04/10/2013
GRANDES LÍDERES – O engenheiro e economista levou para o campo da educação as melhores práticas aprendidas em uma longa carreira no mercado financeiro. E foi assim que fundou o Insper, uma das mais prestigiadas faculdades do país
Ele foi sócio de um dos mais inovadores bancos de investimento já surgidos no país e é um dos acionistas da Anheuser Busch InBev, o grupo gerido pelos brasileiros que conquistaram marcas globais como Budweiser, Burger King e Heinz. Trabalhou no governo e se tornou, com apenas 33 anos, o primeiro diretor da dívida pública interna do país. Engenheiro e economista com Ph.D. pela Universidade de Chicago, o maior celeiro de prêmios Nobel em Economia, aos 65 anos ele continua trabalhando, mas não ganha salário. É presidente do Insper (que nasceu como Ibmec), uma instituição sem fins lucrativos. Como fundador e patrocinador, abriu mão de remuneração. “É um trabalho voluntário”, brinca.
Sua maior preocupação é perpetuar o Instituto de Ensino e Pesquisa como seu principal legado e fazer do Insper (sigla de “inspirar, pertencer e transformar”) a base de um centro de conhecimento de primeira linha mundial. Até agora são 3 mil formados nos cursos de graduação e 8 mil pós-graduados em economia e administração. O próximo passo, em 2015, será a engenharia, que vai ganhar um curso diferenciado – por apostar no espírito empreendedor dos futuros engenheiros. Esse é o carioca Claudio Haddad, que adotou São Paulo e trouxe para o campo da educação as melhores práticas de negócios aprendidas em uma longa carreira ao lado do trio Jorge Paulo Lemann, Marcel Telles e Beto Sicupira, desde os tempos do Banco Garantia – uma referência de inovação no mercado financeiro.
A EDUCAÇÃO ESTÁ NO SANGUE
“Minha mãe era professora de inglês no ensino médio. Meu pai foi uma figura eclética: catedrático de Matemática pela Universidade Federal do Rio de Janeiro, lecionava tanto em universidade como em escolas, como o tradicional colégio Pedro II. Foi sub-reitor da UFRJ, diretor da primeira faculdade de Estatística do Rio e depois se formou em Direito, trabalhou em empresas e administrava incorporações imobiliárias. Com valores muito definidos, a educação sempre foi vista como prioridade em minha família. E foram essas influências que nortearam minhas escolhas profissionais. Minha primeira formação acadêmica se deu em Engenharia Mecânica, que eu nunca exerci além de um estágio. Quando já estava no terceiro ano, eu e alguns amigos decidimos cursar a faculdade de Administração à noite. Trabalhava em um órgão do governo, o Ipea, fazendo pesquisas econômicas, e ainda faltavam seis meses para me formar. Mas nem completei o curso, porque ganhei uma bolsa e fui estudar Economia em Chicago. Casei e segui para os Estados Unidos. Como a bolsa era pequena, minha mulher trabalhava para ajudar a nos sustentar. Eu sempre brinco que ela fez um bom investimento.”
“Descobri que Economia era uma área de que eu gostava. Os tempos da Universidade de Chicago foram uma experiência marcante por tudo. Mas o que mais me impressionou foi a presença dos que mais tarde viriam a ser os ganhadores de prêmios Nobel, como Milton Friedman, com quem tive aulas, Gary Becker, Merton Miller, James Heckman. Eram pessoas intelectualmente brilhantes num ambiente estimulante.”
“O sistema educacional americano funciona muito bem, embasado em meritocracia e no rigor acadêmico e cientifico. Tudo isso marca quem passa por lá. Conheci muita gente que, depois, nos meus tempos do Banco Garantia, trouxe para trabalhar no Brasil. Continuei tendo contatos frequentes com a Universidade e, quando montei o Ibmec, em São Paulo, troquei ideias com essas pessoas sobre como fazer. Tudo o que faço hoje está baseado alguma coisa que aprendi com alguém que já fez no passado. Eu não sou original em nada. O que peguei, adaptei.”
NOS TEMPOS DO GARANTIA
“Era um lugar com pessoas extremamente competentes em um ambiente meritocrático, totalmente aberto e transparente. Realmente se progredia de acordo com o mérito e se via e se aprendia muita coisa – um banco de investimentos lida com vários problemas, desde política econômica, quem faz o que nas empresas, à parte internacional. Foi uma escola importante em minha vida, uma fase em que aprendi muito, principalmente em um ambiente de parceria e sócios. Acho que também dei uma contribuição. A corretora havia sido formada em 1971 e virou banco em 1976, justamente quando eu cheguei lá como consultor. Saí da FGV em 1979 para ficar em tempo integral no Garantia, até ser convidado, em 1980, por Ernani Galvêas [então presidente do Banco Central], para ser o primeiro diretor da Dívida Pública Interna. Ali permaneci por três anos. Cuidava das operações de mercado aberto, da compra e venda de títulos. Tinha 33 anos, era pouco experiente, nunca havia trabalhado no governo e foi uma experiência muito interessante. Aprendi como as coisas funcionam, como as políticas são feitas e decididas, como é a criação de uma política econômica, todo um contexto que é extremamente rico para qualquer outra atividade profissional ligada à questão de dinheiro. Depois voltei para o setor privado porque descobri que não teria a necessária paciência para esperar. No governo as coisas demoram para acontecer. Sou mais uma pessoa do setor privado, que vai, toca e resolve.”
“Então voltei novamente ao Garantia como economista-chefe para montar o departamento de Contas e Finanças. A ideia era que o banco fosse perenizado. O problema é que faltou uma geração intermediária de sócios. O ambiente era competitivo e havia uma composição de sócios mais velhos e mais jovens, sem uma camada intermediária que acabou saindo no meio do caminho. Se por um lado os valores eram os mesmos, todo mundo muito ético, existiam divergências de objetivos, até pelo momento de vida de cada um. Havia as diferenças no apetite para riscos, uma nova conjuntura, a crise na Ásia, uma estratégia mundial de globalização – fatores que pesaram na decisão de venda do banco. [Em junho de 1998, o Garantia foi adquirido pelo Credit Suisse por US$ 800 milhões]. É preciso que haja uma afinidade constante no grupo para que a empresa continue andando na mesma direção. É difícil manter uma instituição com sócios e objetivos tão diferentes.”
A VIDA EM SOCIEDADE
“Sócio é fundamental. É duro ficar sozinho tomando decisões. É bom trazer pessoas para o jogo e ter os principais executivos ligados ao sucesso do empreendimento. Como tudo na vida, tem o lado bom e o complicado. Complicado é que, para a sociedade funcionar, é necessário ter valores e objetivos alinhados. Muitas vezes, as coisas começam bem e, no meio do tempo, mudam. Um quer continuar trabalhando, o outro quer ir para a praia. Um quer comprar a empresa X e o outro não. Então as diferenças de opiniões e objetivos podem acontecer. Por isso, deve-se ter desde o início um mecanismo de solução de disputas. As pessoas também têm de se complementar. É importante esse fator para a coisa não ficar monolítica, todo mundo igual, errando e acertando ao mesmo tempo.”
MUDANÇA DE RUMO
“Passei mais de 20 anos no mercado financeiro e queria fazer algo diferente. Comecei minha vida em educação. Fui professor da Fundação Getulio Vargas, no Rio de Janeiro, durante alguns anos e descobri que não queria seguir a vida acadêmica. Eu gostava mais de botar a mão na massa e fazer coisas. E também queria ganhar mais dinheiro. Então acabei indo para o mercado financeiro. Quando saí do banco, percebi uma oportunidade no Brasil porque existiam poucas instituições efetivamente de qualidade. Havia a FGV, que era privada, mas na verdade sempre foi ligada ao governo. Sua própria origem é uma doação do governo. Naquele tempo eu estava mais interessado em atividade educacional com fins lucrativos e, talvez por ter começado em casa, com meus pais professores acreditando que a educação é importante, fui evoluindo nesse pensamento, achando que deveria deixar um legado. Daí a doação feita em 2004 ao Ibmec (com a participação de vários sócios do Garantia), criando em São Paulo uma instituição educacional sem fins lucrativos e que se tornou o Insper.”
“Na época, também nos Estados Unidos, vários grupos tinham surgido na área de educação com fins lucrativos. Mas, no Brasil, a licença para abrir uma faculdade era dificílima de obter. Havia uma falta de flexibilidade da legislação que só foi alterada no governo de Fernando Henrique – o que permitiu montarmos o Ibmec em São Paulo. Houve muitas criticas achando que com isso a qualidade do ensino caiu, o que não é verdade. Certa vez, o educador Cláudio de Moura Castro fez um estudo das qualidades das novas instituições versus as das que já existiam. E as novas são melhores, em média.”
CABEÇA INTERNACIONAL
“No Garantia, havia a influência da personalidade do Jorge Paulo Lemann, suíço-brasileiro, que estudou em escola americana, formou-se em Harvard, inglês perfeito, competiu e ganhou torneios de tênis no Brasil e no exterior. Ele sempre foi uma figura internacional dentro do grupo. Nunca dormiu em cima dos louros. E, embora muita gente fale inglês, poucas pessoas têm uma cabeça internacional. O Brasil, durante muito tempo, foi um país de economia fechada. O mercado interno sempre foi muito bom para quem tinha capacidade de montar um negócio e fazer funcionar. Então para que tentar ser competitivo internacionalmente se a empresa vai bem? No Garantia, sempre procuramos fazer o melhor, buscando as experiências bem-sucedidas de outros para que pudessem ser adaptadas. Se tem algo que eu aprendi é que, sem adaptação ao nosso contexto, raramente as coisas funcionam. Foi assim com o Goldman Sachs, nosso benchmark* quando fomos para Nova York. E agora no Insper também, com a Harvard Business School, que mantém um curso de treinamento para onde enviamos três ou quatro professores a cada ano. Eu mesmo passei por esse curso e fui convidado para fazer parte do visiting commitment, uma comissão externa de avaliação. Nossa comissão no Insper também é formada por pessoas de fora, todas muito bem-sucedidas em competências variadas, como Affonso Celso Pastore, Cláudio de Moura Castro e Fábio Barbosa, que se reúnem uma vez por ano para discutir temas estratégicos do instituto. É importante esse ponto de vista externo para nos melhorar, nos reorientar. Não há problema algum em copiar o que os outros fazem bem. Ficar inventando a roda é que não vale a pena.”
A ASCENSÃO DA CLASSE C
“Acho que há espaço para todos. Melhor do que ficar dizendo isso pode ou isso não. O mercado é que vai decidir, por competência, quem vai para a frente. Por mais onisciente que possa ser o burocrata, é impossível saber exatamente o que a população deseja: muita gente quer uma faculdade perto de casa, a preço acessível. Sabe que não vai ser grande coisa, mesmo porque a pessoa vem também de um ensino médio fraco e não teria condições de estudar numa faculdade muito mais puxada E aquilo traz valor para ela. Então está muito bom.”
“Espaço para o empreendedorismo sempre tem. Acho que existem algumas economias de escala em educação, mas não são tão grandes assim. Há, em vários estados, instituições de qualidade que competem bem com as filiais desses grandes grupos – não só no ensino superior, mas também no básico. Hoje vemos escolas privadas voltadas para a classe média mais baixa. É outro nicho surgido no Brasil, dada a baixa qualidade do ensino público e o crescimento da renda e a consequente ascensão dessa camada. E isso é muito positivo. Há também o setor de educação a distância. Ninguém sabe ainda muito bem qual será o modelo econômico viável. Também os cursos de treinamento e os de idiomas têm um espaço enorme no campo da educação. Segundo uma pesquisa, no Brasil, só 5% dos jovens entre 14 e 24 anos têm aprendizado considerado adequado. Isso é uma tragédia em termos de educação. Então, tem muita oportunidade.”
“Uma coisa eu aprendi ao longo do tempo. Em um banco, as coisas acontecem mais rápido. As transações e os resultados são imediatos: ou ganho ou perco. Já em educação as coisas acontecem num longo prazo. Demanda, a princípio, certa paciência. É preciso manter a consistência e não esperar obter lucros imediatos, O raciocínio financeiro não funciona bem em educação. Uma faculdade que começa do zero precisa de pelo menos uns quatro ou cinco anos – o tempo de formação da primeira turma – para estabelecer uma reputação e criar uma comunidade em torno daquele conceito. Não existe história rápida em educação.”
ENGENHARIA EMPREENDEDORA
“A partir de 2015 vamos oferecer cursos de mecânica, mecatrônica e sistemas de computação. Seria desejável o envolvimento de grandes grupos empresariais, não só no sentido de levantar fundos para projetos, mas também de conhecer e dar sugestões do que eles acham importante desenvolvermos, mantida sempre nossa independência acadêmica. Com a Engenharia, gostaríamos de ter como objetivo um círculo virtuoso entre academia, empresas, financiadores e empreendedores. Criar um microambiente similar ao que já existe em faculdades como Boston, Stanford e Tel Aviv. A ideia é formar engenheiros empreendedores.”
“Gostaríamos que alguns deles se engajassem em novos projetos e de tentar colocá-los em contato com potenciais financiadores, ou mesmo que trabalhem para empresas, empreendendo e inovando dentro delas. Esse é o modelo de uma faculdade americana, a Franklin Olin, em Boston, com um novo conceito em cursos de engenharia. Estive lá algumas vezes e fizemos um acordo de cooperação. Eles estão nos ajudando na montagem do currículo e no treinamento de professores.”
“Procuramos ter o máximo de integração entre os diversos cursos do Insper. Por exemplo, na nossa pós-graduação em Direito promovemos a sinergia com a parte de administração, ministrando direito societário, econômico, tributário etc. Também o curso de MBA em Gestão de Saúde tem a ver com a área de administração. No caso da Engenharia, mesmo sendo um curso de ciências com disciplinas como física, mecânica e resistência de materiais, queremos também um profissional com conhecimento de liderança e empreendedorismo, algo que ele vai adquirir por meio das matérias de administração. A ideia é que ele saia da faculdade sabendo não só a parte tecnológica como também tenha noção de importância, e, por que não, saiba como ganhar dinheiro em cima de alguma coisa que vai adicionar um valor à sociedade.”
Fonte: Revista Pequenas Empresas e Grandes Negócios – Outubro de 2013, por Nelson Blecher