Maio de 68 foi o primeiro flash mob contemporâneo. Assim o professor Fernando Schüler, titular da Cátedra Insper e Palavra Aberta, resume um dos maiores movimentos sociais da história. A manifestação que ganhou as ruas de Paris e refletiu no mundo todo completa 50 anos, repercutindo até hoje.
Mas por que um movimento tão efêmero é ate hoje tão discutido? Iniciado por universitários franceses, o movimento tinha como bandeira reivindicações que abarcavam desde a reforma da grade estudantil, até o fim da guerra do Vietnã, passando por um embate ao capitalismo, maior participação das mulheres na sociedade e liberdade de expressão sexual. Rapidamente ganhou notoriedade, sendo seguido por outros atores da sociedade, como os sindicatos dos trabalhadores, que promoveram a maior greve da história da França, artistas e intelectuais, como os filósofos Jean-Paul Sartre, Michel Foucault, Gilles Deleuze, André Gorz e a escritora e intelectual Simone de Beauvoir.
Entre esses nomes, surgiu Daniel Cohn-Bendit, jovem alemão radicado na França. Avesso ao sistema partidário tradicional, o estudante não se enquadrava nas tradicionais vertentes de esquerda, nem era conservador. Ele representava uma terceira via. Como os outros pensadores que marcaram o movimento, defendia as novas agendas que deram origem a ideia da destradicionalização da sociedade, tornando-se um ícone de Maio de 68 ao lado de Jackes Sauvageot, vice-presidente da União dos Estudantes Franceses que liderou as marchas por Paris com a participação de estudantes e de trabalhadores, e Alain Geismar, líder estudantil do grupo Estudantes Socialistas Unificados.
Muitas das estruturas que alimentaram as manifestações e mudanças culturais que atingiram seu ápice explosivo em 1968, como o protagonismo juvenil e feminino, as mudanças de classe social, trabalho e divórcio, por exemplo, já vinham sendo abaladas desde o final da 2ª Guerra Mundial. Historiadores avaliam que a data marca não apenas uma crise, mas três, que acontecem na mesma época e se retroalimentam: a estudantil, a operária e a política, mas é o seu caráter difuso que a caracteriza.
“Maio de 68 é uma reação não apenas contra a política tradicional francesa, mas com o modo de vida da mecanização da sociedade industrial. Foi uma manifestação efêmera, no sentido em que ela aconteceu, viralizou e desapareceu”, analisa Schüler. Na sua avaliação, essa onda de protestos não deixou saldos orgânicos, mas deixou um saldo simbólico no campo das mentalidades.
50 anos depois
As manifestações de 68 foram as primeiras a terem apelo midiático, marcado pelo uso de imagens que contam a história de uma geração. Hoje, 50 anos depois, com a eclosão da tecnologia e das mídias sociais, vemos uma nova onda de grandes manifestações pontuadas por imagens, vídeos e narrativas multiplataformas. Mais facilidade e agilidade para mobilizar populações, mas um discurso cada vez mais segmentado e menos unificado, característico dos novos canais de divulgação.
Schüler associa os episódios de maio de 68 com movimentos de massa contemporâneos, como as manifestações e protestos ocorridos em 2013 no Brasil, quando milhares de pessoas foram às ruas reclamar do aumento dos preços de passagens de ônibus, ampliando a projeção para outros temas da agenda política. “Ambos foram movimentos efêmeros, que passaram ao largo das estruturas partidárias tradicionais e apresentam a questão cultural associada à exigência de ética pública”, explica.
O papel da mulher
Nos anos 60, o papel da mulher na sociedade ainda era secundário, com poucos direitos, restrição de trabalho e ainda não era debatida a construção social de seu lugar na sociedade. Em 68, as mulheres levantaram bandeiras contra a submissão, o preconceito no mercado de trabalho, o papel exigido e oferecido às mulheres.
Cinquenta anos depois, apesar de as mulheres ganharem até 58% menos do que os homens em cargos equivalentes e terem dificuldade de ocupar cadeiras de liderança ou mesmo de voltarem ao mercado de trabalho após a maternidade, outras pautas de gênero avançaram. Direitos dos homossexuais e o reconhecimento social de transgêneros são vitórias impensadas naquela época. Hoje, o uso do nome social é um direito legal, assim como outras pautas LGBTS: casamento, adoção e a criminalização da homofobia.
Sindicalismo
Com a adesão dos sindicatos ao movimento, a França viveu uma greve geral que durou várias semanas, reuniu cerca de 8 milhões de trabalhadores e paralisou o país, desdobrando em acordos que conseguiram aumentar o salário mínimo em 35%.
Hoje debate-se o papel dos sindicatos e assiste-se ao encolhimento de sua representatividade. Dados do IBGE apontam que entre 2012 e 2016, cerca de 1 milhão de pessoas se desvincularam de uma entidade representativa da classe profissional no país, que também desobrigou o pagamento de taxa sindical de todos os trabalhadores contratados com carteira assinada no ano passado. O papel dos sindicatos nunca esteve tão questionado.
Difuso, efêmero, midiático, Maio de 68 completa 50 anos ainda convidando para o debate sobre as estruturas e papeis sociais no mundo todo. Quer saber mais? Veja a lista de livros e filmes que selecionamos sobre as manifestações que inspiram gerações até hoje.
CINEMA
- Confrontação: Paris (1968) – Seymour Drescher e Eugen McCreary
- Tudo Vai Bem (1972) – Jean-Luc Godard, Jean-Pierre Gorin
- O Fundo do Ar É Vermelho (1977) – Chris Marker
- Noites Longas e Manhãs Breves (1978) – William Klein
- Loucuras de uma Primavera (1990) – Louis Malle
- Os Sonhadores (2003) – Bernardo Bertolucci
- 1968 (2008) – Patrick Rotman
- No Intenso Agora (2017) – João Moreira Salles
LITERATURA
- Esqueça 1968 – Daniel Cohn-Bendit
- 1968, o Ano que Não Terminou – Zuenir Ventura
- Maio de 68: Revolta ou Revolução – Benjamim Stora
- Geração: Os Anos de Sonhos e Os Anos de Pólvora – Patrick Rotman e Hervé Hamon
- 1968: Eles Só Queriam Mudar o Mundo – Regina Zappa e Ernesto Soto