Artigo do professor Carlos Melo
Com fortes evidências de que o governo Temer não ata e nem mais desata, as atenções se deslocam para o campo eleitoral. As comunidades política e econômica só pensam no embate do ano que vem; para esses agentes, a eleição já começou; 2018 é hoje. Há muita ansiedade no ar, uma aflição em relação ao devir que, naturalmente, induz ao erro: busca-se, antes, o melhor candidato sem importar, porém, quem, afinal, seria melhor presidente. Há uma inversão de lógica: primeiro a imagem, depois a essência.
Abutres destroçam as vísceras de um país acorrentado à crise; é preciso criar consensos, reordenar forças e refazer o sistema. Mas, isto parece menos relevante ou urgente: mais importante é a agenda econômica, ainda que se despreze as dificuldades para implementá-la. Quem teria mais habilidade para lidar com o Congresso, enfrentar corporações; superar — sem destruir — a Lava Jato? Como promover transformações efetivas, na política e economia? Ninguém sabe porque ninguém pergunta.
Má conselheira, a ansiedade faz ouvidos de mercador aos apelos da razão: ””a pressa requer calma para não queimar etapas e pagar por erros que deixem tudo pior que no início””. A ponderação tem pouco charme; no baile do desassossego, ninguém tira a prudência para dançar. A precipitação é a guia dos amadores e a marreta, o chapéu do otário. O Brasil se repete a cada vinte e poucos anos — 1960, Jânio; 1989, Collor; 2018… Depois, não sabe onde tudo se perdeu.
É nesse contexto que se busca o melhor candidato, o mais competitivo; seja ele Lula ou João Doria. São os preferidos de 9 em cada 10 operadores do curto prazo. O ex-presidente é a salvação do PT; o prefeito, do mercado. Possuem qualidades extraordinárias como candidatos: Doria está em campanha desde 2016; Lula, desde sempre. Comunicam-se bem para seus públicos e dividem opiniões tanto quanto o país está dividido. São nomes para o embate, não para a conciliação; farão grandes bancadas. Num país que namora o conflito, são música para ouvidos que buscam cantos de guerra.
Lula é conhecido, falemos do prefeito: extremamente sagaz, usa o figurino de ””não político””; desde cedo, percebeu o ambiente que despreza o velho e cultua o novo, mesmo que o desconheça. Encarna o justiceiro, capitaliza a crise, a ineficiência dos serviços públicos, a má fama dos políticos; brota do esgotamento do sistema. Empunha duas bandeiras: uma, econômica; outra, moral. Anti Lula, retira saldo das frustações, decepções e antipatias, dos excessos do PT. É habilidoso.
Alimentando a este anseio, João Doria mostra-se, com efeito, um candidato com gana. Seu cálculo é voltado à expansão objetiva do poder: quer mais e quer rápido; a cidade não lhe basta; como também não bastaria o estado. Predestinado ou não, seu foco é o país, onde fará prevalecer, de verdade, sua vontade. Chega ao paroxismo de uma força voluntariosa que não quer limites de compromissos e fidelidades.
Competitivo, o senso de oportunidade é seu soberano. Compreende que há constrangimentos, no PSDB: fossem adversários apenas José Serra ou Aécio Neves, não haveria meios pudores. Mas, Geraldo Alckmin, merece alguma cerimônia — tratamento de luxo que a etiqueta impõe ao afilhado. O prefeito prevê logo alcançar o segundo lugar nas pesquisas e tornar-se, assim, inevitável. Atropelando Jair Bolsonaro, será assimilado por toda a direita, ampliará então ao centro esmagando Alckmin, indo em direção a Lula.
Para isto, rasga os céus, cruza o Brasil, vocaliza um novo e os planos do setor privado, mas articula-se com o atraso que sempre colheu as sinecuras do Estado, como o DEM e o PMDB. Já foi adotado por esses setores de rara sensibilidade para o poder e mora nas apostas como alternativa para quem precisa sobreviver à crise do sistema como também aos fantasmas da Lava Jato. Michel Temer e Romero Jucá o recebem de braços abertos. O Brasil tem dessas coisas de ser o avesso do avesso do avesso.
Na sociedade líquida, Doria é realmente um fenômeno de adaptação às mudanças do século XXI, multimídia e alucinante. Marketing 24 horas por dia, é som, imagem e fúria. O vídeo em que envolveu Geraldo Alckmin — paralisado em seu sorriso amarelo — é coisa de mestre. Dos algoritmos de suas redes, explode para o mundo de verdade e hoje é realidade na política nacional. Nesse aspecto, é realmente moderno.
(Do outro lado da sala, Ciro Gomes espreita a tudo; espreita a Doria e a Lula. Está para o ex-presidente como prefeito está para Alckmin: na inviabilização de um, reside a viabilidade do outro. Tateia a conjuntura à procura de brechas; proativo e se expande também pelas redes de outros algoritmos. Vocaliza o anti status quo de Temer, tucanos e Doria; mas, não queima as mãos por Dilma, Lula ou pelo PT. Numa eleição de desaforados, haverá espaço para seu estilo desbocado. Ao seu tempo, será assunto para outro artigo.)