06/04/2020
Iniciativa coordenada por Lars Sanches, professor do Insper, ajuda pequenos produtores e beneficia moradores com 6 mil quilos de ovos, banana e batata-doce
ENTREVISTA| CONTEÚDO SOBRE A PANDEMIA DE COVID-19 |ACESSE A PÁGINA ESPECIAL
Seguindo os esforços conjuntos de toda a Comunidade Insper para mitigar o impacto do vírus Covid-19, estamos publicando uma série de entrevistas com professores, gestores e diretores para abordar ações realizadas pela nossa escola, além de dicas e orientações nas mais diversas áreas para colaborar com a superação dos desafios deste período.
No último sábado, 4 de abril, uma iniciativa coordenada por Lars Sanches, professor do Insper, levou 6 toneladas de ovos, banana e batata-doce de pequenos produtores que ficariam sem ter para quem distribuir esses alimentos, por conta do fechamento de restaurantes causado pela crise do coronavírus, para serem distribuídos e comercializados na comunidade de Paraisópolis, na zona sul da cidade de São Paulo. A ação integra os esforços realizados pela nossa escola em benefício de comunidades vulneráveis na capital paulista.
Saiba mais sobre essa ação na entrevista com Lars Sanches:
1) Como surgiu a ideia de realizar essa iniciativa?
Em 2017, o Núcleo de Operações e da Cadeia de Suprimentos do Centro de Estudos em Negócios (CENeg) do Insper, liderado por André Duarte, fez um projeto de distribuição e logística em favelas. Desse trabalho, saiu um artigo publicado em revistas internacionais que trouxe particularidades de se operar em comunidades.
Entre 2018 e 2019, eu tive a oportunidade de ficar um ano como professor visitante no Massachusetts Institute of Technology (MIT), onde me envolvi em um projeto de pesquisa na área de logística de frutas e verduras para populações de baixa renda na América Latina. Em paralelo a isso, o Núcleo de Operações aproveitou o conhecimento em logística de favelas para iniciar um projeto de pesquisa em parceria com a London School of Economics com foco em logística de frutas e verduras em favelas.
Nesses projetos, percebemos que a taxa de obesidade em todos os países da América Latina, e o Brasil não fugia a essa regra, estava crescendo de forma preocupante, o que gera um enorme impacto na saúde e até mesmo na expectativa de vida da população. E para piorar a situação, a taxa de obesidade da população de menor renda estava pior do que a média da população, exatamente a parcela que tem menos acesso a sistemas de saúdes de boa qualidade.
Identificamos dois fatores determinantes para esse fato: acesso e preço de produtos saudáveis. Em diversas regiões da América Latina, existem os chamados “desertos alimentares” (food deserts) onde a disponibilidade de locais para se comprar alimentos saudáveis, como frutas e verduras, é muito limitada. Ou seja, é necessário percorrer grandes distâncias para chegar a um local que os venda. Como muitos não possuem carros, isso se torna um limitante para a compra desses produtos. O outro fator é um crescente aumento dos preços dos produtos saudáveis, o que inviabiliza a compra por parte da população mais carente.
Um dos motivos para o encarecimento dos preços de frutas e verduras era a grande quantidade de alimentos desperdiçados em algum elo da cadeia de suprimentos. No Brasil, mais de 30% das frutas e verduras estragam antes de serem consumidas.
Durante essas pesquisas, tivemos a oportunidade de visitar a favela de Paraisópolis onde, com o suporte do G10 Favelas, pudemos conhecer a realidade dessa comunidade e ter contato com pessoas responsáveis por cozinhas comunitárias e pequenos varejistas de hortifruti. Além deles, tivemos contato com organizações que ajudavam pequenos agricultores de baixa renda a venderem seus produtos para restaurantes da cidade de São Paulo.
Quando estourou a pandemia do novo coronavírus, as medidas de isolamento fizeram com que muitos moradores de favelas deixassem de ter renda, uma vez que grande parte depende de atividades informais. Como muitos desses trabalhadores não têm uma renda reserva e dependem dos seus rendimentos para poder comprar seus alimentos, percebemos que o problema da fome iria se agravar rapidamente nas favelas. Outra consequência do isolamento foi o fechamento de restaurantes, que fez com que a demanda dos pequenos produtores agrícolas que os atendiam despencasse. Esses produtores, além de ficar sem renda, iriam jogar fora boa parte dos alimentos plantados antes do início da pandemia e teriam muita dificuldade de reiniciar suas atividades depois.
Tendo esse pano de fundo, resolvemos arregaçar as mangas e partir para usar nossos conhecimentos para ajudar tanto os moradores da favela, quanto os produtores agrícolas. O fato de muitos professores terem experiência como executivos e consultores nos deu confiança para levar a teoria para a prática. No meu caso, ainda trabalhei muitos anos como executivo na divisão de alimentos da Unilever.
2) Quais produtos foram entregues em Paraisópolis? Qual a quantidade e origem desses produtos?
Resolvemos organizar, em conjunto com uma empresa de fins sociais chamada Frexco, uma entrega de 6 toneladas de ovos, banana e batata-doce a partir de uma cooperativa agrícola na região de Piedade (SP). Quando vimos que seria possível ter acesso aos produtos, lancei uma campanha informal de coleta de doações em dinheiro para pagá-los. Logo no começo, tive uma grande adesão dos meus alunos do 5º semestre do curso de Administração. Duas alunas, Letícia Matias e Gabriela Marcotti, se ofereceram para liderar uma campanha junto aos seus colegas. Além disso, diversos professores ficaram sabendo da iniciativa e foi criada uma rede de doações dos próprios docentes do Insper e de seus amigos. Essas doações foram fundamentais para viabilizar a primeira entrega de produtos.
3) Como foi organizada a logística para levar os produtos da cooperativa até Paraisópolis?
Os produtos saíram de Piedade em dois caminhões e foram para dois locais em Paraisópolis: uma cozinha comunitária, gerenciada pela Associação das Mulheres de Paraisópolis e pelo projeto Mãos de Maria, e um comerciante local de frutas e verduras. Na cozinha comunitária, os produtos foram utilizados para fazer marmitas que são distribuídas gratuitamente na comunidade. Foram mais de 3 mil ovos doados para a cozinha.
O restante dos produtos foi entregue em um local onde um comerciante contratou oito pessoas para separar cerca de 5 mil quilos de ovos, bananas e batata doce em 500 kits, cada um com cerca de 10 quilos.
4) Como está sendo feita a distribuição desses kits?
Os kits estão sendo entregues para famílias carentes que foram identificadas por líderes locais. Cada família pode comprar um kit de 10 quilos de alimentos a um preço de R$ 12,00, R$6,00 ou de graça. Esse preço representa um desconto de 60%, 80% e 100% do preço normal desses produtos no comércio local. Existem diversos motivos para não termos optado por um modelo de doação: doações geram aglomerações de pessoas, o que além de facilitar a disseminação do coronavírus, não garante que os produtos vão chegar nas famílias corretas, geram um grande constrangimento em pessoas trabalhadoras que estavam acostumadas a viver de sua própria renda e acabam canibalizando o comércio local.
Para garantir que os preços acertados fossem realmente aplicados, montamos uma série de mecanismos de compliance com ajuda da associação de moradores.
5) Você acha que essa iniciativa pode impulsionar o surgimento de ações semelhantes que beneficiem outras comunidades?
Nós todos acreditamos muito nesse modelo, que além de ajudar moradores de favelas a comprarem produtos frescos a preços extremamente acessíveis, ajuda pequenos produtores rurais e gera renda para comerciantes locais. Temos grande convicção que essa primeira entrega servirá como um estande de venda (showroom) para pessoas e organizações.
Lars Meyer Sanches é professor no Insper desde 2002 em cursos de Graduação, Pós-graduação e Educação executiva. Bacharel em Ciência Econômicas pela UNICAMP, Master of Engineering in Logistics pelo Massachusetts Institute of Technology (MIT) e doutor em Engenharia dos Transportes pela UNICAMP. Atuou como Professor Visitante no Massachusetts Institute Of Technology – MIT (2018-19), onde continua como Pesquisador Afiliado.