12/02/2014
A prisão de Henrique Pizzolato na Itália na semana passada com documentos falsos e a descoberta de um plano de fuga que remonta a 2007, cinco anos antes de o Supremo Tribunal Federal dar suas sentenças sobre o mensalão, deixaram parte dos petistas constrangida e já levamos integrantes do partido da presidente Dilma Rousseff a tentar “isolar” o caso do ex-presidente de Marketing do Banco do Brasil.
O relato da tentativa de Pizzolato de se passar por Celso, seu irmão morto num acidente de carro em 1978, inclusive na hora em que foi descoberto pela política italiana, contrasta com as imagens da prisão, em novembro do ano passado, de petistas com os braços levantados, como o ex-ministro da Casa Civil José Dirceu e o ex-presidente do partido José Genoino.
O gesto que buscou dar uma conotação de “julgamento político” ao mensalão também foi repetido pelo ex-presidente da Câmara João Paulo Cunha, dias antes de sua prisão, ocorrida na terça-feira, e ganhou ares de provocação quando feito pelo atual vice-presidente da Câmara, deputado André Vargas (PTPR), ao lado do presidente do Supremo, Joaquim Barbosa, na cerimônia de abertura dos trabalhos legislativos, realizada também na semana passada.
A reação de constrangimento veio do líder do PT na Câmara, Vicentinho (SP).”Estou comparando a situação dele com as dos outros, quando foge parece que você está assumindo a culpa. É um sentimento de vergonha e constrangimento que fica para a militância do PT”, disse na quinta-feira. “Estamos defendendo a tese da inocência, combatendo o que foi feito no julgamento, então ele não tinha que ter fugido, tinha que ter ficado aqui junto com os outros fazendo o debate”, completou.
No dia seguinte, Vicentinho afirmou que suas declarações foram um “desabafo”. Negou que Pizzolato seja danoso à narrativa dos condenados “injustiçados”.
A tentativa de “isolar” o caso Pizzolato começou a ser verbalizada logo depois. “A fuga do Pizzolato não diz respeito a nada do PT. 0 governo brasileiro está tomando as medidas para providenciar a extradição. E um problema que está a cargo da Justiça e da policia internacional. Esta questão não envolve o PT nem tangencialmente nem lateralmente, disse o presidente do diretório estadual do PT em São Paulo, Emidio de Souza.
Pizzolato construiu sua história no movimento sindical, como funcionário de carreira do Banco do Brasil e dirigente do fundo de pensão da entidade estatal, a Previ. Chegou a ser candidato ao governo do Paraná pelo partido em 1990 atacando justamente um dos crimes pelos quais foi condenado no mensalão, a corrupção.
Assim como presidente do PT paulista, o líder do partido no Senado, Wellington Dias (Pl), também tenta apartar o caso de Pizzolato dos outros condenados. “O caminho dos demais presos de se apresentar voluntariamente foi o mais adequado”, disse Dias, que é ex-governador do Piauí. Para ele, a atitude do ex-diretor do Banco do Brasil foi “de foro intimo”. O senador ressaltou que o PT, apesar de respeitar as instituições, “se dá ao direito de discordar das decisões” do Judiciário brasileiro.
Autor do gesto de provocação a Barbosa na abertura dos trabalhos legislativos do ano – foi até flagrado enviando uma mensagem de celular em que fala em dar uma “cotovelada” no presidente do Supremo-, Vargas foi seco ao ser questionado sobre Pizzolato na sexta-feira: “Cada um responde pelos seus atos”.
Para o vice-presidente do Senado, Jorge Viana (PT-AC), Pizzolato fugiu para evitar o sofrimento dos demais condenados. “A tentativa de denegrir a imagem do PT sempre existiu. Esse processo já é duro o suficiente. Tomara que esse pesadelo um dia pare.” A direção do PT já divulgou várias notas oficiais que questionam o mensalão, sempre sugerindo se tratar de um julgamento de exceção. Sobre Pizzolato, ainda não houve manifestação oficial.
Campanha. Os nomes que vão disputar a eleição neste ano sabem que devem enfrentar críticas relativas ao caso. E já ensaiam qual o melhor discurso a adotar. Questionado sobre Pizzolato na sexta-feira, o ex-ministro da Saúde Alexandre Padilha, pré-candidato ao governo paulista, preferiu destacar a ação do ministro da Justiça, Jose Eduardo Cardozo, que comanda o processo de extradição do ex-diretor do Banco do Brasil. “O PT tem orgulho de ter um ministro da Justiça filiado ao partido que vai agir com o mesmo rigor com qualquer pessoa, independentemente de qualquer filiação partidária que essa pessoa tenha tido.”
DEPOIMENTOS
Aldo Fornazieri, diretor da Fundação Escola de Sociologia e Política
PT deveria se pronunciar e condená-lo: “A insistência de petistas condenados no mensalão na ideia de que são presos políticos – como fazem José Dirceu, Genoino e João Paulo – é uma estratégia de redução de danos. Uma forma de tentar salvar suas biografias. Afinal, eles tiveram papéis importantes na democratização do país e na vida do partido. Mas, do ponto de vista moral, todo o episódio envolvendo Henrique Pizzolato é um enorme constrangimento.
Acho até que a atitude correta do PT seria se pronunciar publicamente em relação a ele, condenando sua fuga. Ele não era figura importante no petismo, mas, enfim, era do partido. Por outro lado, me parece que seria uma arbitrariedade misturar as coisas e julgar moralmente os outros petistas condenados a partir das atitudes de Henrique Pizzolato. Esses outros foram condenados, reclamaram, levantaram o braço, mas se apresentaram, estão presos, pagaram suas multas. E Pizzolato fugiu. Foi o único do partido a fazer isso. Do ponto de vista moral, essa fuga foi um desastre completo. Os outros petistas alegam ter feito o que fizeram – embora tenham feito coisas condenáveis -, em nome do partido, de uma causa política. A personalidade do Pizzolato vai além disso. Falsificar passaportes, usar o nome do irmão, isso mostra que ele tem uma personalidade delinquencial. Não acredito em desgaste para o PT porque ele não estava na linha de frente na legenda. Algum tipo de desgaste certamente haverá, mas não um impacto eleitoral importante. O estrago do mensalão já foi testado em 2oo6, quando Lula ganhou, e depois com Dilma em 2010.
Lincoln secco, professor de História Contemporânea da USP
” É cedo para dizer qual será o desgaste” Não me parece que o efeito da fuga de Henrique Pizzolato venha a ser grande na imagem do PT, mas é cedo para dizer seu tamanho real. Não temos como saber os desdobramentos, se ele será extraditado ou não. Se for, será um problema para o PT. Pois, como governo, ele tem de pedir essa extradição e, como partido, vai sofrer se isso ocorrer. Mas tudo depende do governo italiano. Se ele obtiver um habeas corpus, seu discurso ganha força. Mas se continuar preso na Itália, isso vai destruir sua argumentação de “preso político”. Será mais um governo, o segundo, a corroborar as acusações que pesam sobre sua conduta. Dentro do partido, o impacto é limitado. Pizzolato tem uma trajetória sindical, foi militante na área bancária – mas sempre uma figura desconhecida. Só se tornou uma figura visível já sob os holofotes do escândalo do mensalão. Essa trajetória dificulta qualquer tentativa de fazer dele um mártir político. Delábio também cresceu na área sindical, mas já era uma liderança dentro da máquina partidária nos anos 80. A mobilização que ocorreu para obtenção dos recursos para quitar as multas dele e de Genoino – como deve ocorrer com Dirceu – não ocorreria no caso de Pizzolato. Para esses outros, tentar passar a ideia de preso politico é racional: todos são figuras emblemáticas. Mas não vejo o episódio como grande conflito para o petismo, pois a maioria desconhece Pizzolato. O mais racional para a direção do PT é se distanciar, pois não se trata de um dos grandes nomes da legenda. Os escándalos não afetam, embora a militância sempre queira uma satisfação .
Carlos Moto, cientista político e pesquisador do Insper
No processo, ele nem era do núcleo político: “No Supremo, quando se julgou o caso do mensalão, Henrique Pizzolato foi colocado no chamado núcleo de operações, não no núcleo político. Isso já diz muito dele e do caso: colocá-lo na mesma balança dos outros, ditos presos políticos, portanto, é complicado. Claro que o ex-diretor do Banco do Brasil desejaria o status de preso político – só que não agiu como os outros agiram. Dai, tem de ser analisado de forma diferente. Não admitiu cumprir a lei, agiu premeditadamente, fugiu, cometeu crimes comuns, foi levado a tribunal de outro país por esses crimes. Faz parte da rotina da Justiça um réu reclamar e em seguida cumprir a pena. Foi o que os condenados do núcleo político fizeram, mas sem resistir à prisão nem desafiar a Justiça. Foi nada mais do que jus esperniandi, o direito de espernear. Quanto ao impacto das ações de um “preso comum”, ante a causa dos “presos políticos” – o problema com que se depara o PT -, eu diria que é mais uma flechada em São Sebastião. Quem condenou o partido condenará também o Pizzolato. Aumenta em intensidade a condenação mas não aumenta em número de eleitores. E no outro lado, o da militância, quem absolveu o PT e absorveu o golpe, não me parece que mudará de atitude, ou de posição, por causa do modo como se comportou Pizzolato.
É mais um episódio de um tema maior, o mensalão, que, política e eleitoralmente, como já se disse, está precificado para o partido.
Fonte: O Estado de S. Paulo – 09/02/2014