15/01/2014
Com um dos metros quadrados mais caros da América Latina, a paulistana Oscar Freire perde grifes internacionais e recebe lojas de marcas populares
São mundialmente famosas as chamadas ruas de compras, onde as marcas de luxo instalam suas grandes lojas, com vitrines especialmente criadas para chamar a atenção de moradores locais e, principalmente, de turistas. Entre os exemplos estão a Quinta Avenida, em Nova York, e a Champs-Élysées, em Paris. No Brasil, a rua Oscar Freire, nos Jardins, bairro nobre de São Paulo, foi por muito tempo a que mais se aproximou dessa proposta, mas a região viu seu estilo mudar bastante nos últimos anos.
Principal ponto de comércio de luxo de São Paulo, a Oscar Freire atingiu seu auge entre 2004 e 2006, quando uma reforma a deixou ainda mais valorizada. Entre as intervenções, foi feito o aterramento da fiação elétrica, o nivelamento e a reforma das calçadas e até mesmo a incorporação de totens com a localização das lojas instaladas na rua. “Em 2006, conseguimos patrocínio para reurbanizar a rua, dar esse diferencial, e passamos a ter uma região de comércio a céu aberto como os outros lugares do mundo”. afirma Rosangela Lyra, presidente da Associação dos Lojistas dos Jardins.
“As marcas europeias de luxo têm uma cultura de loja de rua e foi um movimento natural elas se instalarem na Oscar Freire, principalmente depois das intervenções urbanísticas. Além disso, naquele período não havia tantas opções de centros de compra de luxo”, analisa o professor Luiz Fernando Turatti, coordenador do Centro de Estratégia do Insper. A reforma valorizou ainda mais o espaço e, em 2008, a rua se consolidou como o segundo aluguel de ponto comercial mais caro do país, ficando atrás apenas do Shopping lguatemi, outro conhecido espaço do comércio de luxo em São Paulo. Mas o aumento da concorrência e o crescimento da classe média começaram a transformar a região revitalizada há tão pouco tempo. Com a chegada em São Paulo de shopping centers como o Cidade Jardim e o JK lguatemi, além do anúncio de um centro de compras nos Jardins para 2015, o que se viu então foi uma saída continua de grandes marcas. Nomes como Christian Dior, Cartier e Salvatore Ferragamo acabaram fechando suas portas na Oscar Freire e nas transversais para se instalar em pontos mais específicos para o seu público.
Mas os espaços deixados pelas grifes estrangeiras não ficaram desocupados por muito tempo. Desde 2009, uma série de marcas consideradas mais populares, inauguraram na Oscar Freire lojas comuns ou as chamadas flag ships, as lojas-conceito, que deram um ar mais variado à região. A última inauguração de destaque foi a loja da Riachuelo, em uma das esquinas mais caras do bairro, no cruzamento da Oscar Freire com a também valorizada Haddock Lobo. “Se uma marca vai instalar uma loja-conceito, a Oscar Freire e os Jardins são uma referência. Temos aqui os melhores hotéis, os melhores restaurantes, e a chegada não só da Riachuelo, mas da Melissa, da Havaianas e da Natura, mostra quão forte e única é a região e com produtos acessíveis para todos os públicos”, ressalta Rosangela. Além das marcas citadas pela presidente da associação, também Lupo, Hope, Adidas, Citroën e Arezzo desenvolveram espaços especiais para se instalar no bairro nobre.
O bairro dos Jardins como um todo concentra três dos cinco endereços mais caros para locação de lojas de luxo em São Paulo, segundo pesquisa da consultoria Cushman & Wakefield (quadro abaixo), e o metro quadrado de uma loja na Oscar Freire sai, em media, por R$ 256 ao mês.
“O que está acontecendo na Oscar Freire não é nada diferente do padrão internacional, como em Nova York ou em Paris. Era uma rua focada só no mercado de luxo, isso não é bom. A chegada dessas outras lojas é ótima, porque traz mais fluxo de pessoas. A rua vai ter um mix mais saudável, mais efetivo”, diz Anthony Selman, diretor de transações da Cushman & Wakefield.
Além do lucro
Como estratégia de marketing, a chegada de outras marcas também é bem vista pelos analistas. “Isso é uma prova de que a rua está funcionando. Os shopping centers são mais regionais, para o bairro, uma rua como a Oscar Freire dá a oportunidade de ser conhecido no pais”, analisa Selman. “A flag ship é uma boa, desde que faça parte de algo maior, de uma ação maior. É preciso ter algo que se comunique com o consumidor que frequenta a rua”, afirma Turatti, do Insper.
No entanto, não há um consenso sobre a possibilidade de desvalorização da rua com a saída das marcas de luxo. Para o professor do Insper, se isso acontecer, levará ainda algum tempo. “A Oscar Freire ainda mantém um valor de ponto comercial, é uma aura que não vai cair automaticamente. Mas é preciso ter algum esforço conjunto, mesmo porque em São Paulo há o problema da segurança, que é critico, mas no shopping é menor do que na rua”, analisa Turatti.
Já para Selman, é grande a chance de os pontos comerciais valorizarem. Ele acredita que até mesmo as lojas que se instalam na região como estratégia de marketing podem ganhar com as vendas. “A rua em geral oferece uma chance maior de fazer algo mais elaborado; não é fácil achar elementos arquitetônicos tão maleáveis nos shopping centers e isso atrai as empresas e os consumidores. Claro que temos alguns fatores que limitam, como o clima ou o trânsito, mas a Oscar Freire vende bem e as lojas lá podem vender até melhor do que as dos shoppings.
“A presidente da Associação dos Lojistas dos Jardins entende que, com a mudança, o local deixa de ser um espaço de luxo para ser um espaço de lazer. “Quando as pessoas viajam para o exterior, o que mais gostam de fazer é caminhar pelas ruas. É muito bom poder repetir essa experiência de bem-estar aqui no Brasil, ainda mais agora que temos opções para vários públicos”, comenta Rosângela. A intenção da associação é levar o formato da Oscar Freire para outras ruas da região, além de promover uma reforma na própria rua para renovação de mobiliário e iluminação.
“Se a questão de segurança melhorar, podemos ter o Jardins cheio de Oscar Freires. É possísel. Uma rua só não é o suficiente para uma cidade como São Paulo”, argumenta o analista da Cushman & Wakefield.
Fonte: Revista América Economia – 01/01/2014