10/09/2014
Gestão na época da incerteza. O cenário de baixo desenvolvimento, com inflação crescente, produção em queda, confiança reduzida e política indefinida tem tirado o sono dos empreendedores. Ainda que não dê para prever exatamente como será a evolução desse panorama, é possível adotar medidas para navegar com mais segurança, aumentando a eficiência da empresa e buscando oportunidades para ampliar a receita.
1) Devo esperar que 2015 seja melhor do que este ano?
Em 2014, não tivemos um cenário fácil. Com a expectativa da Copa, feriados e eleições, os empreendedores já haviam feito previsões de crescimento modesto. E muitos não devem bater nem mesmo essas metas reduzidas. Para o próximo ano, as projeções indicam um período parecido com o atual, e será preciso manter a cautela.
De acordo com a pesquisa Focus, divulgada pelo Banco Central no dia 15 de agosto, a perspectiva de crescimento do PIB para 2014 é de 0,79%, e para 2015, de 1,2%. “As condições estruturais da economia mudaram. O período de crescimento dos últimos oito a dez anos não vai se repetir”, afirma Clemens Nunes, professor da FGV-EESP (Escola de Economia de São Paulo, da Fundação Gertulio Vargas).
Segundo ele, fatores que propiciaram o aquecimento da economia, como o deslocamento de recursos dos Estados Unidos e da zona do euro para o Brasil, a expansão da China – que demandava um grande volume de commodities – e o alto crescimento do consumo no mercado doméstico não exercem mais uma influência tao marcante. Portanto, na hora de fazer o planejamento do futuro, não se deve levar em conta a bonança do passado.
2) Dá para crescer, mesmo com perspectivas ruins?
Sim, mas é preciso procurar as oportunidades nos setores e nas regiões que apresentam expansão acima da media. “O interior do pais tem um potencial gigantesco de consumo”. diz Paulo Alvim gerente da Unidade de Acesso a Mercados e Serviços Financeiros do Sebrae. “De cada RS 10 gastos no Brasil, R$ 4 são de itens adquiridos pela população do interior. Isso dá um volume de R$827 bilhões ao ano.” Os segmentos que continuam crescendo geralmente apresentam vantagens competitivas. “Um exemplo é o setor de óleo e gás, que tem potencial de exploração. Outro é o agronegócio: o Brasil dispõe de terra, clima e tecnologia”, afirma Clemens Nunes, professor da FGV-EESP. Para quem não se enquadra nessas categorias, o especialista recomenda tentar um aumento de receita. “Se um concorrente deixa o mercado, é uma chance de conquistar os clientes dessa empresa”, diz.
3) A inflação vai continuar subindo?
Sem a definição das eleições e sem saber exatamente qual política o governo irá seguir, é difícil prever como será o controle dos preços. Como alguns valores têm sido “segurados” pelo governo federal – caso do combustível e da energia elétrica-, pode-se esperar mais uma alta generalizada quando esses itens forem reajustados. “O cenário político está bem confuso. É quase certo que haverá segundo turno, e pode existir muita diferença entre um candidato e outro. É preciso esperar o resultado das eleições e ver o baque dos preços e tarifas”, afirma Luciana Yeung, professora de Economia do Insper.
4) Devo repassar a alta dos insumos ao consumidor final?
Depende. Se a inflação tem impactado o preço das matérias-primas, aumentar o valor cobrado do consumidor final pode ser uma solução. Mas é necessário testar em que ponto o cliente deixa de comprar o produto e procura o concorrente – ou simplesmente elimina o item da sua cesta de compras, se considerá-lo supérfluo. Caso decida aumentar o preço, vale investir na conquista do cliente, com marketing e políticas de fidelidade. “A ênfase no relacionamento pode fazer com que o consumidor deixe a questão do valor de lado”, afirma Luiz Fernando Biase o, sócio sênior da GS&MD Gouvêa de Souza. Se você disputa o consumidor com muitos competidores, provavelmente só conseguirá aumentar os preços se o resto do mercado o fizer. “Em setores competitivos, é melhor reduzir os custos ou a margem de lucro”, diz Clemens Nunes, da FGV-EESP.
5) Se não puder aumentar os preços, como faço para manter a margem?
Ninguém quer sacrificar o lucro. Mas, se não é possível ampliar a receita, manter o retorno depende de cortar gastos e tomar a empresa mais eficiente. O primeiro passo é analisar os custos e identificar o que pode ser controlado. “O empreendedor não negocia o preço da energia elétrica, mas pode evitar o desperdício”, afirma Clemens Nunes, da FGV-EESP.
Aperfeiçoar os processos de trabalho, com o objetivo de reduzir perdas e aumentar a produtividade, é outra etapa importante. Como a manutenção do estoque aumenta a necessidade de capital de giro, a recomendação é administrar a quantidade de produtos armazenada. Se os itens estão “encalhados”, um caminho é fazer promoções. Vale dar o desconto, mesmo que isso implique perder dinheiro. Se o fornecedor está pago e o produto não foi vendido, o empreendedor já está usando recursos para mantê-lo”, diz Luiz Fernando Blase da GS&MD.
Vale ainda negociar preços e prazos de pagamento das matérias-primas. Em uma crise, todos estão no mesmo barco – e o fornecedor pode preferir vender por menos a perder o cliente. 6,25% é a projeção do IPCA acumulado para 2014, de acordo com o relatório Focus, publicado pelo Banco Central em 15 de agosto. Para o ano Que vem, a estimativa é que o índice alcance 6,25%.
6) É um bom momento para fazer investimentos?
Tome cuidado com as expansões de alto risco, que exijam empréstimos de longo prazo. Um compromisso como esse obriga a empresa a pagar as prestações durante anos, seja qual fora sua situação. “Vivemos um momento de dúvidas eleitorais e macroeconômicas. Isso significa incertezas em relação às taxas de juros e de câmbio pelos próximos 24 meses”, diz Vinicius Botelho pesquisador associado do FGV-Ibre (Instituto Brasileiro de Economia. da Fundação Getulio Vargas). Antes de assumir dividas, é recomendável entender quais serão os impactos da desaceleração no seu negócio. “Os ciclos de expansão da economia são espasmódicos. Não sabemos ainda se foi só uma quedinha”, diz Luciana Yeung, do insper. Se for imprescindível fazer empréstimo recorra a linhas como a do BNDES, com taxas mais amenas, ou negocie no banco o uso de garantias para diminuir os juros.
7) Qual é a melhor forma de financiamento, dada a alta da Selic?
A taxa Selic vem subindo desde abril de 2013. Na última reunião do Copom (Comitê de Politica Monetária), em julho deste ano, foi fixada em 11%. Somando esse fator à incerteza da economia, o resultado é a elevação dos custos dos empréstimos bancários. O indicado, agora, é usar o máximo possível de capital próprio. “Não é o momento de aumentar o endividamento. Com os juros elevados, o acesso ao crédito fica mais difícil”, afirma Clemens Nunes, da FGV-EESP. Para fazer caixa, vale girar o estoque dentro do prazo de pagamento do fornecedor, reduzindo a necessidade de capital de giro.
Outra opção é desfazer-se de um ativo que não seja útil para a operação. “É importante ter liquidez”, diz Celso Grisi, economista e professor da FIA (Fundação Instituto de Administração ), 3,44% ao mês foi a taxa de juros média para a pessoa jurídica em junho, segundo a Anefac (Associação Nacional dos Executivos de Finanças. Administração e Contabilidade). É a maior taxa desde julho de 2012.
8) Qual será o impacto da taxa de câmbio no meu negócio?
A variação do dólar é ainda uma incógnita, a depender do resultado das eleições, da política a ser adotada no ano que vem e da quantidade de recursos estrangeiros que poderá entrar no pais. Nos últimos meses, a moeda americana tem se mantido na faixa de R$ 2.20 a RS 2.30. Uma eventual valorização do real baratearia as importações e prejudicaria as exportações. Mas o contrário aumentaria o preço das matérias primas e dos produtos estrangeiros, o que elevaria também a inflação. “A relação de equilíbrio é muito tênue. O Brasil ainda importa muito, principalmente bens de capital. Se o dólar for para R$ 3, vai haver um impacto nos negócios”, afirma Luclana Yeung, do Insper.
9) Meus clientes vão perder o emprego e comprar menos?
A taxa de desocupação (percentagem das pessoas desocupadas em relação às pessoas economicamente ativas) manteve-se abaixo de 6% no último ano, segundo a Pesquisa Mensal de Emprego do IBGE A criação de vagas formais, no entanto, tem oscilado, de acordo com o Caged (Cadastro Geral de Empregados e Desempregados).Em abril deste ano, foram abertos 105.386 postos com carteira assinada Em julho, esse número foi de 11.796.
Industries como as montadoras de automóveis têm adotado planos de demissão voluntária e férias coletivas para acomodar a redução das vendas. Esses mecanismos atrasam as dispensas de fato, mas a desaceleração da economia pode ter um impacto tardio no emprego e na renda a partir de 2015. “Depois que se reduz o número de vagas formais, existe um enfraquecimento nas contratações e a consequente queda nos salários.
“Com isso, é possível que aconteça um ajuste no consumo”. afirma Vinicius Botelho, do FGV-Ibre. Se o orçamento aperta, o consumidor começa a abrir mão dos Itens supérfluos e mais caros – o que traz de volta a necessidade de Investir na fidelização e no relacionamento com o cliente. Luciana Yeung, do Insper, alerta que as mudanças nos hábitos de consumo pelas quais os brasileiros passaram nos últimos anos vieram para ficar. “A população já consome uma cesta de bens que inclui itens tecnológicos, por exemplo. Essa demanda não vai retroceder”, diz.
10) Quando devo demitir?
Se existe a necessidade de diminuir o quadro de funcionários, seja pela redução nas vendas, seja para gastar menos, vale analisar qual é o grau de especialização e treinamento desse colaborador. Se você já investiu na formação dessa pessoa, o custo de demiti-la pode não valer a pena – especialmente se houver a perspectiva de abrir essa vaga novamente, quando a situação melhorar. “Se houver alguma previsão de que a dificuldade vá passar, vale segurar o profissional até o limite, em razão do custo de preparar outro mais para a frente”, afirma Luiz Fernando Biasetto, da GS&MD. Ou seja, quanto mais qualificada fora equipe, mais valerá a pena mantê-la.
Fonte: Revista PEGN – 08/09/2014.