07/12/2021
Evento reúne representantes da academia, da política, do empresariado e do ativismo social para conversa a respeito dos desafios atuais na área da inclusão social
Nesta terça-feira, 6 de dezembro, o Insper, em parceria com o PNBE – Pensamento Nacional das Bases Empresariais, promoveu o segundo debate do ciclo “A Democracia que Queremos”.
Com o tema “Como incluir o cidadão”, o encontro contou com a participação de Marcos Lisboa, presidente do Insper; Fernando Limongi, cientista político, professor da Fundação Getúlio Vargas e pesquisador do Cebrap; Michael França, pesquisador, coordenador do Núcleo de Estudos Raciais do Insper e colunista do jornal Folha de S.Paulo; e Ricardo Paes de Barros, professor e coordenador da cátedra Instituto Ayrton Senna do Insper.
Na sequência das apresentações, o debate com o tema A sociedade civil e a democracia reuniu Kim Kataguiri, deputado federal, Mafoane Odara, colunista, consultora, pesquisadora e ativista, e Mario Ernesto Humberg, presidente do Conselho Consultivo do PNBE, em um bate-papo moderado por André Lahóz Mendonça de Barros, coordenador executivo de Marketing e Conhecimento do Insper, e Luís Villaça Meyer, coordenador executivo do PNBE e presidente do Instituto Cordial.
De acordo com Marcos Lisboa, até 2017, é possível observar uma evolução do investimento para beneficiar setores mais vulneráveis no país. Porém, ao analisar o impacto desses gastos na vida das pessoas, os resultados não são bons. “Ao observarmos a evolução dos gastos com educação no Brasil em comparação com os indicadores de resultados dos alunos, por exemplo, a situação é frustrante. Nosso país tem o pior desempenho dado o volume de recursos gastos, ao analisarmos o Pisa (Programa Internacional de Avaliação de Estudantes)”, diz Lisboa. “Precisamos entender as razões que levam a nossa tecnologia de transformar gastos públicos em resultados ser mais ineficaz que a de outros países emergentes.”
Limongi destacou a ausência de padrão que possa ajudar a mensurar e definir se uma democracia tem mais qualidade do que outra. “Se analisarmos o desempenho de uma parte específica de um país, como o crescimento econômico, estamos observando os resultados, e não a democracia em si.”
Portanto, se faz necessário, primeiro, definir o conceito de democracia com o qual está se trabalhando. A democracia, então, seria o regime político no qual governos perdem eleições, aceitam o resultado e abrem a possibilidade de alternância no poder. “A eleição é uma entre várias formas de processar conflitos e seu apelo normativo é fazê-lo de forma pacífica”, diz Limongi.
Do ponto de vista normativo, segundo o professor, para a avaliação da qualidade de uma democracia, o mais importante seria aferir a importância das escolhas institucionais, pelo menos das opções macro, e se concentrar nas reformas na visão micro. “Além disso, é importante reconhecer que não há trade-off, ou seja, um arranjo ótimo e, principalmente, sempre nos perguntar o que queremos quando discutimos a qualidade da democracia.”
Ricardo Paes de Barros apresentou um diagnóstico sobre a situação da pobreza no Brasil e uma proposta com seis passos necessários e suficientes para erradicar a pobreza. O primeiro deles seria o estabelecimento do compromisso e do esforço fiscal corretos. “São necessários R$ 39 bilhões por ano para tirar os 12% da população brasileira que estão abaixo da linha da pobreza, ou seja, os que recebem até 200 reais por mês. Esse montante de recursos representa 0,5% do PIB ou 2% do gasto público social anual. Ou seja, uma semana e meia de dedicação à pobreza seria o suficiente para eliminá-la por meio de transferência de renda.”
A erradicação da pobreza, continua Paes de Barros, não passa apenas pela transferência de renda, sendo necessário o trabalho para a inclusão produtiva dos mais necessitados. E, para isso, é necessário organizar uma fila e estabelecer as prioridades no atendimento. “Já há a capilaridade dos mais de 9 mil Centros de Referência de Assistência Social (Cras) no país, nos quais atuam 250 mil assistentes sociais locais. Com 42 mil deles, ou seja, 17% do total, é possível fazer o diagnóstico das famílias mais pobres.”
A partir dessa constatação, é necessária a capacitação dos agentes para identificar quem precisa ser atendido primeiro, assim como para que eles conheçam os serviços disponíveis para a população mais carente e os caminhos de acesso aos recursos. “O Cras, assim, passaria a ser referência também para políticas e oportunidades sociais”, afirma Paes de Barros.
O sucesso dessa ponte feita pelo Cras com a população mais pobre passaria pela realização de programas intersetoriais eficientes e pela cooperação entre os diversos níveis de governo e organizações da sociedade civil, em um esforço coordenado para atender o que os agentes locais apontam como as principais necessidades da população pobre.
“Por fim, se faria necessária a instalação de um sistema de monitoramento e avaliação, bem cuidadoso e imponente, assim como se vê no exemplo do programa Chile Solidário”, diz Paes de Barros.
A questão do viés racial foi destacada por Michael França como fundamental para compreender a desigualdade e os desafios enfrentados pela população negra no país. “Hoje em dia há em ideia de que raça não é um conceito biológico. Mas os estudos pseudocientíficos da época da escravidão que indicavam uma suposta superioridade dos brancos deixaram legados em nossa estrutura social.”
A criação de políticas públicas no Brasil, segundo França, enfrenta um desafio adicional já que a desigualdade social está relacionada com a desigualdade racial. “Avanços na mobilidade social dos mais pobres não atingiram a população negra, que foi ficando para trás ao longo da história.”
O pesquisador chama a atenção para o caso dos Estados Unidos, onde escolas conseguiram diminuir a distância de resultados na aprendizagem entre brancos e negros. “Isso acaba refletindo positivamente ao longo da vida. O desafio dessas escolas norte-americanas, agora, é replicar essa experiência e verificar sua efetividade em larga escala.”
No que se refere ao Brasil, França aponta um novo cenário racial, com uma mudança estrutural significativa na sociedade. Essas mudanças podem ser constatada em pontos como o aumento da autoidentificação da população negra e a ampliação do acesso ao ensino superior, iniciada com a implantação do sistema de cotas nos anos 2000. “A população negra está atingindo novos postos e criando novas narrativas para pensar a sociedade brasileira. O que aconteceu nos Estados Unidos em 1900, quando ocorreu a formação de uma elite intelectual negra que, 50 anos depois, causou impacto nos direitos civis, talvez esteja acontecendo agora em nosso país.”
A conversa, mediada por André Lahóz Mendonça de Barros e Luís Villaça Meyer, trouxe a visão política, do ativismo social e do pensamento empresarial sobre os principais desafios a serem enfrentados pela sociedade civil para a inclusão social efetiva.
“Teremos problemas de representatividade enquanto tivermos um país tão pobre e desigual, com muitos eleitores sem saber sobre o papel do parlamentar”, afirma o deputado federal Kim Kataguiri. Humberg concorda. “Há um desconhecimento da população sobre o sistema político. Precisamos pensar como uma federação e, ao mesmo tempo, descentralizar Brasília para envolver o cidadão.”
Para Matouane, uma inclusão efetiva passa pela necessidade de fazer as pessoas serem ouvidas em suas reinvindicações e respeitadas em seus desejos. “Além de garantir as necessidades básicas, é preciso pensar sobre como essas pessoas podem desenvolver musculatura emocional para lidar com as dificuldades que estão vivendo e se emanciparem”, diz a ativista.
Assista ao encontro na íntegra:
Como controlar o poder | 14/12 | 14h
Programe-se para o terceiro encontro do ciclo “A Democracia que queremos”
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