Cientista político e professor do Insper para muitos, o impeach-ment não passou de uma deposição da presidente da República sem crime de responsabilidade; para outros, a afirmação da força de nossas instituições.
De uma democracia feita de “pesos e contrapesos”, em que um chefe de Estado, mesmo com suporte de um grande partido político, não pode tudo. 0 debate tomou nove meses. Poderiam ser 18 ou 27 meses. Quem eventualmente teve sua posição contrariada sempre achará que o tempo não foi suficiente ou que, no fundo, não houve debate nenhum. É do jopercebo a violência que se viu nas ruas nestes dias pós-impeachment como um sintoma go. A democracia constitucional é assim: não requer que os cidadãos concordem substantivamente sobre qualquer coisa. Divergir é sua condição e seu direito. E é exatamente por isso que ela estabelece um jeito pacífico de resolver conflitos. “Para que as pessoas não fiquem se matando nas ruas”, na frase bem-humorada de Luiz Felipe Pondé. Reside ai sua beleza. O ponto de encontro entre todos os que, felizmente, pensam diferente. Há um elemento agnóstico aí, dado pela “forma” do jogo. A democracia, numa livre homenagem a Thomas Nagel, como o ponto de vista de lugar nenhum. Percebo a violência que se viu nas ruas de Porto Alegre nestes dias pós-impeaciunent como um sintoma. Quem sabe irrelevante. Talvez não tenha mesmo lá muita importância a destruição da sede de um partido político ou depredações de patrimônio público e privado. Talvez tenhamos nos tornado uma sociedade que paga para não se incomodar e treinada para desculpar o indesculpável. 0 sintoma, que vi nas ruas e na intolerância que pautou todo esse debate, porém, me leva a uma pergunta: o que fazer quando uma parte significativa das cidadãos simplesmente não aceita a democracia como o sistema das “regras do jogo”?
Sempre nos orgulhamos, no Brasil, de termos construído um grande consenso em torno da democracia e da Constituição de 1988. Nos orgulhamos da independência de nossas instituições, da força de nosso Supremo Tribunal, da Lei de Responsabilidade Fiscal, de nossa capacidade de impedir pacificamente um presidente da República, em 1992.
E, agora, nos esquecemos disso tudo? É possível urna democracia em que, nos momentos extremos, cada um estabelece seus próprios critérios de legitimidade “para além das regras do jogo”? Intuo que não, mas não tenho uma resposta acabada. Suponho que vá ai um longo aprendizado.
Fonte: Zero Hora – RS – 03/09/2016