Trata-se de uma das legislações mais esquisitas de que tenho notícia, nestes 30 anos de democracia. A lei diz basicamente o seguinte: qualquer pessoa, ou empresa, que se sentir ofendida, em sua “honra, intimidade, reputação, conceito, nome, marca ou imagem” por alguma “matéria, nota ou reportagem”, poderá requerer direito de resposta ao respectivo veículo de comunicação. Significa mais ou menos o seguinte: se a Vale do Rio Doce se sentir prejudicada, em sua imagem, por uma matéria referente à tragédia de Mariana, poderá recorrer. Não importa se os fatos sejam falsos ou verdadeiros.
Tampouco importa se estivermos falando de um blog, de uma revista semanal, um grande jornal ou uma pequena rádio comunitária. O departamento jurídico da empresa acionará o veículo e pedirá a resposta. Se ela não for dada em até sete dias, a empresa vai à Justiça. O juiz, a seu critério, e em rito sumário, determina que a publicação seja feita.
O curioso é que a lei vale igualmente para artigos de opinião. Vamos imaginar: um colunista publica um artigo criticando o atual presidente da Câmara, Eduardo Cunha, pelas estranhas explicações referentes às suas contas na Suíça. Por mais criativo que seja o sujeito, será difícil não ferir certas suscetibilidades do deputado. Ele pode achar que foi chamado de “mentiroso”, por exemplo. Não era a intenção do colunista, mas foi o que ele achou. O texto pode ter passado essa ideia, nas entrelinhas. Não dá outra: direito de resposta. Distinguir “fatos” de “opiniões” já seria algo bizarro, no universo caótico da comunicação. Cada tribunal teria de contratar um epistemólogo para fazer as distinções. “O governo não fez nada para conter a inflação”, escreve o pobre blogueiro. Fato ou opinião? O juiz poderia consultar um bom economista para elucidar o problema. Mas ficaria a pergunta. Bom economista: fato ou opinião?
E as redes sociais?
Outra curiosidade da lei é oferecer o mesmo direito de resposta na internet. Logo me lembrei de um artigo que observava que, com o advento “blogosfera” e das redes sociais, virtualmente nos tornamos “veículos de comunicação social”. Confesso que nunca entendi bem o que a palavra “social” fazia ali. Haveria algum “veículo de comunicação” não social, ou antissocial? Logo me perguntei: e a coisa vale também para o Facebook? E para o Twitter? As duas redes, sozinhas, podem impactar muito mais na “reputação” de alguém do que a esmagadora maioria dos jornais e revistas. Pela lógica, agora teríamos o “Twitter resposta”, ou o “post resposta”. Perguntei-me também: e se o sujeito escrever em um site argentino, em castelhano? Hoje a turma anda lendo muito coisa em sites estrangeiros. A lei se esqueceu desse detalhe.
Uma consequência previsível da nova legislação, se alguém leva-la a sério, é inundar a mesa de trabalho de nossos juízes com pedidos de resposta de milhares de ofendidos. Sabe como é… o ser humano é sensível. Agora, imaginemos: dado que o rito é sumário, os juízes a cada momento teriam que parar tudo o que estão fazendo para analisar o pedido de um político contra – vamos ser justos – o site Brasil 247 ou os Revoltados online. Alguém deve imaginar, definitivamente, que nossos juízes não tem nada mais importante para fazer. A nova lei me parece o triste resultado de uma sociedade com propensão de judicializar as relações sociais. Antes do entendimento e do exercício do diálogo e da razoabilidade, apostamos no conflito – mediado por um juiz, para a coisa ficar importante.
Não compreendemos ainda que a própria sociedade pode ser capaz de filtrar o que é a boa e a má informação. Que cada cidadão será cada vez mais um “veículo de comunicação” e que será bom para a democracia que todos aprendam a lidar uns com os outros. Que aprendam a agir com responsabilidade, mas também a exercer a crítica, quando julgarem necessário, com força e independência. Por certo, a lei será declarada inconstitucional, no Supremo, e tudo não terá passado de mais um episódio curioso da história de nosso Parlamento.
Fonte: Revista Voto Online – 17/01/2016