seleção apenas dos melhores professores; permissão para o funcionamento de escolas charter (administradas privadamente) nos municípios e intervenção direta nas piores escolas.
Segundo essa proposta, os municípios que alcançarem uma maior evolução nesses indicadores receberiam um volume muito maior de transferências do Fundeb. Além disso, os gestores seriam orientados pelo governo federal sobre o que fazer para atingir essas metas. Como os prefeitos precisam de recursos para administrar suas cidades, isso faria com que houvesse um esforço maior para melhorar a qualidade da educação. Porém, para implementar essas medidas, será necessário convencer os movimentos corporativistas e ideológicos, que resistem bravamente à meritocracia. Sem fazer isso, dificilmente conseguiremos atingir o desenvolvimento pleno das famílias mais pobres. Aí resta somente os rolezinho”.
Naercio Menezes Filho, professor titular – Catedra IFB e coordenador do Centro de Políticas Públicas do Insper e professor associado da FEA-USP. escreve mensalmente às sextas-feiras.
Veículo: Valor Econômico – 17/01/2014