Seguindo a tendência de diversos países, ao longo dos últimos anos o Brasil tem implantado acordos de leniência para que empresas envolvidas em arranjos ilícitos revelem os detalhes associados aos desvios. Os acordos de leniência ganharam novamente os holofotes com a emersão da Operação Lava-Jato e as inequívocas evidências de colusão entre empreiteiras, prestadores de serviços e políticos dos mais variados espectros ideológicos. No meio desse processo, o governo federal lançou a controversa Medida Provisória 703, que permite que as empresas investigadas continuem realizando contratos com o governo com vistas a preservar empregos.
Em post recente, Vinicius Carrasco e João Manoel Pinho de Melo argumentam que a iniciativa governamental pode apresentar efeitos contrários ao esperado, uma vez que não sinaliza um custo elevado de punição, podendo inclusive, estimular as empresas a transgredirem novamente no futuro. Embora concordemos com a necessidade de garantir punição crível e com os vários problemas trazidos pela MP, chamamos a atenção para um ponto colocado pelos autores: de que o custo da perda de empregos gerada pela inelegibilidade das empresas é desprezível pois outras empresas (inclusive estrangeiras) podem contratar empregados que antes trabalhavam nas empresas punidas. Ao defender essa posição, os autores partem do pressuposto de que os recursos e competências desenvolvidos e acumulados pelas organizações ao longo de sua existência são perfeitamente móveis e facilmente apropriados por outras empresas sem perda de valor.
Entretanto, a literatura de gestão indica que, em larga medida o desempenho de uma firma reside na forma como competências e recursos são combinados e resultam em algo único. A cultura organizacional, o conhecimento tácito (e coletivo) dos funcionários, os sistemas internos de incentivos e outros traços não são facilmente transladados a outras organizações. A dificuldade de transplantar e absorver características específicas de uma firma é vista até mesmo como um empecilho para fusões e aquisições; muito se fala, por exemplo, sobre os custos de integração de empresas que decidem se unir.
É bem verdade, parte das competências empresariais das grandes empreiteiras envolvidas nos escândalos recentes se deve à sua capacidade de se conectar a partidos políticos e governantes. Mas é igualmente plausível que elas também tenham competências de execução embutidas no seu corpo técnico e na sua experiência acumulada ao longo dos anos.
A pergunta que fica é então: seria possível preservar essas competências ao mesmo tempo garantindo efetiva punição às empresas? Acreditamos que sim. Eis uma proposta concreta: a empresa poderia ser novamente qualificada a participar de contratos com o setor público desde que ocorra troca total e irrestrita de controle. Em outras palavras: quem é dono da empresa deve vender o seu controle se quiser que a empresa continue habilitada para transacionar com o governo.
Essa medida garante a continuidade das operações e reduz os custos trazidos com a mobilidade imperfeita de competências de uma firma a outra. Ao mesmo tempo, gera punição efetiva para diretores e controladores que deixaram a firma se envolver em atos ilícitos, logo garantindo incentivos corretos para o setor empresarial em seus negócios futuros.
Fonte: Exame.com – 24/02/2016